terça-feira, 30 de junho de 2009

Sobre a aliança Ricardo-Cássio

Nessa postagem, vou esboçar uma análise da situação política da Paraíba e, de maneira temerária, projetar as alternativas dos atores do jogo político paraibano, centrado, por enquanto, em Ricardo Coutinho. Alguns dirão ser isso mera especulação. É verdade. Mas, o que seria da análise política se não fossem esses esforços de tentar projetar, não adivinhar, o futuro? A aliança Ricardo-Cássio Tenho escutado com freqüência que Ricardo Coutinho só se elege governador numa disputa com Maranhão caso tenha o apoio do ex-governador Cássio Cunha Lima. Essa lógica é predominante entre os apoiadores do atual prefeito de João Pessoa, e reverbera uma opinião abertamente disseminada pelos “analistas” políticos de jornal e rádio claramente identificados com o cassismo. Daí porque todo fato que pode demonstrar essa aproximação – presença de Ivandro Cunha Lima em reunião do PTB em ato de apoio a Ricardo, conversa deste com o ex-governador Ronaldo Cunha Lima – recebem o destaque desmesurado e quase ao som de foguetões dos cassistas; para os maranhistas, esse é o sinal mais claro de uma aliança já celebrada. Entretanto, entre os muitos eleitores pessoenses de Ricardo Coutinho com quem tenho conversado até agora, não a respeito das possibilidades de vitória, em 2010, mas sobre a manutenção do voto no prefeito caso se confirme essa aliança, posso dizer que até agora 100% deles afirmaram que não apenas não votam, como rejeitam enfaticamente uma chapa que ligue Ricardo a Cassio. É claro que não considero o resultado dessas conversas como dados da realidade. São conversas, bate-papos, e, o que é mais importante, sem a mediação do debate político que acontece durante uma campanha eleitoral, e que pode reforçar determinadas tendências ou anulá-las. Nesse caso, o que é surpreendente – nem tanto em se tratando do eleitor pessoense – é a ampla rejeição à aliança Ricardo-Cássio. Mesmo sem o acesso a pesquisas sobre essa questão, me arrisco a dizer ser essa (a rejeição a uma aliança Ricardo-Cássio) uma tendência entre o eleitorado de João Pessoa, especialmente de classe média – o que é mais temerário para Coutinho, – que se consolida a cada dia. Um argumento dos ricardistas é que essa perda de votos seria residual e amplamente “compensada” no interior do estado, especialmente em Campina Grande. Tem alguma lógica esse raciocínio, mas ele implica em sérios riscos para Ricardo Coutinho. O primeiro, é abertura de um poderoso flanco para ataques dos adversários dentro da sua fortaleza, que é João Pessoa. Nenhum general sai para uma guerra sabendo desde já que sua retaguarda ficará desguarnecida. Ricardo, em aliança com Cássio, um político reconhecidamente antipatizado em João Pessoa, terá que explicar durante toda a campanha essa aliança e será cobrado permanentemente por seus adversários. E quem pode assegurar que essa atitude se restringe ao eleitorado de João Pessoa? E nas médias cidades, como Patos, Souza, Cajazeiras, Monteiro, Guarabira, como reagiria o potencial eleitor ricardista ansioso por quebrar o monopólio das duas famílias que se revezam no poder há 20 anos? Enfim, os eleitores do Nordeste, finalmente, vem dando mostras, especialmente a partir de 2006, que desejam se libertar das oligarquias políticas familiares que, desde que o Nordeste é Nordeste, controlam a vida política nessa região. O segundo risco, decorrente do primeiro, é Ricardo aumentar sua dependência em relação ao cassismo, fazendo-se prisioneiro desse grupo na campanha e em um futuro governo, quando dependerá fortemente do seu apoio para governar. Além disso, essa aliança com Cássio provavelmente isolaria Ricardo, deixando-o sem a companhia dos partidos de esquerda. No PT, por exemplo. Os filiados petistas escolherão a direção partidária em novembro, definindo com isso a política de aliança do partido. Como eles reagirão à essa aliança com Cássio, até hoje a principal liderança do PSDB, partido que abriga os principais adversários do governo Lula e que tem entre os seus quadros, o governador de São Paulo, José Serra, o representante da conservadora elite paulista e principal candidato da oposição contra Dilma Roussef, a candidata do PT? Como reagiria a Direção Nacional do PT, Dilma Roussef e o presidente Lula? Não tenho dúvida que a banda maranhista do PT ganhará de presente um poderoso discurso para vencer essa disputa interna, pois só a conversa de que o PT é governo não basta. E o PCdoB? Mantendo até agora o firme apoio aos dois governos, encontrará o argumento definitivo para abandonar o barco ricardista quando finalmente chegar o momento da decisão. E um argumento poderosíssimo, diga-se de passagem. Isolado da esquerda e com excessos de apoios à direita, Ricardo faria uma campanha apenas reproduzindo o tradicionalismo da política paraibana e seria engolido pela disputa Marnanhão X Cássio, assumindo ele a triste condição de biombo dessa disputa. O discurso da renovação iria por água abaixo. É bom lembrar que, onde a esquerda venceu no Nordeste, em 2006, em nenhum lugar envolveu entre os partidos aliados figuras proeminentes do tucanato, nem muito menos o PSDB. No Maranhão, onde existia a mais renhida oligarquia política, foi necessária uma ampla frente para derrotá-la. Em três estados (Ceará, Bahia e Sergipe), estados onde o PMDB é força secundária, este partido participou das coligações vitoriosas, tendo a esquerda enfrentado a aliança DEMOS-PSDB. Em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Piauí, o núcleo dirigente das coligações vencedoras compunha-se pelo PT, PC do B e PSB, o PMDB - aliado de DEMOS e do PSDB - foi o principal adversário. Em todos eles, a esquerda venceu, o que tornou a Paraíba o único estado do Nordeste a não ter tido ainda a experiência de um governo de esquerda. Os riscos de Ricardo Como não se pode fazer política, especialmente a grande política, sem correr riscos, Ricardo terá que fazê-lo se quiser continuar sendo protagonista nos grandes acontecimentos da política paraibana. Apesar de que, entre os participantes dessa disputa, é o que está em situação mais confortável, tendo ele várias alternativas. José Maranhão, por exemplo, não tem o tempo como aliado, isto é, a idade, e é um político em fim de carreira. Por isso, considero que será candidato de todo jeito, especialmente porque conta com duas maquinas poderosas ao seu lado: a do Estado e a máquina partidária do PMDB; Veneziano, apesar de jovem, vive um dilema que está associado ao seu futuro político na cidade em que é prefeito: ele provavelmente não elege seu sucessor, pois não dispõe de um candidato forte para enfrentar o candidato do esquema dos Cunha Lima, em 2012, provavelmente o próprio Cássio Cunha Lima, numa guerra de vida ou morte para o ex-governador. Por isso, não acho improvável que Veneziano seja candidato em 2010 e, se depender de Maranhão, a vice. Já Ricardo tem muitas alternativas: ser candidato a governador, numa aliança à esquerda com PT e PCdoB, ou à direita com o cassismo; Ricardo pode ainda ser candidato a senador, na chapa de José Maranhão, alternativa que deve provocar calafrios no ex-governador Cássio Cunha Lima; ou simplesmente, Ricardo pode concluir sua administração em João Pessoa, reeleger seu sucessor, e esperar 2014. Com tantas alternativas, Ricardo pode fazer livremente sua pré-campanha para governador, pois, em qualquer das circunstâncias, ela terá sido útil a qualquer das suas alternativas políticas. Entretanto, caso vigore as articulações em curso e Ricardo constitua uma aliança com os Cunha Lima e seja derrotado por Maranhão, seu futuro político corre sério risco. Primeiro, porque Ricardo ficará sem cargo público por quatro anos, a não ser que se candidate a vereador, em 2012. Segundo, uma derrota em 2010 colocará em xeque a eleição do seu sucessor, em João Pessoa, sendo óbvio que Maranhão tentará derrotá-lo a todo custo e, dependendo das alianças de 2010, com a contribuição de Cícero Lucena. Veneziano, sem a concorrência de Ricardo, assumiria a condição de sucessor natural de Maranhão, para provavelmente enfrentar Cássio Cunha Lima, em 2014. Os riscos são enormes. As possibilidades também. Na próxima postagem, argumentarei porque acho que Cássio sairá do PSDB.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

SOBRE UMA POSSÍVEL CONVERSÃO DE MINHA PARTE AO CASSISMO

Em razão da irritação causada em alguns defensores do governo Maranhão por conta dos comentários a respeito de dois aspectos que considero avanços do governo Cássio Cunha Lima (a lei antinepotismo e a autonomia financeira da UEPB), eu esclareço que não virei cassista, assim como nunca fui maranhista quando criticava severamente o governo de Cássio. Não acho também que por conta disso, o governo Cássio possa ser considerado melhor que o de Maranhão. O atual governador terá que fazer um governo muito medíocre em vários campos para conseguir ser pior que o governo anterior.

Entretanto, eu continuo a achar que a lógica do cordão encarnado - e preto, do PMDB - contra o cordão azul - e amarelo, do PSDB, - além de ser um atraso para a política paraibana, só beneficia os dois contendores principais dessa disputa. É como se o destino da Paraíba estivesse inexoravelmente atrelado a esses dois grupos políticos. E desse jeito lá se vão quase 20 anos de revezamento entre Cassio e Maranhão no poder.

Sobre Cássio, eu devo dizer aos maranhistas que se todo o governo estadual se juntar em um único espaço, provavelmente ninguém ali terá mais criticado publicamente - sim, porque em mesa de bar não vale - o ex-governador tucano do que eu, principalmente no quer diz respeito a forma patrimonialista da gestão pública empreendida por ele, não tendo sido por acaso que ele foi cassado pelo TRE da Paraíba duas vezes (outras ainda virão?).

E se eu resolvesse juntar tudo o que eu escrevi e foi publicado sobre Cássio, por exemplo, na coluna do jornalista Rubens Nóbrega no Correio da Paraíba, focando especialmente na postura pouco republicana do cassismo na administração da coisa pública, talvez desse para fazer um pequeno livro. Ou seja, fiz o que muito maranhista tinha vontade e não tinha coragem sequer de dizer, quanto mais de escrever e tornar público no jornal de maior circulação do estado e na mais lida coluna do jornalismo paraibano.

Não gosto de lembrar desse fato, mas foi por essa razão que minha esposa foi demitida, em 2007, depois de prestar serviços ao estado como Assistente Social por mais de 14 anos, e no começo de uma gravidez. Se alguém conhece bem a mesquinhez política do cassismo, esse alguém sou eu.

sábado, 13 de junho de 2009

UEPB LUTA NÃO SÓ PELA AUTONOMIA FINANCEIRA, MAS TAMBÉM PELA AUTONOMIA POLÍTICA DIANTE DO GOVERNO DA PARAÍBA

Acho não ser necessário afirmar aqui minhas críticas ao conjunto da obra do governo Cássio Cunha Lima. Isso, obviamente, não invalida o reconhecimento dos importantes avanços do seu governo. Eu já disse, em outro espaço, que um dos importantes legados dos seis anos do governo Cássio para as atuais e futuras gerações foi, é e espero que continue sendo a lei antinepotismo. Com essa lei, as instituições políticas e administrativas da Paraíba não dependerão do comportamento individual de cada governante e resguardarão princípios caros aos ideais republicanos. Pelo menos até que os preceitos da impessoalidade na gestão da coisa pública estejam definitivamente incorporados à cultura política paraibana e brasileira, leis como essas continuarão necessárias. Pois é, de onde menos se esperava...

Uma outra importante e corajosa atitude do ex-governador foi a iniciativa, convertida na lei 7.643/2004, que concedeu autonomia financeira à Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialmente num país onde as universidades públicas vivem sob tutela do Estado essa mudança tem um significado muito abrangente. Essa tutela do Estado sob a universidade se efetiva hoje através de ações de planejamento, de organização, na iniciativa de propor legislações específicas, de definições estratégicas como, por exemplo, a elogiável política de expansão do governo Lula, como o Reuni. Se isso não bastasse, o Estado ainda tem o poder de autorizar, reconhecer, credenciar e supervisionar os cursos (de graduação e pós-graduação) das universidades, bem como avaliá-las, o que hoje também se estende aos seus alunos. Enfim, o poder do Estado sobre a universidade no Brasil parece ilimitado.

E esse poder de intervenção estatal sobre a universidade tem origem em outra e mais significativa limitação imposta e ela que é o controle sobre o seu financiamento, sem o qual as outras formas de controle dificilmente se efetivariam. Reitores e dirigentes universitários encontram-se sob uma rigorosa dependência financeira, e isso determina, em uns mais em outros menos, um comportamento submisso em relação ao Governo Federal, seja a qual governo for.

Por isso, quando a reitora Marlene Alves recentemente confrontou o governador José Maranhão e sua equipe, denunciando não apenas cortes no orçamento da UEPB (R$ 16 milhões), que serão, como sempre, nefastos ao funcionamento daquela instituição, ela afirma sua autonomia política diante do mantenedor direto da universidade, e faz isso porque conta com a autonomia que lhe assegura recursos financeiros, independente do humor do governador e da importância que ele dá à universidade. E Marlene sabe o solo onde pisa: ela, quando presidenta da associação docente da UEPB, chegou a fazer greve de fome para forçar o então governador José Maranhão a negociar a pauta de reivindicações dos professores em greve há várias semanas.

Com a preservação da autonomia financeira da UEPB, a sua comunidade preserva uma conquista que tem repercutido significativamente na vida da instituição, a começar pela política de valorização salarial dos seus docentes, ponto inicial de qualquer proposta de melhoria da universidade, além da expansão e aprofundamento da interiorização da universidade. Mais do que isso, ela ajuda a manter as bases para a independência política dos seus dirigentes. E Marlene Alves torna esse fato um fato concreto e um fato raro na vida política da universidade brasileira.

Por isso, a autonomia financeira da UEPB deve ser vista hoje não apenas como uma conquista dos membros daquela comunidade universitária, mas de toda a sociedade paraibana. São poucas as instituições universitárias no Brasil (nenhuma é federal) a contar com autonomia financeira. A divulgação da proposta do governo estadual, felizmente repelida pelo governador depois da pertinente resistência pública da reitora e da união da comunidade da UEPB contra os cortes no seu orçamento, atenta não apenas contra a lei da autonomia, mas contra um mecanismo que tem permitido a UEPB melhorar como universidade.

E a Paraíba tem muito a ganhar com isso. Força Marlene. Força UEPB.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cassio, Maranhão e o TCM

Enviei os comentários abaixo para o Jornalista Rubens Nóbrega, que gentilmente os publicou em sua coluna diária no Correio da Paraíba. A coluna de Rubens é o mais expressivo exemplo que temos na Paraíba de um jornalismo independente em sem rabo preso com governos e governantes. Rubens agiu assim durante todo o governo Cassio e, no início do governo Maranhão, já dá mostras de que não mudará de postura. E só isso justificaria, por si só, a leitura de sua coluna. Além de tudo, o magnífico texto com que Rubens brinda os seus leitores diariamente faz dessa coluna o espaço mais qualificado do jornalismo paraibano. Abaixo, os comentários publicados no Correio da última terça.

Rubens,
Dois breves comentários - influenciados pela sua coluna de hoje - a respeito de ações que deixam claro o quanto Maranhão e Cássio são diferentes e, ao mesmo tempo, tão parecidos:

1. Por conta da limitação de tempo de um governo que se inicia pela metade e, reconheçamos, pelas dificuldades impostas pela redução na arrecadação devido à redução do consumo proporcionada pela crise econômica, o programa de ações do atual governo – ou seja, aquilo que será mostrado na campanha como realizações do candidato à reeleição – tende a ficar restrito a conclusão de parte das obras identificadas na Caravana da Reconstrução como abandonadas. Com isso, o governador tentará mostrar aos eleitores que, primeiro, Cássio não concluiu as obras deixadas pelo antecessor, sendo um político mesquinho e pouco atento ao interesse público, e, segundo, que Maranhão, diferentemente de Cássio, faz o oposto, concluindo-as, independente de qual governo iniciou-as, mesmo sendo o governo de um Cunha Lima. Será essa a grande diferença entre os dois?

2. O completo silêncio do atual governador e de sua base de apoio na Assembléia em relação à proposta de criação do Tribunal de Contas dos Municípios, pode revelar mais do que uma mudança de posição que diz muito do que é a política na Paraíba, hoje. A intenção de Cássio, que Maranhão denunciou com firmeza, era criar uma estrutura bem remunerada (e vitalícia) para acomodar e comprometer de forma perene aliados políticos, o que motivou uma grande reação por parte da imprensa e da chamada “opinião pública” – na qual, vou logo dizendo, eu não me incluo – e que acabou forçando o ex-governador a recuar, mesmo tendo maioria na Assembléia. Agora, Maranhão parece não resistir à tentação (afinal, os aliados também são muitos...) e aparentemente se movimenta para ressuscitar o TCM. Isso seria uma recaída em direção às chamadas práticas oligárquicas? Nesse caso, convém ao governador ter cuidado: ele não deve apostar que, mesmo diante de um quadro de apatia, estejamos vivendo o que Celso Furtado chamou de “atrofia da vida política”, aspecto que Furtado observou no Nordeste dos anos 1950-1960, exatamente pelo predomínio dessas “práticas oligárquicas”.

Maranhão pode revelar com essa atitude de tentar recriar o TCM mais do que falta de coerência política, portanto. Ele pode demonstrar também que é muito pouco diferente do ex-governador Cássio Cunha Lima.

terça-feira, 9 de junho de 2009

A pobreza do desenvolvimento: o rural paraibano I



A discussão sobre qualquer projeto de desenvolvimento deve ser precedida por uma pergunta central a ser primeiramente levantada: desenvolvimento para quê e para quem? Alguns dirão estar fora de moda uma questão como essa (afinal, a luta de classes não acabou?). Entretanto, o que essa pergunta revela é o inconveniente de que a idéia de desenvolvimento não é tão neutra como se pensa. Muito pelo contrário, a resposta à questão indicaria antes de qualquer coisa quais são as prioridades do Estado e daqueles que formulam qualquer política de desenvolvimento. Trata-se aqui de determinar quais foram e quais são os beneficiários do desenvolvimento econômico, e se tais políticas ajudam a diminuir ou aumentar o fosso entre ricos e pobres.

Portanto, não cabe hoje discutirmos mais desenvolvimento por desenvolvimento. Em outras palavras, não é mais aceitável, pelo que o Brasil se tornou e pelo nível de empobrecimento a que estão submetidos amplos segmentos da população que formam contingentes de dezenas de milhões de miseráveis, especialmente no Nordeste, que continuemos a enxergar o desenvolvimento apenas pelo viés do crescimento do PIB e da renda per capita, instrumentos essenciais para mensurar a evolução econômica de qualquer país ou região, mas insuficientes para mostrar os avanços em termos de distribuição de renda e de qualidade de vida.

Esse é um modo enganoso de falar de desenvolvimento, pois falseia e esconde a desigualdade social que dele pode resultar, pois esse tipo de desenvolvimento é apenas crescimento econômico produzido pela concentração da renda e da riqueza, características marcantes do desenvolvimento brasileiro. Aqui, apesar do imenso crescimento da riqueza que se verificou nos últimos 80 anos, as desigualdades sociais só fizeram aumentar.

E esse quadro de desigualdade social é particularmente mais grave no Nordeste, onde vive quase a metade da população pobre do Brasil. Aqui, as características mais nefastas do desenvolvimento brasileiro foram potencializadas no processo de integração da região à expansão do mercado nacional a partir dos anos 1960. Os dados referentes ao crescimento do PIB são reveladores do que se afirma aqui. Entre 1960 e 1990, os índices de crescimento da região foram, na média, maiores que a média nacional. Veja abaixo:


A fonte dos dados pode ser acessada clicando aqui. Trata-se de uma análise do desenvolvimento nordestino de 1960 a 1995, da economista pernambucana Tania Bacelar.

Entretanto, mesmo com taxas de crescimento expressivas, não se verificou no Nordeste uma melhoria das condições sociais dos mais pobres, e isso pode ser revelado na relação população/participação regional na formação do PIB nacional: enquanto o Nordeste tem hoje uma população que equivale a 29% da população brasileira, a sua participação no PIB nacional é de apenas 14% (em 1960, era de apenas 7%) Esse dado referente ao PIB nordestino, que de 1970 em diante tem crescido a taxas médias superiores às taxas nacionais, resultando no aumento, mesmo que de maneira insuficiente, do peso da região na formação do PIB nacional, pode ser verdadeiro, mas enganador. (Os dados inseridos nos quadros abaixo podem ser consultados clicando aqui. Artigo de Sônia Rocha em que são analisados comparativamente os impactos sociais das políticas de combate à pobreza, em termos regionais, especialmente focado na pobreza metropolitana e rural.)



Especialmente, se tivermos em conta que a função do desenvolvimento econômico é modernizar as estruturas econômicas e sociais, diminuindo as desigualdades de renda e melhorando a qualidade de vida de toda a população. Entretanto, apesar da modernização econômica e social ocorrida nas últimas décadas no Nordeste, aqui não apenas foram mantidas como aprofundadas as desigualdades internas existentes antes de 1960, com uma significativa ampliação dos níveis de pobreza da população, agora de uma natureza distinta da pobreza existente antes da criação da SUDENE, em 1959, marco do processo de modernização capitalista nordestino. Uma pobreza caracteristicamente “moderna” (sem os meios da subsistência pré-capitalistas), de face urbana concentrada nas regiões metropolitanas, e com muita força no meio rural devido a concentração fundiária e aos problemas climáticos decorrentes da seca. Em síntese, temos aqui duas faces de uma mesma moeda: o desenvolvimento no Brasil e no Nordeste assume características sociais e históricas que potencializaram as desigualdades sociais e regionais já existentes, sendo, na verdade, o que André Gunder Frank chamou de desenvolvimento do subdesenvolvimento.

No espaço rural, as desigualdades são ainda maiores, o que também corrobora a lógica mais geral do desenvolvimento em nações periféricas, que acentua o fosso cada vez maior entre campo e cidade. No Brasil, pouco mais de 20% da população vive em áreas rurais, das quais 80% são pobres, isto é, vivem no limite da subsistência. Em 1992, 67% da população rural que habitava no Nordeste era pobre, sendo mais de 44% dessa população formada de indigentes. Segundo números do IPEA citados pela economista pernambucana Tânia Bacelar: “dos 32 milhões de brasileiros indigentes, 17,3 milhões estavam no Nordeste (55% do total nacional). Mais de 10 milhões residiam na zona rural da região. Assim, com 46% da população rural brasileira, o Nordeste tem 63% dos indigentes brasileiros que vivem nas áreas rurais. Dos indigentes urbanos do País, quase 46% estão no Nordeste”. (Para acessar a fonte dos dados, clique aqui)

Apesar dos avanços obtidos pelas políticas de combate à pobreza no Brasil, os dados mais recentes indicam uma drástica redução do número de indigentes, resultado das políticas de combate à pobreza do governo Lula. Os quadros abaixo mostram essa expressiva alteração no quadro de pobres e de indigentes. No primeiro, os índices de redução da pobreza no Brasil nas regiões metropolitanas, e depois nas cidades e no campo.

A redução do percentual de pobres e indigentes é mais expressiva no meio rural, onde está concentrada a maior fatia da pobreza brasileira, sendo que nas regiões metropolitanas o ritmo de redução da pobreza é menor. Mesmo considerando que o peso da população rural tenderá a ser cada vez menor (segundo o censo de 2000, a população rural brasileira era de 31,8 milhões, contra 138 milhões da que residia em cidades), não dá para desconsiderar essa população rural, especialmente porque a sua pobreza se combina com a quase ausência de serviços públicos e limitadas oportunidades de trabalho e de acesso à terra.



Especialmente no Nordeste, onde se registra o maior percentual brasileiro de habitantes no espaço rural. Veja abaixo que, comparado com o Brasil, os índices de pobreza e indigência regionais são muito mais acentuados no Nordeste, residindo na nossa região mais de 40% dos pobres e mais de 53% dos indigentes brasileiros. Note que, apesar dos avanços referentes à redução da pobreza e da indigência em termos absolutos, o quadro referente a participação relativa do Nordeste na formação da pobreza e da indigência brasileiras permaneceu quase inalterado, o que se explica que os impulsos dessa mudança são quase que exclusivamente externos à região - especificamente no Estado nacional -, mantendo-se de maneira insuficiente as políticas originárias dos governos estaduais.



No caso da Paraíba, os números são aterradores. Com uma população, em 2000, de 3.444.794, e uma população rural de 810.110, nesses espaço habitavam, em 2004, pouco mais de 192 mil indigentes e quase de 378 mil pobres, o que, somados, representam quase 70% da população rural paraibana!



Constatada a desigualdade no meio rural, a questão que se segue é: o que fazer? Esse será o próximo desafio deste blog.

terça-feira, 2 de junho de 2009

PT: SER E NÃO SER III

NOTAS SOBRE PRESSUPOSTOS PARA UM PROJETO DE DESENVOLVIMENTO PARA A PARAÍBA

O mundo está em crise. Mas, diante dessa constatação óbvia, a grande questão que a esquerda deve fazer é: qual a natureza da crise atual? Quais as influências dessa crise sobre modelos e projetos de desenvolvimento? Ela permitirá a retomada das velhas – e sempre novas, quando falamos de Brasil – bandeiras pelas quais as três principais tradições da esquerda brasileira (os comunistas, os trabalhistas e o PT) sempre lutaram e que sumiram da sua retórica na última década? Ou a conduzirá para o caminho definitivo do desenvolvimentismo com distribuição de renda e com a incorporação do que, nos anos 1980, chamávamos de reformas estruturais - reforma agrária, rompimento com a dependência financeira externa, reforma tributária, distribuição de renda através de uma participação sempre maior dos salários na renda nacional?.

Não vamos, por enquanto e apesar da urgência do debate a respeito da crise, antecipá-lo por aqui. Quando o fizermos, buscaremos indicar prioritariamente como a crise econômica global se projeta sobre as instituições que constituíram as fundações do pensamento “único” neoliberal, que está em crise terminal. Não é por outro motivo que o Estado volta com toda força a regular a economia para impedir o colapso do capitalismo. Quem critica hoje o aumento do gasto público, uma das pedras de toque do neoliberalismo? Quem critica hoje as estatizações de bancos e instituições financeiras ocorridas na Europa e EUA? Quem critica hoje a estatização da Chrysler, a 3ª maior montadora de automóveis do mundo? E quem não haverá de reconhecer que são as velhas (e essenciais, para o capitalismo) salvadoras políticas anticíclicas que no mundo e no Brasil, em especial, tem impedido o aprofundamento da crise e impedirá que o país entre em recessão, num quadro de uma crise que, inquestionavelmente, é a maior desde a crise de 1929?

Por isso, mais do que o esforço em debater sobre qual projeto político o PT deve cerrar fileiras na eleição de 2010 (Ricardo ou Maranhão), todas as energias das lideranças e filiados ao PT hoje deveriam estar concentradas na elaboração de novos e alternativos projetos de desenvolvimento para a Paraíba, tarefa que deveria ser rigorosamente precedida de um balanço dos últimos 20 anos de hegemonia do PMDB/PSDB. Em resumo, o PT não só deveria como tem a obrigação de debater o seu papel político e social para alterar esse quadro de atraso econômico e de indigência social que marca a economia e a sociedade do nosso estado.

Para ajudar nessa análise, observemos os principais indicadores sociais da Paraíba no quadro abaixo. (Click na imagem para ampliá-la)



Primeiro, chama a atenção o número de pobres (quase a metade da população paraibana); depois, o nosso índice de Gini, que é de quase 0,6 (o índice de Gini indica que quanto mais próximo de 0, menor será a desigualdade; quanto mais próximo de 1, maior). O índice de Gini brasileiro é de 0,580, o que significa dizer que a Paraíba chega a ter uma desigualdade maior que a do Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo (o Brasil ocupa o desonroso 10º lugar mundial). Para se ter uma idéia, a Paraíba tem um de desigualdade maior que a do Haiti (0,592), e muito próximo da Bolívia (0,601). Por outro lado, temos uma inaceitável taxa de analfabetismo entre adultos de 23,5% e uma Taxa de Mortalidade Infantil de 37 mortes por mil nascidos.

Ao mesmo tempo, a Paraíba vive em estado de estagnação econômica desde início dos anos 1970, quando sua participação no PIB nacional era rigorosamente a mesma de hoje. Em termos comparativos, em 1970 a economia do Rio Grande do Norte participava com 0,5 na formação do PIB e hoje está próximo de 1%. No que diz respeito ao PIB per capita, o RN avançou mais: em 1970, o nosso vizinho tinha um PIB per capita de U$ 472,00 enquanto o da Paraíba era de U$ 522,00; em 2006, esse valor para o RN evoluiu a U$ 6.754,00, e o da Paraíba a U$ 5.507,00, o que indica uma diferença atual superior a 10%.

Ora, porque, diferentemente do que vem acontecendo em outros estados do Nordeste, onde a esquerda avançou e comanda hoje os governos da Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão (neste último, o governador eleito em 2006, Jackson Lago, foi cassado pelo TSE, tendo derrotado, em 2006, ao lado de uma ampla frente de esquerda, a mais sólida oligarquia do Nordeste até então), na Paraíba ela (a esquerda)não se esforça por romper essa situação? Porque não se constitui na Paraíba uma alternativa política que consiga unir a esquerda em torno de um projeto de desenvolvimento que altere em profundidade a situação econômica e social do estado?

Ao que me parece, esse é o grande desafio do PT e da esquerda na Paraíba, sem esquecer a eleição presidencial que deverá determinar os rumos do país nos próximos anos. Entretanto, esse projeto deve estar inextinguivelmente vinculado ao outro, seja em termos eleitorais, seja em termos programáticos. Porque, se acreditamos estar o Brasil no rumo de uma ampla e profunda mudança, a Paraíba deve acompanhar esse movimento, que deve aqui ser capitaneado pela esquerda.

Em futuras postagens, começarei a opinar a respeito das linhas mestras para um projeto de desenvolvimento para a Paraíba, a começar por uma política de desenvolvimento rural.