terça-feira, 18 de agosto de 2009

WEICK E A GUERRA FISCAL

O texto abaixo foi publicado hoje (18/08) na coluna do jornalista Rubens Nóbrega, no Correio da Paraíba. Apesar da referência ao blog feita por Rubens, o texto não foi escrito para o mesmo, mas para contribuir com a coluna desse grande jornalista, caso, claro, ele o considerasse em condições de sair naquele nobre espaço, que honra as melhores tradições do jornalismo brasileiro. De qualquer maneira, agradeço a publicação do texto e a colher de chá da divulgação do blog.

WEICK E A GUERRA FISCAL

A recente polêmica envolvendo o ex-Procurador Geral e atual Chefe da Casa Civil do Governo da Paraíba, Marcelo Weick, a respeito da isenção tributária para empresas beneficiadas pelo FAIN - Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba – no caso, o Moinho Dias Branco, expôs à Paraíba, na prática e de forma bastante didática, o significado da expressão “guerra fiscal”.

Primeiro, por um dever de justiça, é importante ressaltar que, na qualidade de ex-procurador, Weick apenas interpretou o que está na lei que regulamenta o FAIN, criada em 1986 e diversas vezes reformulada, sendo que as últimas três aconteceram durante o governo Ronaldo Cunha Lima e Cícero Lucena (1991-1994), sempre com o objetivo de atrair grandes empresas, com isenção de tributos e outros benefícios, para o território paraibano. Uma injustiça fiscal que é resultado da ausência de uma política industrial do Estado brasileiro, nacionalmente articulada para estimular a desconcentração do desenvolvimento econômico e impedir essa guerra insana que se converte, na realidade, em um leilão às avessas, em que ganha mais quem perde mais, e em benefício única e exclusivamente das grandes empresas. Sem uma política mais geral, cada estado arma uma estratégia própria para atrair tais investimentos.

O caso mais paradigmático do quanto a guerra fiscal é predadora das finanças públicas foi o da instalação da Ford na Bahia, Além da doação do terreno com toda a infra-estrutura para a instalação da fábrica, foram várias as vantagens tributárias oferecidas à Ford pelo governo baiano: isenção de 75% do ICMS por 10 anos e postergação do pagamento dos outros 25% para o ato da venda do produto, isenção de IPTU e ISS pela prefeitura de Camaçari, onde a fábrica foi construída, redução de impostos de importação - 100% para bens de capital, 90% para insumos e de 50% para veículos –, isenção de IPI, e uma renúncia fiscal de 45% de impostos sobre insumos. Para completar esse pacote, foi construído um porto para a montadora norte-americana importar e exportar automóveis, orçado em R$ 47 milhões. Um gigantesco esforço para financiar uma das maiores empresas do mundo.

A guerra fiscal tem resultado numa progressiva redução de ICMS, o principal tributo arrecadado pelos estados. Calcula-se que, em 2005, os estados brasileiros deixaram de arrecadar R$ 25 bilhões, que foram transferidos para os cofres das empresas beneficiadas, normalmente grandes empresas. Além das perdas para os estados, o país perde porque o deslocamento dessas empresas em busca de vantagens fiscais representa uma outra forma de desperdício de recursos, resultando na troca da infra-estrutura pública existente por lucro adicional para essas empresas. Uma sanha sem fim em prejuízo das contas nacionais. Ou seja, trata-se de uma política absolutamente perversa em vários sentidos, mas o principal deles é a transferência de renda, na forma de isenção de tributos, dos mais pobres (a maioria da população) para os mais ricos.

Essa questão está associada à inexistência de uma estratégia nacional de desenvolvimento, que nesse campo se apresenta sob a forma de uma política tributária nacional desarticulada de uma política industrial, tendo no Estado o papel de organizador da modernização capitalista no espaço nacional, como aconteceu após anos de 1950 no Brasil. Nessa nova conjuntura inaugurada após a crise econômica mundial, e cujas formas de combatê-la acabou por desmoralizar as teses neoliberais com o uso de recursos públicos que podem chegar aos 10 trilhões de dólares, é preciso que voltemos a discutir um novo projeto para o país e para a Paraíba. Ao invés da mesquinhez do debate atual que marca a política paraibana, insisto que é preciso debater projetos de desenvolvimento. E a questão tributária é essencial para delimitar o alcance e a lógica desse modelo

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Uma breve avaliação da gestão de Ricardo Coutinho

Ontem, 5 de Agosto, dia do aniversário de João Pessoa, fui entrevistado pelo jornalista Helder Moura no programa Correio Debate, da TV Correio. Gentilmente, Moura fez referência a existência deste blog que está no ar desde maio e já conta com uma legião de amigos a quem, desde já, agradeço pelas visitas, que, em pouco mais de 2 meses, já chegam a quase 400 (média de quase 200 por mês), com mais de 700 páginas vistas. Segundo quem entende, é um começo muito bom.

Voltando à entrevista, tratamos de temas relacionados à conjuntura política paraibana e das projeções para 2010. Como seria inevitável acontecer, a discussão concentrou-se na aliança Ricardo-Cássio. Aproveitarei o roteiro da entrevista para escrever as próximas duas postagens. A primeira parte sobre a administração de Ricardo Coutinho.

A primeira questão levantada por Helder Moura dizia respeito à administração do prefeito Ricardo Coutinho. Como eu a avalio? Um primeiro aspecto a destacar é que se trata de um avanço significativo, principalmente tendo em vista as administrações medíocres a que João Pessoa foi submetida nas últimas décadas. Problemas se avolumaram ao longo dos anos, o que certamente tornou o desafio administrativo do prefeito Ricardo Coutinho, eleito em 2004 por uma ampla frente de partidos que ia do PCdoB ao PMDB, com a inclusão posterior do PT, muito mais complexo.

A começar pelo trânsito que, ao lado do crescimento desordenado das cidades, constitui um dos maiores desafios do planejamento urbano contemporâneo - aliás, nesse ponto, sem solução à vista por conta da irrefreável ampliação da capacidade produtiva das empresas automobilistas e de sua posição ainda estratégica para a economia capitalista. Pelo menos no curto e médio prazo não se vislumbra possibilidades de alteração desse quadro. Nesse ponto, a atual administração de João Pessoa deu importante contribuição para resolver um dos gargalos da cidade, quando ampliou a duplicação da Avenida D. Pedro II e construiu uma passarela sobre a Avenida, aliás, a única da cidade. Além do acesso à UFPB, que permitiu um fluxo mais dinâmico de automóveis em direção à zona sul da cidade, onde fica o bairro mais populoso de João Pessoa, Mangabeira. Essa foi, até agora, a intervenção mais relevante na organização do trânsito de veículos. De maneira mais urgente, penso que é preciso agora resolver o problema do trecho não duplicado da Tancredo Neves, que dá acesso à Tambiá e ao Centro da cidade, além de construir passarelas, especialmente na Epitácio Pessoa e em frente ao Manaíra Shopping. É preciso ousar mais e vislumbrarmos o futuro começando a envolver a cidade no debate sobre a construção de um metrô.

Considero de grande relevância, também, o tratamento dado à construção e revigoramento de praças e passeios públicos. Como já fiz referência em outra ocasião, esse é apenas um singelo indicativo que permite enxergar a vida urbana para além do utilitarismo econômico do comércio e da especulação imobiliária: o cidadão comum precisa de lugares para encontros, caminhadas, desportos, enfim, precisa de ambientes públicos para o lazer e a convivência social. A recuperação e reordenamento do Ponto dos Cem Réis, por outro lado, traz de volta para o centro da cidade um espaço para as manifestações políticas e culturais que havíamos perdido. Aquela não é uma praça comum: ela é a nossa Candelária, a nossa Praça da Sé, é onde a cidade debatia e se debatia, pululava, gritava, se enfurecia e se alegrava.

A reestruturação da orla do Bessa, igualmente, trouxe beleza e organização para uma banda da cidade que cresceu sem as condições devidas. É verdade que dali falta ainda tirar os bares e restaurantes que enfeiam a praia e impedem a vista do mar, bem como se apropriam da areia que pertence a crianças e banhistas e poluem o ambiente – essa opinião me torna a prova viva de que o Bessa não é “100% a favor” da permanência daqueles estabelecimentos na orla.

A recuperação dos mercados públicos e a construção de espaços para o comércio informal foram ações que também merecem menção elogiosa. De um lado, no caso dos mercados públicos, a revitalização deu àqueles lugares condições de salubridade, para quem neles trabalha e para quem neles transita; de outro,no caso do comércio informal, liberou as calçadas para a livre circulação dos pedestres. Todas essas são obras que deram ao pessoense, inquestionavelmente, uma melhor qualidade de vida. E Ricardo teve a ousadia de enfrentar esse desafio em nome de uma racionalização da vida urbana de João Pessoa.

Em entrevistas, o Prefeito fala com muito orgulho de duas ações, que não são de “pedra e cal”, mas que, segundo ele, têm um alcance significativo. São as meninas dos olhos de Ricardo Coutinho: o Orçamento Democrático e o Empreender. Sobre o Orçamento Democrático, a única opinião que ouso adiantar, por enquanto, é que é melhor que ele exista do que não. Ou seja, é melhor que haja algum tipo de critério para a definição de prioridades para a construção de obras pelos bairros do que nenhum critério. O problema, nesse caso, é que me faltam dados a respeito do quantum orçamentário, mesmo em termos percentuais, que a Prefeitura disponibiliza para o Orçamento Democrático. Sem isso, fica difícil dizer se a implantação dele representa uma ação de distribuição de poder real com a população, ou se é uma forma de “empoderamento” que não altera a estrutura, em substância, a centralização dessas decisões, por fragmentário que é, sendo mais um mecanismo de administração dos limitados recursos que permite a diminuição da pressão política sobre a Prefeitura. Esse quantum diria algo sobre o quanto de poder real a população de João Pessoa tem sobre o orçamento da cidade. Assim, quando eu tiver acesso a respeito do volume de recursos que esse instrumento de política administrativa controla, então poderei melhor qualificá-lo, de maneira a evitar o tom apologético que permeia aqueles que o defendem, especialmente os membros da Administração Municipal.

O outro projeto destacado por Ricardo é o Empreender. Não há dúvida que a idéia do programa constitui importante incentivo à geração de renda entre os mais pobres, especialmente nesses tempos em que o Estado vinha perdendo o poder de coordenar políticas de desenvolvimento. Entretanto, os recursos que financiam esse programa me parecem claramente insuficientes para as necessidades de geração de emprego e renda de uma cidade do porte de João Pessoa. Segundo a própria Prefeitura (clique aqui), os investimentos totais no Empreender, em 4 anos (2005-2008), somaram um valor aproximado de R$ 16,2 milhões, o que dá pouco mais de R$ 4 milhões por ano. Se considerarmos, em termos orçamentários, que a projeção de receitas da Prefeitura para o ano de 2009 é da ordem de 1.134.964.613,00 (clique aqui), foram investidos no Empreender pouco mais de 0,4% do orçamento da cidade. E considerando o PIB consolidado de João Pessoa do ano de 2006 (5.966.595,00 clique aqui), esse valor representa menos de 0,01% da riqueza da cidade. É bom lembrar que em 2007 e 2008 o PIB de João Pessoa deve ter crescido a valores próximos dos 10%. Ou seja, é duvidoso se o impacto dos investimentos do Empreender na economia da cidade seja realmente tão significativo para ser considerado uma das meninas dos olhos do prefeito.

E principalmente se compararmos com os valores investidos em uma única obra, a Estação Ciência, que custou quase R$ 50.000.000,00, ou seja, mais de 12 vezes mais o que a prefeitura investe do Empreender.

Assim, se a administração atual de João Pessoa representa um grande avanço tendo em vista as administrações anteriores, é preciso que ela busque meios de superar a si mesma. João Pessoa precisa de muito mais, principalmente sua periferia. Quem olha por ela?