sábado, 28 de novembro de 2009

Razões para a vitória de Rodrigo Soares no PT

A dúvida gerada pela disputa interna no PT sobre com quem o partido se aliaria nas eleições para governador da Paraíba, em 2010, foi resolvida depois da contundente vitória da chapa liderada pelo deputado estadual Rodrigo Soares, que obteve 54% dos votos e emplacou uma diferença superior a 1200 votos sobre o deputado federal Luiz Couto. José Maranhão, se o bloco que deu suporte à candidatura de Soares para a presidência do PT continuar unido, já pode contar com o apoio do partido para 2010.

Em termos de composições internas, essa disputa subverteu toda a lógica anterior das alianças no PT paraibano. Até 2007, o que marcou a conformação dos ajuntamentos entre os diversos grupos políticos no PT foi a divisão entre a chamada esquerda petista e os diversos grupos alinhados às posições hegemônicas da Articulação, grupo de Lula e José Dirceu.

O governo Lula promoveu uma inusitada coesão nacional interna do PT, por conta das acomodações internas que Lula soube, com habilidade, conduzir, mas principalmente pela necessária unidade interna para enfrentar os inimigos localizados numa oposição cada vez mais direitista ao governo liderado pelo PT. A compreensão de que o fracasso do governo Lula representaria o fracasso da própria esquerda no Brasil, fez também amadurecer e consolidar as bases de uma ampla aliança, tanto no interior do PT, mas também deste com os outros partidos desse campo.

As críticas mais contundentes que se ouviam ao governo dentro e fora do PT, incluindo este que lhes escreve, foi dando lugar, na medida que Lula foi transpondo todos os obstáculos criados ao seu governo pela grande imprensa e pela oposição consevadoras, a um nítido realinhamento político em torno da expectativa de que a esquerda possa liderar um novo projeto de desenvolvimento, agora com objetivos, digamos, distributivistas.

Lula soube compreender muito bem a natureza histórica do nosso desenvolvimento, ao se negar a embarcar no que seria a aventura de uma ruptura com o modelo neoliberal no início do seu governo, como desejava e torcia que ele fizesse o PSDB, e pressionava grande parte da esquerda. Lula também compreendeu especialmente a maneira como foram feitas no Brasil as grandes transformações nacionais sob o comando, até então, de alianças e pactos conservadores – qualquer dia eu arranjo tempo para produzir uma análise mais detida desse processo histórico moldado pelo que Maria da Conceição Tavares chamou de “modernização autoritária e excludente”.

Em sete anos de governo, Lula liderou uma lenta transição para esse novo modelo, e aglutinando forças em torno dele. Construiu uma unidade a partir de sua incontestável liderança, solidificada por uma amplo apoio popular e por um suporte econômico que seu governo, com ousadia, soube construir e é a base imprescindível para dar início a essa transição.

Pois bem. Foi a construção dessa unidade que deu lógica à aliança entre grupos de diversos matizes, antes em campos opostos, em torno da candidatura de Rodrigo Soares no PT paraibano. E isso foi feito da maneira menos traumática possível. Antigos adversários se uniram em torno desse projeto, que levou ao isolamento do grupo do deputado federal Luiz Couto, preso a uma visão que aparentemente não logrou compreender o que estará em jogo no Brasil em 2010. O que poucos acreditavam – por exemplo, uma aliança de Gilcélia Figueiredo e Frei Anastácio com Rodrigo Soares e Luciano Cartaxo – aconteceu. E foi isso o que deu solidez política e capacidade aglutinadora para enfrentar o até então considerado imbatível grupo de Luiz Couto.

Quem raciocinou em termos dos enfrentamentos do passado surpreendeu-se com a desenvoltura argumentativa dos protagonistas dessa aliança, que pouco se incomodaram quando eram apontadas as possíveis incongruências de uma aliança tão ampla. A aproximação nacional do PT com o PMDB reforçou mais ainda o posicionamento político desse agrupamento, que acabou conquistando uma vitória eleitoral cujo resultado representa uma nítida desautorização a qualquer tipo de aproximação, na Paraíba, com aliados dos adversários nacionais do PT.

Essa força política avançou, inclusive, no território político onde aparentemente a candidatura de Luiz Couto teria o seu melhor desempenho, que seria João Pessoa, por conta da aliança e do apoio do prefeito Ricardo Coutinho. Hoje, como tudo indica, vencerão os apoiadores da aliança com o PMDB no segundo turno da disputa para o Diretório Municipal do PT. da capital Se isso realmente acontecer, terá sido, como diz um conhecido ditado popular, uma vitória com "barba, cabelo e bigode".

A derrota do agrupamento liderado por Luiz Couto também aconteceu no campo do embate da argumentação política. O simplismo das críticas durante a campanha do PED feitas pelo deputado federal Luiz Couto, que atribuía o interesse pela ocupação de cargos o elemento a definir essa aliança – o que não deixava de ser paradoxal, pois era como se ele argumentasse ser o PT importante para dar apoio eleitoral, mas não para governar – expressam em grande medida um alto grau de desorientação política do grupo que o apoiava, incapaz de se opor à política proposta pelo agrupamento liderado por Rodrigo Soares, que defendia a unidade da base do governo Lula na Paraíba, política que contava com a chancela da própria Direção Nacional do PT.

Além disso, tendo não só apoiado José Maranhão como participado da chapa majoritária indicando o vice-governador, era e é legítimo, além de uma exigência política, que o PT reivindicasse não apenas a participação no governo, mas trabalhasse para ampliar cada vez mais os seus espaços. O argumento referente ao interesse na ocupação de cargos, mote da campanha de Luiz Couto, soou despolitizado e preconceituoso, o que demarcou um importante limite entre um discurso orientado para o debate a respeito do papel das alianças e da participação nos governos do PT e outro que explorava uma visão rasteira da política, incentivando um preconceito inútil tanto nos filiados como na sociedade.

Por outro lado, aquele que seria em tese o grande aliado a ajudar Luiz Couto na defesa de uma aliança mais à esquerda para o PT, em 2010, Ricardo Coutinho, passou todo o tempo em que durou a campanha do PED quase a mendigar o apoio do grupo Cunha Lima e do PSDB, o que acabou tornando-o, na prática, o maior adversário de Luiz Couto, pois a cada declaração de Coutinho nessa direção obrigava Couto a um verdadeiro contorcionismo retórico, ao negar apoio ao que o seu candidato escancaradamente defendia, através de palavras e atos.

A impaciência do prefeito de João Pessoa deixou claro sua prioridade política em relação a futuros aliados: ao invés do silêncio para ajudar Luiz Couto, preferiu a pirotecnia dos festejos no interior, com fotos sorridentes ao lado dos que, em 2010, farão campanha para a oposição a Lula. O que salvou Luiz Couto de uma derrota humilhante foi sua grande liderança interna, que ficou fortemente arranhada após esse embate.

Na próxima postagem, tentarei analisar as conseqüências da vitória de Rodrigo Soares para o PT e para a aliança com o PMDB do governador José Maranhão.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Será FHC o candidato da oposição?

Há 20 dias atrás, o jornalista Mauro Santayana, um dos analistas políticos mais atentos, brilhantes e cuja argumentação expressa uma seriedade (eu não digo imparcialidade) rara no Brasil de hoje, especialmente quando se trata da chamada grande imprensa, fez uma observação em sua coluna no Jornal do Brasil (clique aqui para ler) que deixou incrédulos muitos observadores da política nacional: FHC é candidato.

A suspeita de Santayana começou a se consolidar, a ponto dele apresentá-la em sua prestigiosa coluna, depois que o ex-presidente escreveu um artigo criticando e confrontando o governo Lula, artigo que já analisamos aqui mesmo no blog (clique aqui). Para Santayana, FHC age como se desejasse ser um tertius que resolveria o impasse na oposição, imobilizada devido à indefinição de quem será o candidato a enfrentar Dilma Roussef, e a cada vez mais nítida incapacidade de levá-la unida ao pleito de 2010, seja Aécio Neves ou José Serra o candidato.

Só não concordo que a possível ascensão de FHC à condição de candidato possa se dar por conta do impasse gerado pela existência de dois candidatos, mas pela inexistência deles quando chegar a hora da decisão. Depois de divulgada nesta segunda-feira a última pesquisa CNT-Sensus, em que a diferença entre José Serra e Dilma Roussef aproximou-se dos mirrados 10% (31,8% a 21,7%), quando já foi mais de 40%, com o agravante de que Ciro Gomes, que é lulista de carteirinha, tem 17,5% das intenções de votos, e Marina Silva (PV), que aglutinará os votos mais à esquerda, tem 5,9%, o cenário de termos FHC na disputa não parece tão irreal (há pouco mais de 1 mês, em postagem intitulada As chance de Dilma Roussef em 2010, observamos a tendência, excluídas as alterações conjunturais, da irremediável queda da diferença entre os dois candidatos (clique aqui).

E por que a improvável candidatura de FHC não é algo tão improvável assim? A resposta a essa pergunta pode estar localizada no comportamento antagônico e aparentemente irreconciliável dos dois principais candidatos do PSDB, que não parecem dispostos a apoiar um ao outro nessa disputa. Enquanto Aécio Neves deseja que a decisão seja antecipada para dezembro, José Serra quer empurrá-la para março do próximo ano. Aécio sabe que são pouquíssimas as suas chances, tanto de ser candidato, devido ao controle quase absoluto dos paulistas sobre o PSDB, quanto de se eleger (nessa mesma pesquisa Aécio pontuou 14,7%), atrás de Ciro Gomes e de Dilma Roussef, respectivamente. Por isso, diante de uma iminente derrota, Neves deve ser mesmo candidato a Senador de Minas e não será surpresa nenhuma se, pelo menos informalmente, apoiar Dilma ou Ciro.

Já José Serra tem um dilema que não é menor. Governador de São Paulo, onde pode ser candidato à reeleição, Serra tem que decidir entre dois projetos: o de enfrentar uma dura disputa com imensas chances de derrota para presidente, ou esperar mais quatro anos confortavelmente sentado na cadeira de governador de São Paulo, controlando o segundo maior orçamento do Brasil, onde tem grande chance de se reeleger. Não é por outro motivo que ele deseja postergar ao máximo essa decisão, talvez na esperança de que aconteça algo que fragilize Lula e sua candidata. A crise e a rápida recuperação econômica do Brasil enterrou o que pode ter sido a única possibilidade de tornar um candidato de oposição viável. Por isso, acho que Serra não será candidato. Não a Presidente da República

Restaria, para a oposição, lançar um anticandidato. E essa tarefa Fernando Henrique Cardoso assumiria de bom grado. Mesmo derrotado, FHC teria a oportunidade histórica de defender o seu governo, algo improvável em relação a qualquer outro candidato, que o trataria como um fantasma, preferindo que os eleitores o esqueçam como aliado. A candidatura de FHC provavelmente não lhe renderia uma votação tão desmoralizante, já que ele incorporaria o sentimento anti-Lula, condição que dá hoje a qualquer candidato entre 20% e 30% dos votos. Além disso, nada melhor que o próprio ex-presidente a representar e defender o seu próprio governo numa disputa como candidato, onde o mote lulista já em andamento será o de levar o a decidir seu candidato baseado na comparação entre os dois governos. Um candidato como FHC traria a vantagem adicional de evitar que a clara defensiva política a que estão submetidos os atuais candidatos que, apesar de pertencer ao mesmo partido do ex-presidente, renegam sua herança, postura que, numa disputa eleitoral, pode ser fatal.

A oposição está na defensiva, desorientada e sem discurso, e depende cada vez mais de candidatos que tem alternativas, isto é, que podem preferir evitar o enfrentamento com Lula e a candidata que vai representar o seu governo. A situação de paralisia política que vive PSDB-Dem hoje pode piorar ainda mais diante da possibilidade de não ter mais sequer um candidato competitivo. E não ter candidato representa uma clara rendição e um ato de suicídio político. Como consequência disso podemos ter no desenvolvimento dessa situação um acirramento que pode encaminhar a disputa para a seara de um confronto ideológico, e FHC começa a ensaiar esse discurso, entre um candidato com uma retórica nitidamente de direita, coisa que nem Serra nem Aécio, ao que parece, se dispõem hoje a fazer, com o consequente esforço, que terá o abnegado e poderoso apoio da grande imprensa, de demonização da candidatura de Dilma Roussef (ela foi guerrilheira, lembram?) representando o bicho-papão da esquerda. Se for assim, o Brasil seria um dos últimos países a rumarem na direção desse confronto, que tem acontecido em toda a América Latina.

Por isso, creio não ser impossível, apesar de hoje ser improvável, uma candidatura de FHC, o que seria o pior dos mundos para a oposição. Mas pode ser que ela não tenha outra alternativa.

EM TEMPO: Ontem, quarta-feira (25/11), meu colega de departamento na UFPB, Mozart Vergetti, me mandou uma mensagem provocativa que, em síntese, afirmava que a grande rejeição de FHC na última pesquisa CNT-Sensus (49% disseram que não votariam em um candidato apoiado por ele) o inviabilizaria como candidato. Eu também acho. E eu enfatizei isso, afirmando que se FHC sair será como uma espécie de anti-candidato. Entretanto, é bom registrar, que nessa mesma pesquisa a rejeição à Dilma Roussef é de 34,4% (em setembro era mais de 37%). E deve se manter no patamar dos 30% até a eleição, pois estes são os eleitores anti-lulistas, que votarão em qualquer candidato de oposição, inclusive FHC. Bem, pode ser que surja outro candidato, mas que FHC, como disse Santayana, quer ser esse candidato, ah, isso ele quer.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O apagão da grande imprensa

Esta semana foi prodigamente pedagógica em demonstrar como a grande imprensa é tomada de uma parcialidade quase apaixonada quando trata de acontecimentos que envolvem o Governo Federal, de um lado, e o Governo de São Paulo, de outro. Em relação a Lula, uma oposição sem meios-termos; em relação a Serra, o silêncio quando se trata de protegê-lo dos incômodos políticos gerados pelos erros de sua administração. E não são poucos.

O “quase apaixonada” é uma maneira de dizer que, além dos interesses políticos, são principalmente os interesses econômicos que movem Globo, Folha, Estadão e Veja, ou o PIG, como gosta de chamar os blogueiros esse oligopólio da informação, constituído hoje por grandes empresas decadentes que vivem em grave crise financeira. Os grandes jornais e revistas, devido ao avanço da Internet que tem reduzido, dia após dia, seus leitores-compradores; e a Rede Globo, que tem enfrentado uma queda progressiva e, ao que parece, estrutural perda de sua audiência, especialmente para a Rede Record.

Alie-se a isso mais duas coisas: em primeiro lugar, a ojeriza crescente dos antigos leitores e telespectadores à linha editorial de oposição a Lula, explicitamente tendenciosa, parcial e, em muitos casos, facciosa, como foi, só para citar um exemplo entre tantos outros, a “denúncia” da Revista Veja a respeito de um grampo telefônico instalado no gabinete do Presidente do STF, Gilmar Mendes, sem apresentação de nenhuma prova, a não ser a palavra dos dois interlocutores, cujos diálogos foram reproduzidos nas páginas da revista: Gilmar Mendes, que se conduz à frente do STF como se fosse membro do PSDB, e o Senador de Goiás, Demóstenes Torres, um dos líderes do DEM. Duas pessoas insuspeitíssimas.

Em segundo lugar, mas não menos importante, a política do governo federal de uma melhor e mais eqüitativa distribuição do imenso bolo das verbas publicitárias, diminuindo o controle dessas verbas dos grandes veículos e regiões. Segundo Franklin Martins (clique aqui), Secretário de Comunicação Social da Presidência da República, até 2003 apenas 499 veículos em 182 municípios repartiam essa verba entre si, sem nenhum critério mais rigoroso. Em 2008, o número de órgãos de comunicação que participaram da distribuição dessa verba, que chega a 1 bilhão de reais por ano, chegou a 5.297, distribuídos em 1.149 municípios.

O resultado disso é que, segundo Martins, “os jornais das outras capitais [fora do eixo que forma a grande imprensa] cresceram 41%, chegando a 1.630.883 exemplares em abril. As vendas dos jornais do interior subiram mais ainda: 61,7% (552.380). No caso dos jornais populares, a alta foi espetacular, de 121,4% (1.189.090 exemplares).” A tal grande imprensa, claro, não gosta nem um pouquinho disso, especialmente a Rede Globo, que abocanhava, sozinha, quase 90% das verbas de TV durante o governo FHC. Hoje, ela leva pouco mais de 52%, o que ainda representa números acima de sua audiência, mas trata-se de uma perda relevante, especialmente para um agrupamento empresarial que sempre teve relações carnais com o poder desde que os militares deram um golpe em 1964.

Pois bem. Voltando ao motivo que originou essa postagem, entre terça e quarta-feira da semana passada um “apagão”, segundo a denominação desses órgãos de imprensa, atingiu os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Foi na realidade um blecaute ocasionado por razões técnicas.
Mesmo com as explicações das autoridades energéticas e de especialistas, que demonstraram ser esse um problema circunscrito, e não uma falha estrutural do sistema elétrico brasileiro, o PIG deu a esse blecaute uma repercussão tal que, dias depois, parecia que a luz ainda não tinha voltado. Tanto que a abertura do Fantástico, da Rede Globo, cuja audiência dos últimos domingos tem quase empatado com a de Gugu, da Record, abriu o programa mostrando uma imagem de satélite do Brasil em seqüencial apagão noturno (engraçado é que na montagem, o último estado a ser “apagado” foi São Paulo, quando foi ele o primeiro a sofrer com o blecaute).

Durante uma semana inteira, tentou-se associar o governo federal e, principalmente sua candidata a presidente, Dilma Roussef, ao “apagão”. Fotos em capa de jornal, entrevistas com insistentes perguntas à ministra como se ela ainda estivesse na pasta das Minas e Energia, tentativas por parte da oposição de levá-la ao congresso para dar “explicações”. Até que Lula disse que não estava satisfeito com as respostas dadas por seus assessores até ali e que era preciso investigar mais profundamente o acontecido para demonstrar a população que apagão mesmo acontecera durante o governo do PSDB. Incapazes de enfrentar e temendo qualquer tipo de comparação entre Lula e FHC, foi só aí que o "apagão" acabou e havia chegado a hora de mudar, finalmente, de assunto. Agora, a nova “crise” é a extradição do “terrorista” Cesare Battisti. E depois outra, e depois outra. E assim vai: enquanto cai a audiência do PIG, a de Lula só faz subir.

Agora, imaginemos. E se acontecesse, ao contrário de um obra do governo de São Paulo, fosse numa obra do PAC que três vigas de sustentação de um imenso viaduto, com 80 toneladas cada, caíssem sobre automóveis e deixassem 3 pessoas feridas, uma delas em estado grave. E se sobre esta obra, em construção há mais de 11 anos, pesassem graves suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro público, sendo que uma das prováveis causas do acidente fosse o uso de materiais de qualidade inferior para reduzir os custos da empreiteira, a tal ponto dela ser apelidada pela população de "Roboanel" e não Rodoanel?

Já imaginaram o tamanho do escândalo? Era assunto para “repercutir” por pelo menos duas semanas. Reportagens sobre os erros no projeto, sobre as suspeitas de corrupção, sobre o tempo dessa interminável obra que não termina nunca e que consome, a cada ano, mais e mais recursos dos cofres públicos. Os mesmo repórteres que silenciam sobre hoje sobre esse assunto, perguntariam ao presidente Lula, em Copenhague, se ele demitiria o ministro responsável, se ele achava que a Ministra Dilma sabia dos problemas, e se ela o tinha avisado. As famílias das vítimas seriam entrevistadas aos prantos nos hospitais, receberiam visitas em suas casas. Gilmar Mendes daria mais uma entrevista ao vivo no Jornal Nacional para cobrar maior transparência do governo e reclamar do Estado policialesco montado por Lula. A oposição entraria imediatamente com um pedido de CPI para investigar essa e outras obras do PAC “com suspeitas” de corrupção. O Senador Eduardo Suplicy seria o primeiro a assinar em troca de uma entrevista. O TCU “recomendaria” a suspensão de todo o programa até que as "possíveis irregularidades" fossem corrigidas.

Mas, como o problema não foi do governo federal e sim do governo paulista o que prevalece na cobertura desse caso por parte desses diligentes meios de comunicação é um obsequioso silêncio. Quando falam, é para dar destaque às justificativas do governo e blindá-lo concentrando possíveis críticas nas empreiteiras que fazem a obra. É o apagão da grande imprensa, que perde a cada dia a credibilidade que ainda lhe resta. Desvanece, como uma estrela que já irradiou luz para todo o universo e está prestes a extinguir-se.

A democracia é quem ganha com isso.

domingo, 15 de novembro de 2009

Vidas que se cruzam

Todas as sextas pela manhã, quando me dirijo à universidade para uma aula que começa às 7, e todas as vezes em que saio de casa antes das 8, presencio e participo de um encontro de mundos. Ele acontece na fronteira de asfalto sobre a qual trafego. Olho aquela quase multidão que diligentemente, a maioria em direção ao trabalho, corta a BR-230 em direção ao bairro do Bessa, onde eu moro, empurrando suas bicicletas e segurando suas bolsas. São trabalhadores da construção civil, empregadas domésticas, comerciários cuja função reservada na vida é servir, primeira lição que provavelmente aprenderam desde muito cedo, e, junto com milhões de tantos outros, fazer a riqueza exuberante desse país de miseráveis.

Cortam o caminho em cruz, como numa metáfora de suas próprias vidas. E as duas linhas cruzadas, formadas de pessoas e automóveis, promovem esse encontro quase entre castas, numa fronteira asfáltica a indicar o apartheid social no qual nossas classes rica e média cultuam e cultivam cotidianamente no desprezo que demonstram pelos mais pobres. Os que atravessam o caminho dos mais ricos nessas insólitas manhãs pisam o asfalto protegidos dos ameaçadores automóveis, que já ceifaram inúmeras vidas naquele local, apenas por uma lombada incrustada no chão. E aquela lombada vem a ser o símbolo gritante desse desprezo, que marca em brasa o coração das famílias que perderam seus entes queridos: ela provavelmente só está lá por conta dos breves lampejos da controlada e desorganizada revolta daquelas pessoas, fartas de sua invisibilidade, e do custo quase zero para colocá-la ali.

Uma parte dos que tem seu caminho atravessado apenas olha a cena, confortavelmente protegida daquele mundo calorento e cheio de barulho, por vezes considerado ameaçador, trancafiados em seus automóveis climatizados e ao som de alguma melodia digital que lhes dá prazer escutar. Esperam com impaciência se livrar do inconveniente para seguirem apressadamente seu destino.

Talvez seja um dos breves momentos em que esses dois mundo se encontram de verdade, despidos da liturgia do trabalho que os aproxima, na “cordialidade” buarque holandeana de uma relação ainda incapaz de se tornar impessoal, e os afasta, quando voltam a atravessar essa fronteira pisando novamente o asfalto depois do trabalho e em busca do aconchego do apertado lar. Sem direito sequer a uma passarela, provavelmente por conta do alto custo da obra, mesmo que se gastem milhões em inutilidades e mimos para a classe média. Eis um pedaço da rica João Pessoa.

São brasileiros os partícipes desse encontro? Tenho cá minhas dúvidas. A idéia de povo é homogeneizadoramente importante para se fundar uma nação, mas é igualmente importante para encobrir essas diferenças. O Brasil rico só existe por conta dessa massa desprezada que forma o nosso “povão”. Mas ele nunca foi de todos nem muito menos para todos. Mudar isso dará mais significado à idéia de um povo e de uma nação brasileira. Sem fronteiras de nenhuma espécie.

Tela Araña no ar: blog de Derval Golzio

O jornalista e meu colega de UFPB, Derval Golzio, não deve ter resistido aos apelos e criou seu próprio blog, apropriadamente chamado de Tela Araña, Teia de Aranha em português (clique aqui para acessar). Derval, que une o texto solto e preciso do jornalista, a profundidade necessária do professor universitário e a ironia cortante do seu estilo pessoal, justifica a criação de um blog para compartilhar, assim como eu faço aqui, suas idéias com os potenciais leitores espalhados mundo afora.
Só me resta dá as boas vindas a Derval e recomendar a visita. Vale a pena.

domingo, 8 de novembro de 2009

Fernando Henrique Cardoso saiu da toca


Fernando Henrique Cardoso saiu da toca. E feito animal ferido. No último domingo, o ex-presidente rangeu os dentes (não se sabe se de ódio ou de inveja) e partiu para o ataque contra o Governo Lula, o que deve ter feito o atual presidente comemorar. Afinal, depois de Lula passar meses chamando a oposição demo-tucana para o debate direto sem receber nenhuma réplica, FHC morde e engole a isca com anzol e tudo.

Em artigo publicado (clique aqui para ler) conjuntamente pela Folha e Estadão (o Comitê Central da oposição a Lula), no domingo passado, FHC ensaia uma mudança no discurso udenista surrado e já quase sessentão da oposição: a cruzada contra a corrupção cede lugar para a “denúncia” de uma escalada promovida pelo governo Lula do que ele chama de autoritarismo popular. Mesmo iniciando na defensiva – “Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes”, diz o ex-presidente no primeiro parágrafo do artigo, que se chama apropriadamente “Para onde vamos?”, uma provável resposta à desorientação que assola a oposição demo-tucana, sem discurso e sem a coragem de expor o que realmente pensa sobre temas candentes do Brasil atual.

Por exemplo, o debate sobre o Pré-Sal. Como seria óbvio, FHC critica a defesa que Lula faz do regime de partilha, um sistema que prevê que todo o petróleo existente no Pré-Sal pertence à União, e as empresas privadas que se habilitarem a concorrer com a Petrobrás receberão dela um pagamento, em dinheiro ou em parte da produção, uma exigência que assegura o controle dessa imensa jazida nas mãos do Estado e, segundo a proposta do governo, que os recursos provenientes da venda desse petróleo se destinem a financiar um fundo social para a educação, saúde e questões sociais.

Para FHC esse é um “pequeno assassinato” da democracia, pois ficarão as decisões a respeito de quem explora o Pré-Sal, segundo ele, sujeitas “a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública”. Para FHC, bom mesmo é o regime de concessão criado por seu governo, que representou a quebra do monopólio estatal do petróleo e abriu a exploração à empresas estrangeiras, em 1997. Nesse sistema, as empresas operadoras repassam à União antecipadamente um valor pré-estabelecido e fixo pelo arrendamento dos lotes e se apropriam de toda a receita gerada posteriormente. Fala-se dos riscos que essas empresas assumem, que seriam agora do Estado. Como se empresas privadas, num negócio como esse, gostassem de risco.

O presidente da Petrobrás, Sérgio Gabriele, demonstrou em uma das vezes que depôs no Congresso, que, entre 1998 e 2002, o crescimento da produção de petróleo no Brasil aconteceu exclusivamente em áreas que já existiam antes da lei do fim do monopólio, ou seja, em áreas já conhecidas e de rentabilidade garantida. Depois do governo Lula, a expansão que permitiu que o Brasil se tornasse auto-suficiente em petróleo aconteceu por conta das pesquisas e investimentos exclusivamente feitos pela Petrobrás, sem nenhuma participação da iniciativa privada. Como já demonstramos aqui na postagem inaugural deste blog (clique aqui para ler), se dependesse dos interesses e investimentos privados o Brasil jamais teria se tornado auto-suficiente em petróleo. O que essas empresas querem é o maior lucro, com os menores custos, riscos e investimentos possíveis. Tanto que nos mega-campos do pré-sal que já foram a leilão (Tupi e Júpiter), a Petrobrás não teve concorrentes. Por quê? Porque a disputa com a Petrobrás empurraria os valores das propostas para cima e como só a Petrobrás tem o domínio das informações sobre as operações do Pré-Sal...

O que FHC quer ao defender expressamente o regime de concessão para a exploração do Pré-Sal, falando o que até agora José Serra, PSDB e Dem não tiveram coragem de deixar claro, é entregar a exploração das jazidas gigantes do Pré-Sal às empresas estrangeiras e transferir para elas essa imensa e incalculável riqueza. Daí a crítica de que a mudança do regime de exploração do Pré-Sal seria um “pequeno assassinato” da democracia. Para quem é adepto do pensamento único essa é mesmo uma heresia que não tem perdão. Nesse ponto, o artigo FHC é um aceno para o grande empresariado nacional e internacional e o capital rentista. Ele quer voltar a liderar a oposição. Coitada dela.

Fernando Henrique continua seu rosário de acusações, fazendo referência à “ingerência governamental” na Vale do Rio Doce (Lula criticou as demissões que fez a empresa em plena crise, quando o governo se esforçava para evitar o pânico entre os empresários, e exigiu que a empresa investisse mais para agregar valor no país ao minério de ferro bruto que ela exporta). FHC reconhece que a Vale “não é totalmente privada”, mas não diz que a participação acionária de capitais controlados pelo Estado é de 60,1%, através dos fundos de pensão Valepar e BNDSpar. Mesmo assim, fruto de um “acordo” entre acionistas após a privatização de 1997, comandado pelo próprio governo à época (FHC), o Bradesco passou a ter o direito de nomear o presidente da empresa. O Bradesco que detém, através da Bradespar, apenas 17,5% (note, não é da Vale, mas da empresa que a controla, que é a Valepar, cujo acionista majoritário é a Litel, um aglomerado de fundos de pensão estatais controlado pela Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, que detém 58,1% do capital votante da Litel). É relevante adicionar a informação de que o Bradesco participou do consórcio que avaliou o preço de venda da Vale, o que não era só ilegal, mas um atentado ao interesse público e um fato a demonstrar o quanto essas privatizações foram manipuladas e orientadas para atender determinados interesses. A empresa estabelece o preço de um empresa que pretende comprar. Áureos tempos de democracia esses! FHC, com essa, ajuda a tirar seus próprios esqueletos do armário, que são muitos.

FHC critica ainda as compras dos aviões da FAB (se a escolhida fosse a americana Boeing haveria essa crítica?), as relações com o governo do Irã e, é claro, a visita que uma comitiva presidencial fez às obras das transposição do São Francisco, da qual também participou Aécio Neves, um dos candidatos tucanos ao Planalto. Todos esses gestos compõem o quadro de uma verdadeira escalada rumo ao “autoritarismo popular". Não sei como a menção às obras como Transnordestina, trem-bala, Ferrovia Norte-Sul, transposição do São Francisco, e ações como biodiesel de mamona, da agricultura familiar, do etanol, além das “centenas de pequenas obras do PAC” foi parar no discurso de FHC para demonstrar o autoritarismo lulista.

No caso adjetivo “pequenas” em relação ao PAC, nesse caso e entre tantas outras, ele deve estar se referindo às obras destinadas aos mais pobres – FHC lembrar que eles existem? – de esgotamento sanitário e do “Minha Casa, Minha Vida” espalhadas por todo o Brasil. E haja autoritarismo popular do governo Lula! Engraçado: FHC não mencionou os mais de 100 bilhões de reais que são pagos religiosamente todos os anos aos banqueiros por conta da imensa dívida interna que ele deixou de presente para Lula (uma dívida que era de 65 bilhões de reais, em 1995, saltou para mais de 1 trilhão, em 2002!).

Só faltou FHC usar o termo “populismo autoritário”, mas aí ele perderia a originalidade. Usando “popular” ele indica mais claramente as raízes de esquerda do governo, porque o objetivo do artigo é criar um antagonismo político e ideológico para restabelecer o fantasma do medo. Por isso, o queridinho da FIESP e do PIG finaliza fazendo referência à emergência do poder “burocrático-corporativo” e explica: “Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados”. FHC deve está querendo criar o fantasma de que existe uma tendência à sovietização do Brasil nas “elites”, como se elas precisassem de mais um fantasma a atordoar-lhes os sonhos. Esses fantasmas elas já criaram ao máximo, mas, felizmente, parece que o povão descolou de suas opiniões. O grande problema dessa fusão entre Estado-Sindicato-Movimentos Sociais está localizado na preocupação com o controle dos Fundos de Pensão, que deixam as mãos dos controladores do mercado financeiro para passarem às mãos dos sindicatos, o que é, obviamente, um exagero que nem o próprio ex-presidente acredita. Entretanto, que horror! Para FHC, democrático mesmo é Fundo de Pensão estatal financiar e estar sob controle de banqueiro. Isso sim é democrático! É essa a ideia da democracia tucana! Corram todos! FHC decretou a ditadura no Brasil! FHC deve está preocupado mesmo é com o emprego de gente do tipo Roger Agnelli, que vai perder o emprego de presidente da Vale se Dilma ganhar!

Na última sexta, 6, Lula aproveitou a deixa, é claro, e despachou Fernando Henrique. Disse que FHC não agüenta o sucesso do atual governo, pois ele representa o fracasso do seu projeto de poder. Nos planos do ex-presidente estava o fracasso de Lula para que ele pudesse voltar nos braços do povo para continuar governando para as elites.

FHC saiu da toca e se expôs ao mundo. Será trucidado no debate político, junto com sua trupe. Quanto a isso, pelo menos nisso, o ex-presidente fez um bem danado para o Brasil.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Funcep X Bolsa Família

O jornalista Rubens Nóbrega publicou em sua coluna de hoje no Correio da Paraíba texto de minha autoria que transcrevo abaixo. Trata-se da polêmica iniciada através da contribuição de uma outra leitora, Rosa Virgínia (como só o nome foi divulgado, imagino ser ela professora do Prodema-UFPB). Concordo, com algumas reservas, com as observações que ela fez, tanto quanto ao texto que deu origem à polêmica quanto em relação à tréplica que ela escreveu, e que foi publicada no mesmo espaço, em resposta ao deputado estadual Jeová Campos (PT), autor da proposta que redireciona os recursos do FUNCEP. Caso necessário, volto ao assunto e as apresento. Vamos à coluna de Rubéns Nóbrega de hoje (03/10)

Funcep X Bolsa Família

Volto ao Fundo de Combate à Pobreza (Funcep), sua gestão e finalidades, introduzindo no debate puxado por Rosa Virgínia as considerações do Professor Flávio Lúcio Vieira sobre a proposta do deputado Jeová Campos (PT), que faz o Funcep bancar também um programa de qualificação de beneficiários do Bolsa Família.

Comecemos pela frase lapidar do deputado Jeová Campos: “Só se combate a pobreza com riqueza e isso só acontece com a geração de emprego e renda para o desenvolvimento social das populações mais carentes”. Como já escutei algumas entrevistas do deputado, temo que o sentido que ela exprime seja mesmo uma confusão entre crescimento econômico e desenvolvimento (social, econômico, cultural, político). Essa distinção tornou-se necessária quando ficou claro que “desenvolvimento econômico” não significava melhoria das condições de vida dos mais pobres. Muito pelo contrário.

Fato notado por sua leitora e colaboradora, Rosa Virgínia, que foi buscar na China e em “alguns países africanos” exemplos a demonstrar a validade do seu argumento. Mas nem precisa ir tão longe. Basta uma olhadela para os lados para percebermos que riqueza e pobreza convivem não só lado a lado, mas em combinada integração, seja em João Pessoa, São Paulo ou Cajazeiras.
Além disso, a visão do deputado petista reverbera certo equívoco a respeito dos objetivos e dos impactos sociais dos programas de combate à pobreza: o de que são meros programas “assistencialistas” por não permitirem a superação do ciclo da pobreza, e esse é um equivoco que os estudos sobre os impactos econômicos do Bolsa Família, especialmente no Nordeste, têm colocado abaixo.

Um exemplo ajuda a entender a importância desse programa para a economia paraibana: em 2008, a renda líquida gerada por um dos setores mais importantes da economia paraibana, a construção civil, que sozinho representa em torno de 7% do PIB do Estado, foi de pouco mais de 599 milhões de reais. O Bolsa Família, na forma de benefícios, transferiu, em 2006, mais da metade desse valor: 312 milhões de reais. Tanto que nos últimos anos tem crescido a renda média da população paraibana, que em 2006 era de R$ 350,70, chegando a R$ 398,62 em 2008. Não foi apenas o Bolsa Família o único responsável por isso, é claro, mas certamente deu grande contribuição, pois o programa atende a 11% da população do Estado. Esse fato também ajuda a explicar em parte porque a Paraíba e todo o Nordeste têm crescido mais do que a média nacional nos últimos anos.

Portanto, o Programa Bolsa Família deve ser encarado não como uma política focalizada de combate à pobreza. Ele transcendeu a visão que predominou até 2002, para se reorientar através de uma política de transferência de renda, que tem outro conteúdo e cujo objetivo não é o de apenas acabar com a fome. Sempre tendo em vista a transitoriedade do programa, mas sem prazo para se encerrar até que não tenhamos mais pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, daí por que devemos apoiar a iniciativa do Presidente Lula de tornar permanentes esses programas, o que significa convertê-los em políticas de Estado e não apenas de governo. A grande questão agora, no meu entender, é redefinir as fontes de financiamento dessa política, através da criação de tributos sobre, por exemplo, o mercado financeiro e as grandes fortunas no Brasil.

Equívoco
Também considero equivocada a iniciativa do deputado Jeová Campos de utilizar os recursos do Funcep para financiar o que ele chama de “acesso à inclusão produtiva das populações carentes” para gerar emprego em diversas atividades econômicas. Dá para pensar que a Paraíba, ao transferir as fontes de financiamento do Funcep para outro programa, não precisa de mais recursos para o fim de combater a pobreza. Primeiro, importa ressaltar que uma coisa não depende da outra para existir. Pelo contrário. Elas são complementares. Assim como existem diversas políticas de geração de emprego e formação técnica da força de trabalho do governo federal que não anulam a existência do Bolsa Família, a proposta de criação da Agência de Desenvolvimento e Integração Regional da Paraíba pode conviver com o Funcep. A não ser que, no caso da Paraíba, não haja recursos para as duas ações, e isso colocaria em xeque a prioridade dada ao combate à pobreza pelo governo e a necessária ação conjunta das esferas federal e estadual nesse campo.

Porque seria uma lástima redirecionar os recursos do Funcep para outras atividades, mesmo correlatas. Ressaltemos que é louvável a iniciativa de debater propostas de desenvolvimento, especialmente dirigidas para os mais pobres – e, faça-se justiça, é necessário reconhecer que Jeová Campos é um dos poucos empenhados hoje no esforço de debater projetos de desenvolvimento para a Paraíba –, mas ela não pode se fazer redirecionando os recursos do Funcep, o que significaria o seu fim. O grande debate a ser feito é sobre o funcionamento do próprio Funcep para transformá-lo em uma política de transferência de renda.

O grande problema é que o Fundo não tem uma orientação estratégica mais geral, pois trata de financiar ações pontuais em campos os mais diversos possíveis (“nutrição, habitação, educação, saúde, saneamento básico, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social”, diz a lei que cria o Funcep, assinada por seu criador, Cássio Cunha Lima). E sem definição precisa do público-alvo. Essa amplitude foi o que deu margem ao ex-governador para utilizá-lo da maneira que o interesse eleitoral determinava. O que precisa ser feito com o Funcep, depois de redefinidos seus objetivos, é a sua institucionalização, com a definição precisa dos seus beneficiários e a forma de distribuição dos seus recursos.