quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

PT: UMA HISTÓRIA EM 3 ATOS (PARTE II - 1989-1998)

2º Ato - A resistência ao neoliberalismo (1989-1998)

As vitórias de Luíza Erundina para a Prefeitura de São Paulo, em 1988, de Olívio Dutra, em Porto Alegre, e Vitor Buaz, em Vitória do Espírito Santo, além das expressivas votações que os candidatos do PT obtiveram nas eleições municipais daquele ano, eram um prenúncio de que o partido estava se tornando uma alternativa real de poder à esquerda, o que poucos acreditavam que pudesse acontecer tão pouco tempo depois que findou o regime militar.

Essa realidade era corroborada pelo fracasso do governo Sarney e da chamada "Nova República", cuja aliança PMDB-PFL a representava também. O fracasso daquele governo de transição foi tão retumbante que, depois do governo Sarney, esses dois partidos não criaram mais condições de produzirem lideranças nacionais que pudessem engendrar projetos de poder, sendo desde então meras linhas auxiliares dos partidos que assumiram o governo.

Plano Cruzado e hiperinflação

O PMDB, dois anos antes, havia sido o grande beneficiário político do Plano Cruzado, o último suspiro do intervencionismo estatal herdado da Era Vargas, que FHC disse que iria encerrar com seu governo. Eu lembro das lágrimas que jorraram dos olhos de Maria da Conceição Tavares, então assessora do Ministério do Planejamento, ao defender o Plano Cruzado em frente às câmeras. Com Tavares, os chamados economistas estruturalistas – tendo à frente Celso Furtado, que fora Ministro da Cultura de Sarney entre 1986 e 1988 – tiveram uma breve hegemonia no governo até o fracasso do Plano Cruzado e a definição por uma opção de governabilidade à direita de José Sarney.

O Cruzado conseguiu estancar a inflação herdada dos militares, que no ano de 1985 chegara a 225%, por meio de um decreto que congelou os preços através de um tabelamento, além de congelar também câmbio, cujo dólar ganhou um valor fixo. Vencida temporariamente a batalha contra a inflação, o povo foi alegremente às compras, o que acabou por criar uma pressão sobre os preços devido, principalmente, à incapacidade estrutural da indústria brasileira, montada naquela época para atender apenas a demanda dos ricos e da classe média, situação que em parte ainda se mantém hoje.

Esse fato criou o álibi eterno dos monetaristas no Brasil para defender a permanente alta de juros por conta das pressões inflacionárias que o crescimento econômico provoca, por conta, principalmente, do aumento do consumo. O Brasil ficou desde então prisioneiro desse dualismo econômico: ou forte crescimento econômico ou inflação. Esse discurso serve hoje para esconder, como veremos adiante, os reais beneficiários dessa política, os capitais rentistas, cujos investimentos de curto e curtíssimo prazo se valorizam aceleradamente e se apropriam das riquezas produzidas no país. Eles ficam com os lucros, nós ficamos endividados.

O fato é que, em 1986, com o Plano Cruzado já entrando em decadência, o PMDB foi o grande vencedor das eleições daquele ano, elegendo governadores em 22 dos então 23 estados da Federação, além de conquistar quase dois terços dos assentos da Câmara e do Senado, que iriam elaborar a nova Constituição brasileira. Entretanto, apenas 6 dias após a eleição, o governo edita o chamado Cruzado II, que decreta pesados aumentos na gasolina, nos telefones, na energia elétrica, nas bebidas e nos cigarros.

Como era de se esperar, as reações aconteceram em todo o Brasil e começaram a surgir a greves gerais contra a política econômica do governos. Os preços continuaram a subir de maneira descontrolada e, mesmo com uma sucessão de novos planos econômicos (Plano Bresser e Plano Verão), que foram editados até o fim do governo Sarney, a inflação foi alimentada até que, finalmente, o Brasil passou a conhecer o significado do termo "hiperinflação", quando ela chegou a 84% no último mês do governo Sarney.

"Brizula", o terror da elite ou Lula lá?

Não foi por acaso, portanto, que no início do ano de 1989 a revista Veja criou um monstro que passou a povoar os pesadelos do empresariado e da classe média conservadora: "Brizula", um monstro com o corpo de Leonel Brizola e a cabeça de Lula (ou vice-versa), os dois candidatos que apareciam na frente nas primeiras pesquisas para presidente daquele ano, antes que a própria Veja apresentasse aos eleitores o "Caçador de Marajás" das Alagoas, Fernando Collor de Mello.

A ascensão de Collor, um governador de um pequeno estado nordestino e, até então, sem grande expressão na política nacional, não foi um fenômeno puramente midiático. Ela expressou o senso de oportunidade da entourrage collorida por conta da ausência de lideranças no campo conservador e dos partidos tradicionais, que foram se tornando incapazes de produzir uma unidade da elite em torno delas. O desempenho do então todo poderoso presidente do PMDB, o partido que conseguira a mais consagradora vitória eleitoral 3 anos antes, Ulysses Guimarães, na eleição presidencial é a maior expressão disso (4,4%). Aureliano Chaves, do PFL, teve desmoralizantes 0,8% dos votos.

Todas as lideranças desse campo com alguma expressão política que se lançaram na disputa presidencial, à exceção do eterno Paulo Maluf,estavam ou estiveram ligadas ao governo Sarney: Ulysses Guimarães (PMDB), Aureliano Chaves (PFL), Mário Covas (PSDB). Além disso, sendo a eleição presidencial uma eleição isolada, a mobilização das máquinas partidárias seria mais difícil. Lula e Brizola eram os dois candidatos que não apenas combateram o governo do PMDB, como nunca tiveram nenhum vínculo com ele. Não era por acaso, portanto, que eles lideravam as pesquisas.

PT, PSB e PCdoB se uniram para criar a "Frente Brasil Popular", uma frente com um programa claramente de esquerda e que proclamava o objetivo de construir um governo “democrático e popular”, o que, no jargão da esquerda de fins dos anos 1980, significava, no âmbito da política, democratizar o Estado e a sociedade e, no âmbito da economia, promover a distribuição de renda através da inversão da lógica que presidiu o desenvolvimento capitalista no Brasil até então, promovendo uma reforma agrária radical, o enfrentamento do problema da dependência externa, especialmente com a suspensão do pagamento da dívida externa, a ampliação da participação dos salários dos trabalhadores na renda nacional com uma política de aumentos reais, e de pesados investimentos em educação e saúde com o fortalecimento e ampliação dos serviços oferecidos pelo setor público, entre outras coisas.

Todos esses aspectos essenciais que resultavam de um diagnóstico da problemática brasileira estavam presentes no programa da Frente Brasil Popular e se expressava de maneira clara e objetiva através do próprio Lula em comícios e nos programas de TV. Quem viveu de perto a campanha de 1989 pôde observar uma dualidade de sentimentos: de um lado, os que, desde o começo, não acreditavam – ou tinham medo – da vitória da esquerda, que representava um verdadeiro assalto aos céus e, talvez por isso, mantiveram-se na defensiva até muito próximo do primeiro turno, espalhando sua falta de entusiasmo – ou de coragem. Antigos esquerdistas de microfone foram pegos de calças curtas diante do crescimento visível de Lula e, diante da cada vez mais inquestionável possibilidade real de vitória, começaram então a questionar se seria possível Lula governar. Tinham medo da crise e do golpe.

De outro, a entusiástica militância que abraçou de corpo e alma aquela campanha, feita, na maior parte do tempo, com recursos dos próprios bolsos. De uma postura inicialmente descrente nas possibilidades de vitória, começamos a nos empolgar com o crescimento de Lula, visível nos adesivos de carros, nas camisas, nos bótons, na vermelhidão que tomava cada vez mais conta das ruas. Começamos a repetir o fenômeno da campanha das diretas com o povo voltando às ruas, agora organizado pela esquerda. Lula, que no começo da campanha caíra para 4º lugar nas pesquisas, atrás de Collor, Brizola e Afif Domingos, começou uma irresistível ascensão quando começou a ir ao ar a “Rede Povo”, cujos programas eram embalados pelo mais emocionante dos jingles que já foi produzido para uma campanha eleitoral: Brilha uma estrela (Lula lá).

Passa o tempo e tanta gente a trabalhar

De repente essa clareza pra votar

Quem sempre foi sincero em confiar

Sem medo de ser feliz

Quero ver chegar

Lula lá, brilha uma estrela

Lula lá, cresce a esperança

Lula lá, o Brasil criança

Na alegria de se abraçar

Lula lá, com sinceridade

Lula lá, com toda a certeza pra você

Um primeiro voto

Pra fazer brilhar nossa estrela

Lula lá, muita gente junta

Valeu a espera

Lula lá, meu primeiro voto

Pra fazer brilhar nossa estrela

“Brilha uma estrela” emocionava porque ela conseguia trazer para a televisão, e da televisão para os nossos corações e mentes, as manifestações de pura espontaneidade retratada nas ruas, nos comícios que se enchiam às dezenas e centenas de milhares, combinada com um candidato que era a cara do povo. O povo se via e se reconhecia finalmente nos discursos apaixonantes de um Lula passional, radical, que paralisava – como ele continua ainda a fazer hoje – as multidões que o ouviam num silêncio lacrimoso, que só era interrompido pela vibração contagiante quando o nosso presidente acertava nossos corações nos indicando a razão de estarmos ali reunidos numa comício do tamanho do Brasil: queríamos mudar o país e não tínhamos medo de dizer isso para não ofender os ouvidos sensíveis de uma elite conservadora que ainda nos despreza. Queríamos, como ainda se dizia à época, reformas estruturais.

Vídeo da campanha de TV de 1989. Artistas cantam Lula lá.


Foi essa avalanche de um furor indomável e irresistível que tomou conta do país nos meses de setembro e outubro daquele ano memorável. Lula assumia o 3º lugar e se aproximava de Brizola, enquanto Collor começava a cair, se dissipando a esperança dos conservadores de ver a eleição resolvida no primeiro turno. Para a surpresa e o horror da imprensa e dessa elite, liderada pelo grande empresariado, Lula avançava correndo por fora e atingiu o ápice da sua ascensão às vésperas do primeiro turno, quando conseguiu 11.622.673 de votos, o que representou 16,1%, ultrapassando finalmente Leonel Brizola por uma margem de apenas 445 mil votos (ou 0,6%) num total de votantes de quase 75 milhões. Brizola obteve 16,1 milhões de votos (15,5%). Entre as capitais, João Pessoa foi a sétima maior votação que Lula obteve, chegando a quase 27% dos votos.

Já Fernando Collor obteve 22,6 milhões de votos (28,2%) numa votação conquistada principalmente em meio ao eleitorado mais pobre e desorganizado politicamente, um paradoxo se compararmos com os dias atuais, quando é exatamente no meio desse eleitorado que Lula obtém seu maior apoio, apoio conquistado não na campanha, mas no governo, com políticas de combate à pobreza e de aumentos reais de salario.

No segundo turno Lula conseguiu avançar, obtendo o apoio dos principais candidatos que concorreram no primeiro turno, entre eles Leonel Brizola, Mário Covas e Ulysses Guimarães. Esse avanço se deu mais por conta da candidatura de Collor ter sido claramente identificada com o conservadorismo numa época em ser "progressista" ainda estava na moda.

Collor manteve-se isolado, chegando mesmo a rejeitar o apoio declarado por Mário Amato, à época presidente da FIESP. Amato, numa declaração antológica, chegou a dizer que, caso Lula vencesse a eleição, 800 mil empresários sairiam do Brasil. Esse foi um dos muitos episódios utilizados para impedir a vitória de Lula, que lutava contra um imenso poder econômico, que tinha contra ele quase todo o grande e médio empresariado brasileiro, e todos os meios de comunicação, que cuidaram de criar um verdadeiro clima de terror para impedir que Lula vencesse a eleição. Uma desigualdade de condições jamais vista, daí a força da candidatura de Lula.

A edição do último debate entre Collor e Lula do segundo turno feita pela Rede Globo, quando foram inseridos apenas os pontos fracos de Lula e o melhor do desempenho de Collor, representou o mais alto grau de engajamento político da Rede Globo, que foi talvez a principal responsável pela eleição de Collor de Mello, a quem ela ajudaria a derrubar em 1992. Engajamento que ainda se mantém hoje. A eleição de Lula, a reeleição e a manutenção dos altos índices de aprovação indicam que o poder de manipulação da “opinião pública” desses meios de comunicação está hoje em franca decadência.

No segundo turno, Collor venceria Lula por uma diferença de 4 milhões de votos (35,1 milhões a 31,1 milhões de votos ou 49,9% a 44,2%). Ao contrário de representar apenas um sonho numa noite de verão, a eleição de 1989 foi o primeiro, e eu diria, o mais importante passo da trajetória que tornaria Lula presidente do Brasil 13 anos depois.

O mundo muda. A esquerda também?

O ano de 1989 demarcará campo na política nacional representando, ao mesmo tempo, o fim de um ciclo político fortemente marcado pelas mobilizações democráticas contra o regime militar e pelas reformas que a esquerda sempre defendeu para o Brasil, e o início de um outro, marcado pela hegemonia mundial do conservadorismo e das idéias neoliberais, fortalecidos com fim da URSS e do Socialismo Real e pela emergência de uma nova ordem “global”. Tudo isso colocará a esquerda numa postura defensiva e cada vez mais ligada a uma estratégia de resistência à desestruturação dos Estados nacionais.

Não foi por acaso que o chamado “Consenso de Washington” foi elaborado em novembro de 1989, quando o Brasil definiu sua situação política depois que suas elites empresariais aderiram ao ideário do neoliberalismo após terem sido fortemente beneficiada pelo tão criticado, a partir de então, intervencionismo estatal.

Portanto, a atuação do PT e da esquerda na década de 1990 deve ser entendida dentro desse quadro de defensiva ideológica, de ampla e sólida unidade conservadora – conseguida finalmente, com a eleição de FHC, o queridinho da elite, – em articulação com o poder descomunal do capital financeiro nacional e internacional. Tudo isso se desdobrou num amplo programa cuja orientação geral estava inscrita nas 10 normas do chamado Consenso de Washington:

  1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;
  2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;
  3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;
  4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;
  5. Taxa de câmbio competitiva;
  6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;
  7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;
  8. Privatização, com a venda de empresas estatais;
  9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;
  10. Propriedade intelectual.

Entretanto, a implantação dessa política no Brasil durante o governo Collor não foi tão simples por conta das dificuldades de Collor conseguir uma unidade em torno do seu governo, tendência que foi reforçada pelo desastrado Plano Collor, que se iniciou com o “confisco” da poupança, o que atingiu especialmente os mais pobres (a idéia era impedir que, com a estabilização monetária, os pobres corressem às compras, como ocorrera com o Cruzado), e com o congelamento de preços e salário (detalhe: a inflação de 84% do mês anterior não foi repassada aos salários, tendo sido esse um dos mais atentados à economia popular que se tenha visto). Essas medidas e o fracasso subsequente do plano econômico determinaram o início do isolamento político de Fernando Collor, que culminaria com seu impeachment.

Sem apoio popular e com frágil base parlamentar, Fernando Collor não conseguiu forças para completar seu projeto de reformas neoliberais. A volta da inflação fez retornar o pesadelo da eleição de Lula. Em meio à crise, dois acontecimentos são reveladores do quanto determinadas decisões políticas podem interferir no futuro de partidos e indivíduos. A primeira, a decisão do PSDB de não aceitar o convite de Collor para participar do governo, tomada por conta da oposição de Mário Covas, quando já tinha o apoio da maioria do PSDB, inclusive do candidato a ministro Fernando Henrique Cardoso. Caso o PSDB tivesse aceitado o convite, FHC teria sido Presidente da República ou o PSDB teria indicado o candidato?

A segunda, foi a decisão do PT e de toda a esquerda de lançar a campanha pelo impeachment de Collor, posição que, devido ao crescente apoio popular, aos poucos foi recebendo o apoio de partidos como o PMDB, depois da Globo e, finalmente, do grande empresariado. Caso Collor tivesse permanecido no governo, as chances de Lula não seriam muito maiores num pleito em que, mais uma vez, não existiam candidato com liderança nacional capazes de se contrapor ao candidato do PT?

A campanha pelo impeachment de Collor e a reaglutinação da direita

O fato é que o impeachment de Collor promoveu uma reaglutinação das forças conservadoras no governo Itamar Franco, mesmo com personalidades de esquerda compondo-o, cujas novas bases permitiram a elaboração do Plano Real e a criação de uma alternativa presidencial com fortes vínculos com o grande empresariado paulista e, por conta dos resultados do plano, com forte apoio popular.

Eis que, paradoxo dos paradoxos, uma campanha com forte participação popular, especialmente estudantil, e hegemonizada pela esquerda, acabou resultando em uma reorganização da direita e criando, com o afastamento do ex-presidente, as condições para que, finalmente, o programa do Consenso de Washington tivesse um governo com força política para implementá-lo no Brasil. Mesmo com mobilização social, a campanha do “Fora Collor” teve um conteúdo quase que exclusivamente voltado para a denúncia contra a corrupção, o que ajudou a inserir enorme contingente de estudantes de classe média oriundos dos grandes colégios privados, que nunca haviam saído às ruas para protestos.

Esses estudantes pintaram alegremente os rostos embalados ao som de “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso - que foi a música de abertura de uma mini-série da Rede Globo sobre a participação da juventude na resistência ao regime militar chamada Anos rebeldes - que passou a representar a “rebeldia” dos estudantes de 1968, não por acaso em substituição a “Caminhando e cantando”, desde sempre o hino daquela geração. Os versos de contestação política de Vandré “Vem, vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer” foram substituídos pelo desbunde despolitizado da tropicália: “Caminhando contra o vento/Sem lenço e sem documento/No sol de quase dezembro/Eu vou.../Por que não...

E ai de quem falasse em neoliberalismo. E ai de quem tentasse vincular o movimento a partido. O movimento era “dos estudantes”. E não era contra o "neoliberalismo", era contra Collor e a corrupção. E só. Sem dúvida, o movimento contra o impeachment de Collor pavimentou o discurso para o retorno com força do udenismo de classe média, cujo movimento “Cansei”, organizado contra Lula exprimiu um esforço desajeitado de recriar 1992. Enfim, a “eficiência” da esquerda para mobilizar, potencializada pela divulgação e apoio da grande imprensa (havia mesmo algo de podre do Reino da Dinamarca!), ajudou a derrubar um governo impotente e, portanto, incapaz de implantar as mudanças que a elite financeira esperava.

Plano Real: suporte político para eleger FHC e implantar as reformas neoliberais

Cumprido o objetivo de afastar Collor, o objetivo seguinte foi mais uma vez tentar sepultar a candidatura de Lula, o que foi feito com o Plano Real e os mais de 40 bilhões de dólares que o governo Collor havia deixado em reservas cambiais, sem os quais não teria sido possível o Real, cuja paridade com o dólar exigia imenso suporte financeiro para ser bancada. Esse, mais o fato de que, excluído o Ministro da Fazenda de Collor, Marcílio Marques Moreira, a mesma equipe econômica do governo "collorido" foi mantida por Itamar, e depois por FHC, deixando claro que o Plano estava sendo elaborado e seria implementado ainda durante o governo Collor.

Itamar Franco ofereceu de bandeja a candidatura a presidente ao político decadente Fernando Henrique Cardoso, que dificilmente se reelegeria para o Senado na eleição seguinte. FHC foi o candidato que faltou em 1989 para unificar a elite e, com a ajuda da Globo (“escondendo o que era ruim e divulgando o que era bom”), de uma aliança com o PFL e o PTB, com quem a aliança foi feita para construir o suporte político do futuro governo, e com o apoio quase que unânime do grande empresariado, principalmente dos bancos, tornou-se rapidamente o candidato favorito e que venceria as eleições ainda no primeiro turno.

Os erros cometidos pelos grandes partidos em 1989 cuidaram de ser revistos. Primeiro, cuidaram de reduzir o mandato dos presidentes de 5 para 4 anos, para coincidir a eleição de presidente com a de governador, senador e deputados. Depois, foram criadas regras extremamente rígidas para a propaganda eleitoral, a principal arma para a ascensão de Lula antes: os programas eleitorais deveriam ser feitos em estúdio, sendo proibidas toda e qualquer imagem externa (como comícios, por exemplo); só os candidatos podiam falar, sendo proibidas as aparições de qualquer outra pessoa (artistas cantando o Lula, lá, por exemplo); reportagens eram também proibidas, como as que foram produzidas durante a "Caravana da cidadania" que cruzou com Lula o país inteiro. 1994 foi quase um jogo de cartas marcadas.

Em relação à eleição anterior, Lula conseguiu ampliar os apoios para sua candidatura, incorporando, além dos partidos que compuseram a Frente Brasil Popular (PT, PCdoB e PSB), o PV, o PCB e o PPS, que lançaram candidatos em 1989 (Fernando Gabeira, pelo PV, e Roberto Freire, pelo PCB que depois se tornou PPS), além do PSTU, partido que nasceu quando a dissidência trotskista (Convergência Socialista) finalmente rompeu com o PT e saiu do partido.

Isolado na esquerda, Lula buscou apoio ao centro. O primeiro sinal disso se verificou nas cores da campanha, onde o vermelho onipresente de 1989 foi substituído pelo branco e verde. Depois, pela temática que demarcou o discurso programático, agora centrado na “cidadania”, cujo termo foi incorporado ao nome da coligação de 1989: Frente Brasil Popular pela Cidadania. Por outro lado, temas centrais na campanha anterior como endividamento externo e privatizações foram tratados de forma ambígua ou foram temas simplesmente ignorados. A reforma agrária foi defendida respeitando as terras produtivas.

É possível creditar essas mudanças apenas na conta de uma guinada do PT em direção ao centro, ou mesmo uma capitulação ao status quo, como preferem correntes mais à esquerda, como o PSTU. Mas, é importante verificar tanto as condições internas e externas, bem como a natureza de partido de massas como o PT, que reivindica a conquista do poder respeitando as regras do jogo democrático “burguês”. Mas, é bom reconhecer, havia grande desorientação política em 1994, o que implicava em falta de clareza programática. A crítica ao neoliberalismo ainda começava a ganhar consistência.

Hoje, as críticas de que o PT perdeu sua identidade originária provém de setores conservadores temerosos de uma aglutinação social em torno do projeto do PT, e busca desqualificar o partido como de esquerda, ou seja, como um partido que perdeu seus referenciais e tornou-se igual aos outros. As críticas referentes à capitulação petista levam em conta apenas uma visão pseudo-revolucionária que rejeita toda e qualquer aliança, independente das condições políticas.

E as condições de 1994, como já dissemos, não eram nem um pouco favoráveis, nem na América Latina nem no mundo. A esquerda vivia uma das maiores crises de sua história, logo após a queda do Muro de Berlim e do fim da URSS. Na América Latina, a direita neoliberal era amplamente hegemônica. Enfim, as condições para a apresentação de um projeto com a radicalidade que se propunha o que foi apresentado em 1989 eram limitadíssimas, além de empurrar o PT e a esquerda ainda mais para o isolamento político.

Mesmo assim, a identidade de esquerda foi preservada e mesmo com todas as críticas, Lula e o PT continuaram a aglutinar os setores populares. E Lula ampliaria sua votação no primeiro turno de 1994 em relação à de 1989, tendo obtido 17.122.127 votos, ou 27,04%, um crescimento, em termos percentuais, de mais de 10%. Brizola chegaria ao fundo do poço naquela eleição, quando obteve 3,18% dos votos, ficando atrás de Enéas Carneiros e Orestes Quércia, que obtiveram 7,38% e 4,38% da votação. Brizola percebeu o que estava por trás da campanha contra Collor e procurou, de maneira voluntarista, reforçar a posição do ex-presidente, que acenou com um programa de construção de CAICs, adaptação nacionalizada dos CIEPs que Brizola construía no Rio (escolas públicas em tempo integral que eram a marca da administração pedetista).

A eleição de FHC deu início finalmente às reformas neoliberais que desde o final da década anterior eram receitadas para o Brasil para viabilizar sua “modernização”. Com o suporte político dos partidos que formaram a sua coligação (PSDB, PFL e PTB) que, juntos, fizeram 182 deputados, número insuficiente para criar uma maioria sólida, FHC cuidou de ampliar sua base com acordos regionais com o PMDB – como o que foi feito aqui na Paraíba, cuja chapa majoritária ao governo apoiou a candidatura de FHC, – partido que, sozinho, elegeu 107 deputados naquela eleição, mesmo número de deputados eleitos pelos partidos de esquerda (PT, PDT, PSB e PCdoB), – além de outros partidos conservadores, como o PPR, PP e PL.

A soma dos parlamentares desses partidos que apoiaram o governo FHC superava os 390, número bastante superior aos 342 necessários para aprovar as mudanças constitucionais que o PSDB esperava fazer, a exemplo da quebra dos monopólios das estatais, associada a nova definição para o capital estrangeiro e a eliminação das restrições para sua atuação no mercado brasileiro, processo que, nesse âmbito, se completaria com uma acelerada política de privatizações das estatais. Tudo isso resultou numa verdadeira internacionalização da economia brasileira.

Empresas como Vale do Rio Doce, todo o sistema de telefonia e todo o sistema de distribuição de energia elétrica, por exemplo, setores antes considerados estratégicos, passaram às mãos de empresas e bancos nacionais e estrangeiros. A resistência da esquerda e o apoio que empresas como Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica tinham da população impediram que a sanha privatista do PSDB avançasse sobre elas. Pelo menos, naquele estágio do processo. Se os tucanos tivessem vencido as eleições de 2002, talvez nem elas restassem hoje.

Mesmo assim, FHC conseguiu quebrar o monopólio da exploração do petróleo abrindo a exploração do subsolo à exploração de empresas privadas, e converter a atuação de bancos estatais em bancos privados, retirando-lhes o papel de financiadores de ações estratégicas de desenvolvimento. Além disso, entrou na ordem do dia temas como reforma trabalhista (flexibilização da CLT), reforma da previdência (restrição aos direitos do aposentado) e reforma tributária.

Além do suporte político, FHC conseguiu um impressionante suporte financeiro externo. Ainda antes de tomar posse, o mundo foi sacudido pela crise do México, país que era, até então, modelo para a América Latina. A crise mexicana foi detonada, em grande medida, devido a sobrevalorização da moeda daquele país, o Peso, o que produziu crescentes e bilionários déficits na balança de pagamento por conta do aumento das importações, que foram financiados com a entrada de “investimentos” financeiros de curto prazo.

Quando os EUA entraram em crise e os juros foram lá rebaixados, ocorreu uma grande fuga desses investidores para o seguro mercado americano. Tentando evitar o desastre, o governo mexicano quase que liquidou suas reservas internacionais, que já eram minguadas (U$ 30 bilhões), para manter a moeda estável, ficando no patamar dos U$ 5 bilhões, o que levou ao fim do sistema de câmbio fixo. Incapaz de financiar a economia, o México literalmente quebrou, arrastando para a crise países que dependiam desses financiamentos de curto prazo como o Brasil.

Entre 1997 e 1998, o mundo voltou a ser sacudido por outras duas grandes: a da Ásia, que envolveu todo o Sudeste asiático, incluindo a Coréia e o Japão – prenúncio de que as crises começavam a atingir o coração do sistema, – e a da Rússia, depois que aquele país decretou a moratória da dívida externa devido aos efeitos da crise financeira mundial, o que gerou mais pânico. Todas essas crises tinham algo em comum: moedas atreladas ao dólar – caso da Tailândia, onde foi detonada a crise asiática – e suporte financeiro do capital rentista às moedas locais – ao sinal de cada instabilidade, essas economias eram abandonadas à própria sorte, ficando os Estados e as sociedades com o ônus da crise.

Com o diferencial de que no Brasil, em razão das experiências mal-sucedidas de câmbio fixo atrelado ao dólar, FHC optou pelo sistema de “banda cambiais” em que o dólar podia “flutuar” dentro de valores considerados aceitáveis, o Brasil trilhava o mesmo caminho: dólar sobrevalorizado (o Real, durante quase todo o primeiro governo FHC, “flutuou” abaixo de 1 dólar), favorecendo as importações de bens de consumo, mas também de bens de capitais para as empresas estrangeiras que começavam a se instalar no Brasil, o que era uma maneira de financiamento indireto dessas empresas; dependência de capitais de curto prazo, o que, para atrair esses “investidores”, os juros foram mantidos, em situações de normalidade, sempre superiores ao patamar próximo dos 25%; todo esse esfoço era completado com a produção de “superávits primários”, comprometendo recursos cada vez maiores do orçamento com o pagamento de juros e multiplicando a dívida interna (nos 8 anos do governo FHC, a dívida interna saltou de R$ 60 bilhões para R$ 1 trilhão).

O fato é que durante os anos de 1991 e 1998 a dívida externa saltou de valores próximos aos 100 bilhões de dólares para quase 250 bilhões, resultando principalmente dos impactos das crises externas.

Nos primeiros 4 anos do Real, a estabilidade monetária teve um custo incalculável para as gerações futuras de brasileiros: venda financiada com recursos públicos de um patrimônio estatal de trilhões de dólares, repassados a preço de banana a empresas e banco privados, aumento criminoso da dívida pública pela via de uma política de juros que objetivava dar imensa rentabilidade a bancos e “investidores” do mercado financeiro, queda brutal do investimento público em infra-estrutura, saúde pública, e, especialmente, em educação, desestruturação do Estado e de suas funções reguladoras sobre a economia nacional.

Foram 4 anos de resistência e de muitas derrotas para esquerda. Num quadro assim, enquanto o bloco conservador se perfilava cada vez mais ao lado do PSDB, no outro lado da trincheira a esquerda buscou se unir. Leonel Brizola aceitou candidatar-se a vice na chapa de Lula, iniciando uma aproximação com o trabalhismo que faltava aos petistas. O PCdoB já apoiara Brizola quando ele disputou o governo do Rio de Janeiro, em 1990.

Ao PT, coube incorporar o discurso da tradição nacional-desenvolvimentista dos trabalhistas e expressá-la cada vez no seu programa, com as atualizações necessárias. Em 1998, o PT havia se tornado, excluídos os trotskystas, o desaguadouro de todas as tradições da esquerda brasileira, convertendo-se em um partido que começa a aliar uma base social de origem popular, incorporada num partido de esquerda de massas, temperado por um amadurecimento programático que não abandona o sentido histórico das mudanças que o Brasil necessita, mas reconhece as limitações política para promover uma drástica ruptura, senão para o socialismo, mas para um modelo de desenvolvimento dirigido para promover a monumental distribuição de renda que o Brasil necessita. Digamos que a estratégia do PT seja de uma modernização popular, feita por dentro do sistema, lenta e gradual.

A eleição de 1998 realizou-se em meio aos estilhaços da crise asiática e em plena crise russa. O Brasil caminhava mais uma vez para a bancarrota e os “fundamentos” que sustentavam o Real davam seus últimos suspiros. FHC, adornado agora pelo apoio do PPB malufista e com o aval informal da maioria peemedebista, que ofereceu em holocausto a candidatura de Itamar Franco, que se filiara ao partido para se candidatar a presidente, para facilitar a vida eleitoral de FHC, se apresentou em plena crise como o mais capaz para enfrentá-la, apoiado como sempre pela grande imprensa, especialmente a Rede Globo. Mesmo com o Real cambaleando, a inflação manteve-se sob controle, junto com a unidade da elite que apoiou FHC. O candidato do PSDB obteve quase o mesmo percentual de 1994, vencendo no primeiro turno: 53,06%, mais uma estreita margem que evitou o debate e a polarização do segundo turno.

Lula, mesmo com todas as dificuldades, continuou avançando e chegou a 31,7% dos votos. Ciro Gomes, que entrou na disputa pela primeira vez, obteve 10,97%.

Esses 3 personagens iriam novamente se encontrar nos 4 anos que se seguiram àquela eleição. Um deles representando a herança de um país em crise e de joelhos. Os outros dois, apontando novos caminhos.

Esse é o 3º ato dessa história.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

PT: UMA HISTÓRIA EM 3 ATOS

O Partido dos Trabalhadores completa hoje 30 anos de existência e três décadas parecem mais do que suficientes para justificar que façamos aqui um breve balanço da existência de um partido cujo objetivo, desde que nasceu, foi o de mudar o Brasil, objetivo que, ao longo dos anos, foi se alterando, seja quanto à maneira de promover essas mudanças seja quanto ao ritmo de como alcançá-las.

À frente do Governo Federal há 7 anos, e com a perspectiva cada vez mais real de permanecer por mais 4, o PT faz jus a um balanço desses anos, principalmente para não cairmos nos simplismismo de determinadas e, às vezes, apressadas análises sobre o futuro do partido. É nisso que vamos tentar contribuir com essa postagem que não vem a ser apenas uma homenagem, mas uma debruçar-se sobre a história do Brasil dos últimos 30 anos, que é, também, a história do Partido dos Trabalhadores, protagonista fundamental dessa história.


O Partido dos Trabalhadores nasceu nos estertores do Regime Militar de 1964 para ser uma alternativa às duas tradições mais expressivas da esquerda brasileira até então: o trabalhismo varguista-brizolista e o comunismo do “partidão” e do PCdoB, opção que não teve mero conteúdo tático, como se viu desde então.

O nascimento do PT: um partido de uma nova intelectualidade de esquerda e de uma nova geração de trabalhadores

Quando finalmente, em 1980, o PT formalizou sua existência como partido fez isso inevitavelmente expressando na sua formação uma sociedade que havia mudado em profundidade nos mais de 15 anos de modernização conservadora empreendida pela ditadura militar, que logrou, entre outras coisas, formar uma nova intelectualidade e um novo sindicalismo, que não deixava de ser expressão da nova classe média que emergiu com força nos anos 1970.

No que diz respeito a essa nova intelectualidade de esquerda, predominava em seu meio uma idéia difusa de um marxismo que foi se tornando cada vez mais acadêmico, “ocidental”, preocupada mais com as injunções de ordem “metodológica”, “epistemológica”, ou de “teoria pura”, como acentuou o historiador inglês Eric Hobsbawm, do que de ordem política, ou seja, estratégicas, de suas elaborações.

O intelectual petista no nascedouto do PT era, sem dúvida, de esquerda, mas sem vínculos orgânicos com os debates a respeito das definições estratégicas de partido, o que era ajudado pelo sentido explicitamente aberto do PT quanto à definição precisa a respeito da conteúdo dos seus objetivos.

Não é por outro motivo que o PT, apesar de sempre ter se afirmado como ”socialista” nunca avançou para definir o significado disso, a não ser para ressaltar o seu caráter “democrático”, que era mais uma maneira de diferenciação tanto com o stalinismo do PCdoB, como com a defesa do “socialismo real”, ou seja, da União Soviética, que fazia o “Partidão”.

O intelectual petista, diferentemente da intelectualidade que se filiara aos partidos comunistas em todo o mundo até os anos 1950 e parte dos anos 1960, tinha sua produção intelectual determinada mais pelos debates acadêmicos do que pelos debates partidários. Isso expressava uma manifestação tardia, como sempre acontece quando se trata de Brasil, de uma ruptura que começou na Europa com o fim da Segunda Guerra e se aprofundou nos anos 1950, depois da morte de Stálin, e que levou a uma crítica cada vez mais incisiva ao chamado “marxismo da III Internacional” por conta dos vínculos partidários que todo intelectual marxista deveria ter com seus respectivos partidos comunistas, e que deveria se exprimir em suas obras.

Os intelectuais petistas rejeitavam peremptoriamente essas idéias, o que permitiu que uma variedade enorme de pensamentos convivesse num mesmo partido sem se auto-excluir.

No âmbito do sindicalismo, especialmente o do ABC paulista, “berço do PT”, como se costuma dizer, a realidade mudara em profundidade depois de 15 anos de ditadura militar, seja porque a militância comunista fora quase que aniquilada pela violência do regime, seja porque uma nova e numerosa classe operária surgira, com pouca experiência política, mas sedenta de participar dos ganhos do capital. Junto com o operariado do ABC, também cresceram em termos numéricos categorias tradicionais (bancários, comerciários, motoristas de ônibus, servidores públicos) e outras que irromperam como filhas do amplo processo de desenvolvimento que o país viveu nos anos 1960 e 1970.

O velho peleguismo dos sindicalistas que dirigiram as entidades cooperando com os militares e com o empresariado não teve como manter o controle dos sindicatos exatamente no momento em que o “milagre econômico” começava a se desfazer, o que também se combinou, não por acaso, com a crescente mobilização pelo fim da ditadura militar.

Feita a transição para consolidar o modelo de modernização, restava uma saída negociada dos militares do poder, mais uma vez feita por cima, começando com a Lei da Anistia, de 1979, com o fim do bi-partidarismo que resultou em uma reorganização partidária, e terminou com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985.

O “novo sindicalismo” petista conquistou, ao lado dos outros agrupamentos de esquerda, estes com menor influência, uma por uma as cidadelas do peleguismo sindical, excluindo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, berço da Força Sindical, e começou a criar sindicatos onde não havia organização, especialmente entre os servidores públicos. Com a fundação da CUT, em 1983, o PT se consolida como a principal força do sindicalismo brasileiro, o que também ajuda a consolidar a posição política do PT.

Ato 1: A consolidação (1980-1988)

Na primeira metade da década de 1980, o PT tentou se consolidar como um partido de esquerda através de uma contundente retórica que beirava o ultra-esquerdismo, bem ao gosto das tendências trotskistas a ele filiadas desde a fundação. Essa retórica objetivava se contrapor aos comunistas pela esquerda, numa denúncia constante da política de alianças daqueles com o MDB e depois com o PMDB, partido a que os comunistas foram filiados até 1985.

Para o PCB e o PCdoB era necessária uma ampla unidade contra a ditadura, posição que o PT não acompanhava devido à sua rejeição a toda e qualquer alianças com os chamados "partidos burgueses". Tanto que a iniciativa de começar a campanha pelas Diretas, Já foi originalmente do PT, que começou a fazer comícios sozinho, posição que depois foi acompanhada pelo PMDB e pelos comunistas a partir de 1984, quando todos os partidos de oposição ao regime se uniram naquela memorável campanha.

Derrotada a campanha das Diretas, Já, inicia-se imediatamente o debate a respeito sobre da participação ou não dos partidos de oposição à ditadura nas disputas do Colégio Eleitoral. O PT se posicionou imediatamente contra a proposta, defendendo a continuidade da campanha pelas diretas, enquanto que os outros partidos se unificam em torno da candidatura de Tancredo Neves, pelo PMDB, que passou a ter o apoio da Frente Liberal, uma dissidência formada por lideranças políticas oriundas do PDS (ex-Arena), partido que dava sustentação à ditadura, entre elas Antônio Carlos Magalhães, Aureliano Chaves e José Sarney. Este último foi indicado candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo, tendo se filiado ao PMDB para concorrer, fechando a chamada "Aliança Democrática" que, vitoriosa, daria início à Nova República.

Enquanto a campanha de Tancredo Neves ganhava as ruas, o PT denunciava aquela aliança como legitimadora da ditadura. O PT manteve a posição e, mesmo correndo o risco de ser responsabilizado pela derrota de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e a conseqüente vitória de Paulo Maluf, o candidato do PDS e dos militares, manteve a posição, chegando mesmo a expulsar deputados federais, a exemplo de Airton Soares e Beth Mendes, por discordarem daquela orientação e votarem em Tancredo Neves, que mesmo assim saiu amplamente vitorioso.

Visto retrospectivamente, a política do PT claramente buscava torná-lo uma alternativa real e de massas à esquerda, mesmo que essa política o tenha isolado nos primeiros anos de fundação. O PT esperava que os partidos à direita e ao centro dessem mostras de que não tinham nada de novo a oferecer aos brasileiros, a não ser as velhas políticas que conduziram à concentração de renda e da propriedade no Brasil.

Lula, à época, provavelmente já sabia como se faziam as mudanças no Brasil, mas a aposta dele e do PT foi uma aposta no futuro. E nesse futuro, o PT cabia como alternativa, como se veria.

O que ficou claro durante o primeiro governo pós-ditadura, cuja presidência caiu no colo de José Sarney com a morte de Tancredo Neves antes mesmo do ex-governador de Minas tomar posse. O governo Sarney foi importante para consolidar a chamada “transição democrática”, liberando a organização partidária, restabelecendo as eleições diretas para prefeito das capitais e convocando uma Constituinte.

Durante os embates da Constituinte, amplamente hegemonizada pelo PMDB, verificou-se uma reorganização da direita, que manteve-se na defensiva desde a campanha das Diretas. Foi durante a Constituinte que se viu uma verdadeira “reação conservadora” da direita, quando, em oposição às propostas da esquerda vitoriosas no primeiro turno das votações, articulou-se o chamado “Centrão”, um agrupamento suprapartidário organizado pelo empresariado para barrar propostas históricas que beneficiavam os trabalhadores e que acabou se impondo nas votações em segundo turno.

Lula participou ativamente dos debates, quando obteve nota 10 como defensor dos direitos dos trabalhadores, ao lado de todos os parlamentares petistas, comunistas, pedetistas e mesmo alguns do PMDB – da Paraíba, infelizmente, só Antônio Mariz e Lúcia Braga passaram na prova da Constituinte com a nota máxima.

Nesse ambiente, as disputas entre petistas e comunistas se acirravam cada vez mais, e um palco privilegiado desse embate foi o movimento estudantil, especialmente o universitário, do qual o autor dessas linhas foi militante ativo como filiado ao PCdoB à época. E o movimento estudantil certamente pode ser um espaço importante para a compreensão dos confrontos que se desenvolveram na esquerda desde a fundação da UNE, em 1979, até a unidade que viria a acontecer depois de 1989.

Os congressos da UNE reverberaram esses conflitos de maneira exemplar, especialmente porque era um dos poucos espaços em que todas as organizações de esquerda, inclusive os anarquistas, mantiveram com espaço unitário de atuação. O movimento sindical, por exemplo, manteve-se rachado durante esse período (o PT na CUT e os comunistas no CONCLAT), ficando as disputas entre eles no campo sindical para as organizações específicas de cada categoria.

A UNE foi hegemonizada pelo PCdoB desde a sua fundação, em aliança com o PCB, o MR8 e outros partidos de menor expressão entre os estudantes da época. Uma análise dos Congressos pode revelar, além das mudanças nas análises de conjuntura das correntes, o crescimento da influência do PT na segunda metade da década de 1980 no meio estudantil e, por fim, uma redefinição das posturas de cada partido em direção à unidade depois de 1989.

O avanço do PT começou a se verificar quando a proposta pela realização de eleições diretas para a diretoria da UNE foi aprovada no Congresso de 1986, depois de defecções na antiga aliança que dava maioria ao PCdoB (a eleição direta seria vencida pelo PCdoB).

Depois, veio a derrota, agora em eleição congressual, em 1987, quando o PCdoB se viu isolado e uma ampla frente deu, pela primeira vez, maioria para eleger uma chapa petista para a entidade. 1988 foi o auge desse confronto, quando o congresso da UNE daquele ano terminou em pancadaria e com a retirada dos delegados do PCdoB, o que abriu caminho para que o PT mantivesse a hegemonia na UNE.

Em 1989, inicia-se uma aproximação entre PT e PCdoB na UNE, aliança que dura até hoje, quando militantes dos dois partidos, entre os quais o autor destas linhas, formam juntos pela primeira vez uma diretoria da UNE, sob a presidência de um petista.

O que acontecera na política brasileira para explicar tão significativa mudança? O PCdoB havia rompido o apoio ao governo Sarney e com o PMDB e começava uma lenta aproximação com o PT, que começou a acontecer na eleição para prefeito de São Paulo, em 1988, quando, para a surpresa das militâncias de ambos os partidos – e para o horror de alguns – PT e PCdoB se coligaram numa eleição que, para a sorte da aliança, foi surpreendentemente vencida pela candidata do PT, a paraibana Luíza Erundina, numa eleição em apenas 1 turno.

O PT começava a romper a partir dali com a posição predominante de não fazer alianças e que inaugurou uma nova política que iria acabar com sua política isolacionista. Desde então, as alianças começam a fazer parte do dicionário das direções petistas, o que dá início a um afastamento dos trostskistas com o partido que vai se tornando cada vez mais irreversível.

Tem início o segundo ato da história petista, que se inicia com a campanha de Lula à presidência, em 1989. Um dos capítulos mais emocionantes dessa história.

Esse será o tema da nossa próxima postagem.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

AINDA SOBRE O CHILE

Antes da divulgação das últimas pesquisas, muitos “analistas” agarraram-se com ardor naquilo que parecia uma “tábua de salvação”: a derrota do candidato de Michele Bachelet, a presidente bem avaliada do Chile, Eduardo Frei. O sentido explícito que se pode extrair dessas análises é o seguinte: se aconteceu no Chile, pode acontecer no Brasil. Na terça passada, o jornalista Helder Moura retomou o assunto em razão da divulgação da últimas pesquisas para presidente para acentuar o equívoco desses “análistas”.

A respeito da relação que tentaram fazer entre as eleições presidenciais chilena e a brasileira, eu acrescentaria o seguinte:

1) o primeiro fato a destacar é a longevidade do projeto de poder da frente de centro-esquerda "Concertación Democrática", que já durava 20 anos, duração que, certamente, já produzia um desgaste natural no bloco de poder chileno; se há uma relação a fazer com o Chile é essa: o projeto de poder da “concertación” brasileira, liderado por Lula, pode durar mais de 20 anos. É tempo suficiente para mudar muita coisa no Brasil.

2) Em razão desse primeiro aspecto, a indicação de Eduardo Frei, que já fora presidente do Chile entre 1994 a 2000, ajudou a promover uma divisão no bloco de poder montado ainda durante a ditadura chilena, com o lançamento da candidatura independente de Marco Enríquez-Ominami, além da de Jorge Arrate, que foi apoiado pelos comunistas.

3) a "Concertación" chilena tem características distintas da brasileira. Ela é uma frente que foi formada para combater a direita, formada inicialmente para vencer o plebiscito que pôs fim à ditadura de Pinichet, e no início foi hegemonizada pelo Partido Democrático Cristão (de centro), que indicou os dois primeiros candidatos que se elegeram Presidentes do Chile: Patricio Aylwin (1990-1994) e Eduardo Frei (1995-2000). Depois, veio a hegemonia do Partido Socialista Chileno com as eleições de Ricardo Lagos (2001-2005) e Michelle Bachelet (2006-2010). O retorno de Eduardo Frei e da hegemonia dos democratas-cristãos sem dúvida deve ter causado fissuras na aliança.

Entre os partidos da Concertación, por exemplo, está o equivalente ao PSDB brasileiro, o Partido Social Democracia do Chile. Como no Chile, o PSDB nasceu com pretensões de centro-esquerda, foi contra a ditadura brasileira e chegou a apoiar Lula em 1989. Depois, aliou-se à direita para eleger FHC e não só permanece nesse campo, como se converteu num partido conservador desde então.

No caso do Brasil, a base da aliança que elegeu Lula em 2002, e que o apoiou nas 3 ocasiões em que disputou a eleição presidencial antes de se eleger, inclui partidos de nítida inspiração de esquerda, hegemonizada pelo Partido dos Trabalhadores, e que inclui desde o início o PCdoB e o PSB.

Essa condição politicamente eclética certamente teve repercussão programática na condução do governo chileno pela “Concertación”, o que se expressou na manutenção da estratégia de desenvolvimento baseada na exportação de commodities, principalmente minério bruto, política neoliberal com limitada intervenção do Estado, o que vem a ser uma continuidade da ditadura militar, e que não aconteceu só em termo econômicos, mas também legais, pois a Constituição chilena da época de Pinochet só foi reformada em 2005. Além disso, o Chile mantém um alinhamento diplomático com as posições dos EUA, apesar de, nos últimos anos, ter buscado uma aproximação com o Mercosul e se posicionado com o Brasil, por exemplo, em relação à situação da Bolívia. No caso de Honduras, acompanhou a posição dos Estados Unidos.

Assim, mais próxima de posições à direita e sem uma clara diferenciação em termos programáticos, não deve ter causado muita dificuldade a parte do eleitorado que deu a vitória à direita por estreita margem migrar para a direita, dando a vitória ao seu candidato, Sebastián Piñera.

Todos os aspectos acima acentuam as diferenças entre a situação do Chile e a do Brasil. Mas, um elemento da análise não pode escapar à essa comparação: os presidentes que conduziram e que conduzirão suas sucessões. Enquanto Michele Bachellet, que foi uma espécie de Dilma Roussef do governo anterior de Ricardo Lagos, tendo sido Ministra da Saúde e da Defesa, permaneceu distante da campanha eleitoral até próximo da realização do segundo turno, Lula promete colocar todo o seu prestígio e sua liderança a favor de sua candidata, Dilma Roussef. E a liderança de Lula é inquestionável, não só no Brasil, mas no mundo todo, diferentemente de Bachelet.

Por fim, é sempre perigosa a escolha de modelos para comparar com a experiência histórica de cada país. Cada país e cada povo tem sua própria história e, por conta disso, desenvolve experiências que não podem ser repetidas em outros espaços. Esforços nesse sentido podem resultar em grandes fracassos analíticos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A fidelidade partidária petista


No fim de semana passado, a prefeita de Pombal, Polyana Feitosa, prefeita da maior cidade dirigida pelo PT na Paraíba, não só foi à festa organizada em apoio à candidatura do deputado federal Welington Roberto (PR) ao Senado como lá declarou seu voto. Polyana, que teve manifestações públicas de apoio e carinho do presidente Lula, sabe bem ser do PT nas horas em que sua filiação partidária pode ajudar sua administração. Quando a questão é ajudar no crescimento do partido, vale o interesse particular.

Segundo levantamento da Rádio Liberdade FM de Pombal, por exemplo, divulgado na página do deputado estadual Rodrigo Soares (clique aqui), a gestão do esposo de Polyana, Jairo Feitosa, também filiado ao PT e falecido em setembro de 2007, recebeu do Governo Federal mais de R$ 4,5 milhões de reais durante os quase 3 anos da gestão do ex-prefeito, o que equivale, segundo o mesmo levantamento, a mais de 70% de tudo que foi repassado para investimentos em Pombal, em 12 anos. Além desses investimentos, Pombal foi agraciada, entre outras coisas, com um campus da UFCG na cidade.

Na segunda-feira, dia primeiro, foi a vez do deputado estadual do PT, Jeová Campos, que anunciou ao vivo e para quem quisesse ouvir no Programa Correio Debate que seu candidato a deputado federal será o deputado Wilson Santiago, do PMDB, caso ele não seja candidato a senador, como, aliás, já aconteceu em 2006. Se o filho do deputado do PMDB for o candidato, ele conversa. Ou seja, não está nos planos da maior liderança do PT no sertão pedir voto para um candidato a deputado federal do próprio partido.

Jeová gosta muito de falar de sua origem humilde, não perdendo a oportunidade de fazer referência à sua juventude quando foi vendedor de alho em Cajazeiras. É certo que sua ascensão social deveu-se aos esforços dos pais, irmãos e dele próprio para tornar-se um competente advogado. Mas, a ascensão política ele deve ao PT, assim como tantos outros que, de pessoas humildes e sem lugar na grande política paraibana – porque sempre foi hegemonizada pelas famílias mais poderosas, – conseguiram espaço para expressarem sem interesses legítimos de participação política. E o PT foi esse espaço, em que a iniciativa coletiva sempre foi mais importante do que a individual. Todos cresceram com o PT, inclusive Lula.


Será que esse é, entre outros motivos, um dos fatores que podem explicar porque o desempenho político e eleitoral do PT paraibano destoa tanto do resto do país, especialmente em estados do Nordeste, onde o partido cresceu e, em muitos casos, se converteu em alternativa real de poder?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Para a imprensa serrista, Dilma cresceu nas pesquisas, mas...

Para alguns analistas políticos - os da “grande imprensa” e alguns da Paraíba que pensam como eles, - existe sempre um “mas” para cada crescimento de Dilma Roussef nas pesquisas. No começo, diziam que Roussef era, na realidade, um “boi de piranha” para desviar a atenção do verdadeiro candidato de Lula, que seria anunciado em data mais próxima da eleição, seguido da “avaliação” que o PT estaria em dificuldades para 2010 porque não teria “um outro Lula” para sucedê-lo.

Depois, que Dilma não tinha consistência como candidata, porque era desconhecida e nunca havia recebido um voto sequer. Posteriormente, argumentaram que, em razão do lento crescimento nas pesquisas, a candidatura de Dilma era inviável porque, apesar da grande popularidade do governo e do presidente Lula, no Brasil não se transfere votos, uma invencionice ou um chute que não leva em consideração nem fenômenos antigos nem os mais recentes de transferência de votos.

Exemplos? Vamos lá: Sarney para os governadores do PMDB, em 1986; Brizola para Lula, na eleição para presidente no segundo turno de 1989; Quércia para Luiz Antônio Fleury, no governo de São Paulo, em 1990; Maluf para Pitta, na prefeitura de São Paulo, em 1996; Antony Garotinho para Rosinha Garotinho, no governo do Rio de Janeiro em 2002; João Paulo, então prefeito de Recife para o desconhecido João da Costa, em 2008. Existe um exemplo do fenômeno da transferência de votos aqui bem pertinho de nós, na eleição para prefeitura de João Pessoa, em 1992. Naquela eleição, Lúcia Braga, sem cargo e com a candidatura impugnada, elegeu Chico Franca, um ilustre desconhecido, prefeito da capital.

Em todos esse casos, ou a liderança política determinou o voto no candidato indicado, caso de Brizola e Lúcia Braga, ou de gestões bem avaliadas por segmentos expressivos do eleitorado, que votou para que elas tivessem continuidade. Lula reúne as duas situações: é uma inquestionável liderança política de parte cada vez maior do eleitorado brasileiro, e faz uma gestão que conta com mais de 80% de aprovação, com impactos importantes na vida dos mais pobres, especialmente assalariados e famílias que viviam abaixo da linha da pobreza. Por qual motivo esse eleitorado trocaria o certo pelo duvidoso? Por qual motivo esse eleitorado deixaria de votar na candidata de Lula para votar no candidato de FHC, o algoz dos mais pobres e representante de uma classe rica e média que os despreza?

Disseram também que Dilma não tinha “jogo de cintura”, ou seja, não sabia negociar sua candidatura com as “raposas velhas” dos grandes partidos; que era antipática, como se Serra fosse uma simpatia só! Agora, diante do empate técnico verificado nas últimas pesquisas, o “mas” da vez é a candidatura de Ciro Gomes, que se torna cada vez mais insustentável.

Fernando Rodrigues, do UOL, por exemplo, consegue enxergar uma má notícia para Dilma depois do anúncio do resultado da pesquisa CNT-Sensus, que lhe confere 27,8% enquanto José Serra chega 32,6%: “A notícia ruim é que esse cenário só existe quando Ciro Gomes (PSB) está no páreo”, escreveu Rodrigues em seu blog no UOL (clique aqui). Vejam que o “analista”, incapaz de reconhecer um avanço que até agora foi constante, gradual e cada vez mais inapelável, prefere dar destaque a um outro dado da pesquisa: o de que o eleitorado de Ciro Gomes, diante de sua desistência, prefere majoritariamente José Serra.

Ora, o fato mais relevante a ser analisado não é esse, mas o crescimento de Dilma Roussef e a queda de José Serra. Se próprio eleitor de Serra migra cada vez mais para Dilma, na medida em que conhece mais a candidata e começa a se interessar mais pela eleição (estamos em 2010!), por que haveria o eleitor de Ciro Gomes, um crítico pertinaz e consistente do governo FHC e do próprio José Serra, de votar no candidato do PSDB?

Assim, o “mas” é sempre uma tábua de salvação para justificar um fato inquestionável: há 8 meses da eleição Dilma Roussef chega a um empate técnico contra um candidato que, há dois anos atrás, colocava de frente uma diferença de quase 34% - agora está em menos de 6%) e que já teve 46% dos votos, enquanto Dilma iniciou sua ascensão com 6%. É essa a tensão principal que essas pesquisas colocam sobre José Serra e seu séquito de “analistas” empregados na grande imprensa: o favoritismo do governador de São Paulo se esvai quanto mais a eleição se aproxima. E ainda falta a campanha! José Serra será candidato? Abandona a possibilidade de se reeleger para o governo de São Paulo para enfrentar uma disputa na qual ele tem tudo para perder?

Por fim, vale um último registro. Vejam que confusão são os dados das últimas pesquisas em relação ao desempenho de José Serra. A pesquisa CNT-Sensus foi divulgada depois que uma outra, da Vox Populi, anunciou na semana passada uma subida espetacular de 10 pontos percentuais de Dilma Roussef, e uma queda de José Serra de 5%, tudo acima da margem de erro, portanto. Pela pesquisa da Vox Populi, em apenas 1 mês Dilma reduziu a diferença em 15 pontos percentuais.

Assim, enquanto numa pesquisa registra uma queda de 5% (acima da margem de erro) de José Serra, noutra ele sobe 1,4%. Ora, se há alguma coisa a se levar em consideração em pesquisas há tanto tempo da eleição são as tendências, e não os números em si. Enquanto o Vox Populi registra uma tendência de queda de José Serra, o Sensus indica uma situação estável para o candidato tucano, mesmo que os números das duas pesquisas sejam próximos. Isso só mostra o quanto elas podem ser manipuladas.

Independente desse paradoxo, Dilma Roussef chega próximo do patamar dos 30% ainda no início do ano, um crescimento mais rápido do que imaginava os estrategistas do PT. Não é por outro motivo que o PMDB corre para antecipar sua convenção para tentar assegurar sua vaga de vice na chapa, provavelmente temendo que a força que Dilma demonstra ter cada mais nas pesquisas torne esse apoio menos imprescindível, e Lula resolva oferecê-la a Ciro Gomes.