segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A vitória de Cartaxo: além das contingências


A vitória de Luciano Cartaxo, do PT, promoverá importantes mudanças no quadro das disputas eleitorais do estado. A primeira delas é que o PT ascende à condição de força política com capacidade de interferir de maneira mais direta não apenas nos arranjos das composições políticas, mas nos rumos das disputas.

Até 2012, o PT foi um partido periférico na política paraibana, atuando e se mantendo na órbita dos partidos hegemônicos, fato que o levou a uma divisão interna permanente. O que dividiu o PT até o segundo turno de 2012 não foram divergências políticas de fundo, mas a acomodação dos seus vários grupos nas franjas do poder, ora do cassismo, ora do maranhismo, ora do ricardismo.

E essa situação tornou o PT paraibano um caso quase que único no Nordeste, onde a influência do “Lulismo” se apresenta de maneira mais consistente e numa região que, a cada eleição, demonstra desapego pelas lideranças tradicionais. Em 2010, muitas dessas lideranças foram derrotadas: Marco Maciel, em Pernambuco, Tasso Jereissati, no Ceará, o “carlismo”, na Bahia, todos eles pertencentes ao bloco nacional de oposição a Lula.

Na Paraíba, José Maranhão foi outra liderança que, mesmo pertencente ao bloco de apoio a Lula, foi engolida pelos ventos da ascensão de uma nova geração política, que, talvez, seja expressão de um novo tipo de eleitor. Parecer mais do que ser jovem na política consolida-se como um atributo definidor do voto, especialmente quando se tem como adversários representantes de outras gerações mais velhas. 

E em João Pessoa, nós tínhamos uma conformação no quadro de candidatos que ajudou muito a construção dessa polarização entre “jovens” e “velhos”. De um lado, Maranhão e Cícero Lucena representavam uma espécie de “tradicionalismo” político no estado. E Estela e Cartaxo, a “nova geração”, como se 2012 fosse uma continuação de 2010.

Por mais passível de questionamentos, essa divisão não é arbitrária em termos políticos . Não nesses casos, porque essa dicotomia não envolve questões ideológicas. Ela implica um novo discurso e uma nova maneira de fazer política, um desafiador esforço de entender uma mudança em pleno andamento. 

Tanto que Estela e Cartaxo só não disputaram o segundo turno porque a ascensão da candidata do PSB aconteceu de maneira tardia. Maranhão não agregou muito mais além do as pesquisas indicavam desde 2011, e Cícero Lucena, em especial, foi incapaz de ampliar sua votação, seja por razões pregressas, mas ainda bastante presentes na lembrança do eleitorado, mas, especialmente, por representar uma força política decadente no Nordeste. Quando Lucena foi para o segundo turno a eleição estava decidida antecipadamente.

E dessa mudança garacional que PSB e PT são os principais herdeiros no Nordeste, porque são eles os principais protagonistas dela. Foram de seus quadros que emergiram as principais lideranças na política nordestina nos últimos anos, que souberam expressar no discurso e na ação uma região prenhe de mudança. Eduardo Campos, Jacques Wagner, Marcelo Deda, Wellington Dias, Cid e Ciro Gomes, são nomes que representam essa nova geração de políticos nordestinos que protagonizaram esse amplo movimento de renovação política no Nordeste. 

Ricardo Coutinho foi capaz de traduzir esse sentimento em 2010, mas seu governo não é expressão dessa mudança, sendo, em muitos aspectos, conservador. Gostemos ou não, Luciano Cartaxo entra para esse seleto grupo de lideranças nordestinas, mas será só a partir de sua gestão na PMJP que será possível designar se esse projeto criará raízes e se expandirá para o resto do estado. RC está deixando a chance escapar. E Cartaxo?

Eu lembro desses fatores para não esquecermos que, além daqueles de ordem contingencial que marcam qualquer processo eleitoral, é no quadro dessas mudanças que devemos buscar explicações para vitórias eleitorais, tanto a de RC, em 2010, como a de Luciano Cartaxo, em 2012. 

No caso desse último, Cartaxo foi capaz de agregar à sua candidatura a boa avaliação da gestão de Luciano Agra e o anti-ricardismo difuso no eleitorado, mas principalmente, dos setores organizados na capital, especialmente nos servidores públicos. Mas, a sua vitória de Cartaxo vai além desses elementos conjunturais.

Quem não entender essas mudanças, que são da sociedade nordestina, será incapaz de traduzir em termos políticos o que acontece hoje na Paraíba e no Nordeste. 2010 já tinha dado o seu recado. 2012 não apenas confirmou, como expandiu os protagonistas dessa mudança, tirando de RC a primazia de sua liderança. E se ele não alterar os rumos do seu governo, pode pagar caro por isso. 

O PT tem sua chance. Vamos ver se o partido aproveita.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Uma história, uma homenagem, uma propaganda: o Rancho da Picanha abre hoje suas portas


Anderson Medeiros, em Viena, fazendo o que ele sabe e gosta de fazer

A postagem de hoje é uma homenagem aos jovens brasileiros que saem do Brasil numa aventura em busca de oportunidades. E uma propaganda aberta de um negócio que se inicia hoje e que merece ser sucesso. Eu vou contar primeiro a história dessa homenagem, depois eu faço a propaganda.

Anderson Medeiros, que é meu amigo e primo de minha esposa, saiu de João Pessoa e foi para Miami, nos Estados Unidos, em 1996, há 17 anos, portanto. Queria trabalhar e, se possível, construir uma nova vida. Acreditava no “sonho americano” de que o trabalho conduz à riqueza. Depois de várias experiências, foi parar na churrascaria O Porcão, que levou para os americanos a experiência brasileira de comer até se empanturrar nos rodízios de carne.

No Porcão, Anderson aprendeu a preparar uma bela picanha, mas também as variadas maneiras como os americanos apreciam uma carne. Tanto que americanos se aperceberam  e compraram o passe do paraibano para o trabalho na churrascaria Texas-Brasil. O domínio desse negócio logo rendeu uma nova oportunidade e Medeiros foi parar na Carolina do Norte para ajudar a abrir uma outra churrascaria, a Chamas, que pertence a brasileiros de Goiás.

Foi na Carolina do Norte que Anderson conheceu europeus interessados em abrir churrascarias-rodízio na Europa. E, depois de uma rápida passagem pelo Brasil, Anderson Medeiros foi para a Europa para iniciar um novo tipo de trabalho: consultor e administrador de churrascarias, em que ele concebia e produzia projetos, acompanhava a construção e gerenciava esses empreendimentos até que eles ganhassem vida própria.

Com isso, deixou suas marcas por toda a Europa: na Holanda, onde ajudou no estabelecimento da churrascaria Rodízio; na Itália, concebeu o projeto da churrascaria Gaúchos; na Eslováquia, a Leblon; em Londres, a Rodízio Ricco¸e, por fim, em Viena, a churrascaria Scenário. Talvez, Anderson Medeiros estivesse ainda perambulando pela Europa não fosse o continente tragado pela crise que corrói hoje as bases da riqueza e da estabilidade política e econômica do Velho Mundo.

Picanha na chapa com acompanhamentos. V ale a pena conferir.
Anderson voltou para o Brasil e aqui pretende colocar todo o conhecimento e experiência adquiridos nesses últimos 17 anos, agora num negócio de sua própria iniciativa. Por isso, nasce hoje a churrascaria Rancho da Picanha, onde Medeiros pretende servir uma variedade de cortes, especialmente de picanha, que dá nome ao estabelecimento, todos preparados na chapa e com acompanhamentos e molhos que Anderson aprendeu por onde passou “nesse mundão de meu Deus”, como ele gosta de repetir.

Eu, que já tive a oportunidade de provar muitos deles nos churrascos que frequentei nas últimas semanas, recomendo aos meus amigos uma visita ao Rancho da Picanha. E faço isso pela qualidade do serviço, mas também em homenagem a todos os brasileiros que saem de nosso país em busca de novas oportunidades e, se são trazem riqueza quando voltam, trazem experiência e conhecimentos para conosco compartilhar.

O Rancho da Picanha abre hoje suas portas, a partir da 17 horas. Ele vai funcionar no Bessa Shopping. Anderson Medeiros espera todos de braços abertos. Eu já reservei minha mesa.

O Rancho da Picanha abre hoje, a partir da 17 horas. Ele fica no Bessa Shopping (entrada do Bessa pelo Carrefour)

domingo, 21 de outubro de 2012

Luciano Cartaxo, um homem de sorte

Luciano Cartaxo teve não apenas os braços, mas o prestígio e a votação erguidos pelo outro Luciano, o Agra. Nonato Bandeira, à esquerda, cuidou do resto.

Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de hoje (21.10.2012)

Eu costumo dizer que quando as circunstâncias conspiram a seu favor você é um indivíduo de “sorte”. Nicolau Maquiavel, o criador da filosofia política moderna, tinha uma outra maneira para designar esses acontecimentos fortuitos: fortuna, que equivale à sorte do governante ou do político. 

Entretanto, o político não pode depender apenas da sorte para conquistar e manter o poder. Ele precisa ter também virtù, que são as qualidades, as habilidades para lidar com situações difíceis e sair vitorioso delas.

Inquestionavelmente, o fato mais relevante e, diga-se de passagem, mais imprevisível para quem projetasse o futuro da disputa de 2012 em João Pessoa, imediatamente após a vitória de Ricardo Coutinho para o governo, e o resultado que hoje se prenuncia, foi a desastrada atuação administrativa e política de Coutinho no governo. 

Já fizemos referência às dificuldades administrativas do “gerentão” RC, especialmente na Capital, o que fez minguar o prestígio político do governador no seu principal e único reduto eleitoral. Quem imaginaria, em 2010, que o principal adversário de RC, dois anos depois, seria o seu principal aliado, Luciano Agra? No campo da política, a atuação do governador foi outro desastre. 

Provavelmente contando com a docilidade e fidelidade caninas de Luciano Agra, RC quis “cortar as asas” daqueles que ensaiavam rebeldia e começavam a contestar sua autoridade dentro do “coletivo” ricardista (Nonato Bandeira, Roseana Meira, Bira e Alexandre Urquiza). Primeiro, gerou dúvidas sobre a viabilidade eleitoral de Agra e, em seguida, pressionou para que ele renunciasse à sua candidatura à reeleição. 

Agra cedeu no início, mas eram claras as manifestações de descontentamento dos aliados mais próximos. Especialmente da secretária Roseane Meira, que divergia publicamente, especialmente do nome de Estelizabel Bezerra, que foi lançado quase que imediatamente à renuncia de Agra, dando a entender que essa ação já estava planejada antes. Havia um outro sinal de tensão nas hostes ricardistas: a manutenção da candidatura de Nonato Bandeira, a até então “eminência parda”, o estrategista e homem de confiança de RC.

No PPS, Bandeira estava resguardado das garras de RC. Agra, no PSB, não. E as relações no ricardismo foram se tornando tensas na medida em que ficava claro que o prefeito se recusava a comer de bom grado o prato feito a ele apresentado pelo governador. E a cada vez que Agra desistia de sua “desistência”, o confronto parecia cada vez mais inevitável. 

Nesse ínterim, Nonato Bandeira mexia os pauzinhos e uma inusitada aproximação com o PT começou a se desenhar. Enquanto o partido de Lula amansava o discurso, Agra começou a confrontar o antigo senhor dos seus desejos publicamente. A estratégia estava em andamento. Luciano Agra era agora a principal vítima de RC, mas também seu principal antagonista na capital. 

José Maranhão e Cícero Lucena acabavam de perder a hegemonia do discurso oposicionista e Agra juntava dois atributos que o tornaria praticamente imbatível: uma administração bem avaliada e de oposição ao impopular governador.

Quando Luciano Agra se apresentou no cadafalso da convenção do PSB para ser derrotado, estava definitivamente ratificado o racha. RC cometera a asneira de entregar uma prefeitura do porte da de João Pessoa nas mãos da oposição, provavelmente para não dividir poder em suas hostes. 

Não demorou muito para o prefeito anunciar sua desfiliação do partido do governador e o seu novo candidato a prefeito. Luciano Cartaxo, cuja intenção inicial era apenas se projetar durante a disputa para alçar novos voos no futuro, acabava de ganhar de presente uma máquina administrativa poderosa e azeitada para fazer campanha, que compensava em muito a mudança repentina do discurso oposicionista. 

Luciano Cartaxo viu as circunstâncias conspirarem a seu favor, pois é inquestionável que sem as decisões de Agra e Nonato Bandeira seu destino tenderia a ser outro. Cartaxo tem a fortuna a seu lado. Resta saber se ele tem virtù para no futuro não depender tanto da sorte.

domingo, 14 de outubro de 2012

PARA ENTENDER O JULGAMENTO DO “MENSALÃO”

Por Fábio Konder Comparato, via Conversaafiada.com.br

Ao se encerrar o processo penal de maior repercussão pública dos últimos anos, é preciso dele tirar as necessárias conclusões ético-políticas.

Comecemos por focalizar aquilo que representa o nervo central da vida humana em sociedade, ou seja, o poder.

No Brasil, a esfera do poder sempre se apresentou dividida em dois níveis, um oficial e outro não-oficial, sendo o último encoberto pelo primeiro.

O nível oficial de poder aparece com destaque, e é exibido a todos como prova de nosso avanço político. A Constituição, por exemplo, declara solenemente que todo poder emana do povo. Quem meditar, porém, nem que seja um instante, sobre a realidade brasileira, percebe claramente que o povo é, e sempre foi, mero figurante no teatro político. 

Ainda no escalão oficial, e com grande visibilidade, atuam os órgãos clássicos do Estado: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e outros órgãos auxiliares. Finalmente, completando esse nível oficial de poder e com a mesma visibilidade, há o conjunto de todos aqueles que militam nos partidos políticos.

Para a opinião pública e os observadores menos atentos, todo o poder político concentra-se aí.

É preciso uma boa acuidade visual para enxergar, por trás dessa fachada brilhante, um segundo nível de poder, que na realidade quase sempre suplanta o primeiro. É o grupo formado pelo grande empresariado: financeiro, industrial, comercial, de serviços e do agronegócio.

No exercício desse poder dominante (embora sempre oculto), o grande empresariado conta com alguns aliados históricos, como a corporação militar e a classe média superior. Esta, aliás, tem cada vez mais sua visão de mundo moldada pela televisão, o rádio e a grande imprensa, os quais estão, desde há muito, sob o controle de um oligopólio empresarial. Ora, a opinião – autêntica ou fabricada – da classe média conservadora sempre influenciou poderosamente a mentalidade da grande maioria dos membros do nosso Poder Judiciário.

Tentemos, agora, compreender o rumoroso caso do “mensalão”.

Ele nasceu, alimentou-se e chegou ao auge exclusivamente no nível do poder político oficial. A maioria absoluta dos réus integrava o mesmo partido político; por sinal, aquele que está no poder federal há quase dez anos. Esse partido surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio.

Os grandes empresários permaneceram aparentemente alheios ao debate do “mensalão”, embora fazendo força nos bastidores para uma condenação exemplar de todos os acusados. Essa manobra tática, como em tantas outras ocasiões, teve por objetivo desviar a atenção geral sobre a Grande Corrupção da máquina estatal, por eles, empresários, mantida constantemente em atividade magistralmente desde Pedro Álvares Cabral.

Quanto à classe média conservadora, cujas opiniões influenciam grandemente os magistrados, não foi preciso grande esforço dos meios de comunicação de massa para nela suscitar a fúria punitiva dos políticos corruptos,  e para saudar o relator do processo do “mensalão” como herói nacional. É que os integrantes dessa classe, muito embora nem sempre procedam de modo honesto em suas relações com as autoridades – bastando citar a compra de facilidades na obtenção de licenças de toda sorte, com ou sem despachante; ou a não-declaração de rendimentos ao Fisco –, sempre esteve convencida de que a desonestidade pecuniária dos políticos é muito pior para o povo do que a exploração empresarial dos trabalhadores e dos consumidores.

E o Judiciário nisso tudo?

Sabe-se, tradicionalmente, que nesta terra somente são condenados os 3 Ps: pretos, pobres e prostitutas. Agora, ao que parece, estas últimas (sobretudo na high society) passaram a ser substituídas pelos políticos, de modo a conservar o mesmo sistema de letra inicial.

Pouco se indaga, porém, sobre a razão pela qual um “mensalão” anterior ao do PT, e que serviu de inspiração para este, orquestrado em outro partido político (por coincidência, seu atual opositor ferrenho), ainda não tenha sido julgado, nem parece que irá sê-lo às vésperas das próximas eleições. Da mesma forma, não causou comoção, à época, o fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivesse sido publicamente acusado de haver comprado a aprovação da sua reeleição no Congresso por emenda constitucional, e a digna Procuradoria-Geral da República permanecesse muda e queda.

Tampouco houve o menor esboço de revolta popular diante da criminosa façanha de privatização de empresas estatais, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. As poucas ações intentadas contra esse gravíssimo atentado ao patrimônio nacional, em particular a ação popular visando a anular a venda da Vale do Rio Doce na bacia das almas, jamais chegaram a ser julgadas definitivamente pelo Poder Judiciário.

Mas aí vem a pergunta indiscreta: – E os grandes empresários? Bem, estes parecem merecer especial desvelo por parte dos magistrados. 

Ainda recentemente, a condenação em primeira instância por vários crimes econômicos de um desses privilegiados, provocou o imediato afastamento do Chefe da Polícia Federal, e a concessão de habeas-corpus diretamente pelo presidente do Supremo Tribunal, saltando por cima de todas as instâncias intermediárias.

Estranho também, para dizer o mínimo, o caso do ex-presidente Fernando Collor. Seu impeachment foi decidido por “atentado à dignidade do cargo” (entenda-se, a organização de uma empresa de corrupção pelo seu fac-totum, Paulo Cezar Farias). Alguns “contribuintes” para a caixinha presidencial, entrevistados na televisão, declararam candidamente terem sido constrangidos a pagar, para obter decisões governamentais que estimavam lícitas, em seu favor. E o Supremo Tribunal Federal, aí sim, chamado a decidir, não vislumbrou crime algum no episódio.

Vou mais além. Alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao votarem no processo do “mensalão”, declararam que os crimes aí denunciados eram “gravíssimos”. Ora, os mesmos Ministros que assim se pronunciaram, chamados a votar no processo da lei de anistia, não consideraram como dotados da mesma gravidade os crimes de terrorismo praticados pelos agentes da repressão, durante o regime empresarial-militar: a saber, a sistemática tortura de presos políticos, muitas vezes até à morte, ou a execução sumária de opositores ao regime, com o esquartejamento e a ocultação dos cadáveres.

Com efeito, ao julgar em abril de 2010 a ação intentada pelo Conselho Federal da OAB, para que fosse reinterpretada, à luz da nova Constituição e do sistema internacional de direitos humanos, a lei de anistia de 1979, o mesmo Supremo Tribunal, por ampla maioria, decidiu que fora válido aquele apagamento dos crimes de terrorismo de Estado, estabelecido como condição para que a corporação militar abrisse mão do poder supremo. O severíssimo relator do “mensalão”, alegando doença, não compareceu às duas sessões de julgamento. 

Pois bem, foi preciso, para vergonha nossa, que alguns meses depois a Corte Interamericana de Direitos Humanos reabrisse a discussão sobre a matéria, e julgasse insustentável essa decisão do nosso mais alto tribunal.

Na verdade, o que poucos entendem – mesmo no meio jurídico – é que o julgamento de casos com importante componente político ou religioso não se faz por meio do puro silogismo jurídico tradicional: a interpretação das normas jurídicas pertinentes ao caso, como premissa maior; o exame dos fatos, como premissa menor, seguindo logicamente a conclusão.

O procedimento mental costuma ser bem outro. De imediato, em casos que tais, salvo raras e honrosas exceções, os juízes fazem interiormente um pré-julgamento, em função de sua mentalidade própria ou visão de mundo; vale dizer, de suas preferências valorativas, crenças, opiniões, ou até mesmo preconceitos. É só num segundo momento, por razões de protocolo, que entra em jogo o raciocínio jurídico-formal. E aí, quando se trata de um colegiado julgador, a discussão do caso pelos seus integrantes costuma assumir toda a confusão de um diálogo de surdos.

Foi o que sucedeu no julgamento do “mensalão”.

domingo, 7 de outubro de 2012

O “NOVO”, DE NOVO?

O "novo" na política: farsa e tragédia


Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de hoje (07.10.2012) 

Estou com uma forte de sensação de déjà vu, aquela expressão francesa que indica uma falsa sensação de familiaridade no presente com fatos ocorridos no passado. É como se tudo estivesse novamente acontecendo. 

Nem bem João Pessoa saiu de uma disputa eleitoral em que um dos candidatos fez do “novo” um poderoso mote de campanha e que, vencida a eleição, revelou-se uma farsa no governo, a cidade vê esse discurso ser retomado como se fosse uma grande novidade. Aqui, é inevitável a lembrança de uma célebre frase de Karl Marx, segundo quem a história só se repete duas vezes: uma como farsa, outra como tragédia.

Em 2010, embebidos pelo fetiche do “novo”, como se este tivesse qualidades superiores por si só, o eleitorado paraibano embarcou numa aventura sem observar para que caminhos ela nos levava. E as ilusões da novidade se dissiparam com a mesma rapidez com que foi construída. 

Uma das características do atual Governador da Paraíba, e que marcam poderosamente o seu governo, é negar suas ideias e aquilo que se imaginava ser seus princípios. Ricardo Coutinho é oriundo do sindicalismo da área da saúde, cuja marca sempre foi a defesa e o fortalecimento do SUS. 

Não só isso. Ele era um ferrenho crítico do “neoliberalismo” e da “privatização do Estado”. Pois bem. Nem bem assumiu o governo, e para espanto geral, uma das suas primeiras ações foi transferir para iniciativa privada a administração do estratégico Hospital de Traumas da capital, e depois de toda rede hospitalar estadual. 

Defensor da “republicanização do Estado”, foi dele a iniciativa de repassar para um dos maiores empresários da Paraíba um valiosíssimo terreno, sem dar a mesma oportunidade a outros empresários que tinham o mesmo interesse. Negócio entre amigos? Quer coisa menos republicana do que isso? 

Além disso, não reconheceu a eleição de diversos diretores de escolas eleitos e tratou com spray de pimenta os estudantes que protestavam contra esse ato. De aliadas, passou a tratar como inimigas diversas categorias de servidores que esperavam um tratamento à altura das promessas e das suas próprias expectativas. Eis o “novo” prometido, pulsante, real, verdadeiro. Eis a farsa.

Em 2012, a promessa do “novo” para João Pessoa volta com todo o gás, num esforço de repetição histórica, como se o povo não aprendesse com seus próprios erros, como se a memória, mesmo a de curto prazo, fosse tão volúvel quanto a trajetória desse candidato.  

E o novo parece ser bem modernoso. Engomadinho em paletós bem cortados, cabelos bem penteados, discurso previsível e “equilibrado”, só falta fazer exercícios em frente às câmeras, como apreciava um ex-presidente, também um “jovem”, cassado por corrupção. 

Só que o novo de 2012, assim como o de 2010, não é tão novo assim. Tem 20 anos de vida pública, assim como o último, de quem inclusive foi líder na Câmara Municipal. Adaptável como tudo que é “novo” nesse início de século pós-moderno, e esteve em todos os lados, como um camaleão que se encaixa na paisagem e se torna imperceptível. 

Suas opiniões são expressão de um mundo em transformação e, como tal, mudam também com incrível rapidez. De crítico incisivo, que tachou de corrupta a atual administração, quer agora dar-lhe continuidade. Raul Seixas diria ser ele uma “memorfose ambulante”. Estamos prestes a ver a farsa se transformar em tragédia? Espero que não.

Por isso, estou farto de tanta “novidade”. Deixem-me com a previsibilidade dos princípios e da experiência, ancorada numa trajetória que me dá segurança de que não serei enganado. É disso que eu preciso hoje.

Em tempo: Existe mais um elo a ligar o "novo" de 2010 ao "novo" de 2012. Ele atende pelo nome de Nonato Bandeira, que foi o homem forte e principal estrategista da campanha e do governo de RC, agora ocupando o mesmo espaço com os Lucianos. É atribuída a ele a até então nunca vista perseguição a muitos jornalistas que não votaram em RC em 2010, inclusive com pedidos públicos de suas cabeça pela Primeira Dama do estado, Pâmela Bório. Muitos deles perderam seus empregos devido à contumaz genunflexão dos empresários da comunicação da Paraíba aos caprichos do poder. E eis que Nonato volta, com todo o gás, e tudo se perde nesse mundo de novidades, e tudo se esquece, nesse mundo presentista e sem memória.

sábado, 6 de outubro de 2012

Porque decidi votar em José Maranhão II



José Maranhão é um político de outra geração. Isso, na política atual, que parece uma obviedade, tem um significado muito particular, especialmente quando comparamos a geração nascida e formada politicamente antes de 1964 com aquela do pós-Golpe Militar, ou seja, daqueles que entraram na política pós-1985, e a qual pertence todos os outros candidatos a prefeito de João Pessoa.

A geração pós-golpe é a geração proveniente de um hiato, um hiato de 21 anos de ditadura, portanto, de uma geração de referências políticas moldadas no autoritarismo que impediu o livre debate de ideias sobre os grandes temas do Brasil, especialmente a questão agrária e a dependência . Já a geração pré-64 é a geração do pós-Segunda Guerra, do nacionalismo, numa conjuntura que não poderia ser outra coisa a não ser de esquerda, do desenvolvimentismo, da Petrobrás, que desaguou no grande debate nacional sobre a necessidade das “reformas de base”.

Essa geração que entrou para a política no imediato pós-64 é a geração do Brasil urbano e industrial, da nova classe média e da nova classe operária, da moderna agricultura do “agronegócio” e do pleno desenvolvimento do capitalismo no campo, e a geração da modernização conservadora, que já nasce em plena era televisiva, na qual o marketing é o expoente máximo. É a geração que vai assistir o desenrolar final da crise e do fim da União Soviética e da Guerra Fria, sendo, portanto, a geração do “fim da história” e da plena hegemonia do militarismo norte-americano, cujo sintoma intelectual mais sensível e o da crise do marxismo. É a geração que vive o nascimento da hegemonia neoliberal e do pensamento único, e de uma esquerda em crise de identidade e de paradigma. Essa é a geração de Cícero Lucena, de Estela Bezerra e de Luciano Cartaxo.

A geração que entrou para a política no imediato pós-Segunda Guerra é a geração de um Brasil que começava seu impulso de industrialização e de urbanização. É a geração que viveu intensamente o debate sobre a necessidade da reforma agrária e de uma industrialização de bases nacionais, cuja campanha do Petróleo é Nosso, que mobilizou a juventude da época, é expressão máxima. É a geração do rádio e do comício, onde a palavra, e não a imagem, era mais importante. É a geração da expansão soviética e da Guerra-Fria, do embate mundial entre dois sistemas socioeconômicos (capitalismo X socialismo), da Revolução Chinesa, da Guerra do Vietnã e, particularmente, da Revolução Cubana, do nacionalismo e do imperialismo, das Ligas Camponesas. É a geração da maior efervescência política e cultural que o Brasil já viveu. Essa é a geração de José Maranhão.

E José Maranhão foi formado politicamente nesse período e foi vitima de suas opções. Filiado ao PTB varguista, José Maranhão se considera um nacionalista e um desenvolvimentista, e por isso foi cassado pelos militares. José Maranhão tinha um lado nesse embate de proporções históricas para o Brasil que aconteceu na década de 1964. Filiado ao MDB, único partido de oposição ao regime, Maranhão foi cassado pelo AI-5, em 1969, e ficou sem direitos políticos até 1979, com a Lei da Anistia, e manteve sua filiação ao MDB, agora PMDB. É dessa trajetória que provem a amizade com Antônio Mariz, político que a Paraíba sempre reverenciou e da qual resultou na escolha de Maranhão para seu candidato a vice-governador, 1994.

Por que a referência geracional para justificar uma escolha eleitoral? A resposta nós podemos encontrar nos candidatos a prefeito de João Pessoa e em seus vai-e-vens políticos e ideológicos. Num ambiente cuja marca é a completa ausência de coerência com suas posições anteriores e com sua trajetória, pela opção por um pragmatismo sem limites quando se trata de projetos e alianças, José Maranhão é aquele candidato que, por sua experiência e por sua trajetória, nos transmite maior confiança e consistência.

Por isso, amanhã, meu voto é José Maranhão.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

PORQUE DECIDI VOTAR EM JOSÉ MARANHÃO I


Eu poderia começar esboçando uma justificativa fazendo menção aos motivos pelos quais não voto nos outros candidatos a prefeito de João Pessoa. Mas, não, não vou fazer isso. Eu perderia muito tempo e sobraria menos espaço para tratar de expor as razões que me levaram a optar pela candidatura José Maranhão nessa eleição de 2012.

José Maranhão é o candidato mais consistente. A consistência de um político deve ser buscada não apenas nos seus discursos ou nas suas propostas. Mais do que isso, esse atributo deve ser medido pelas suas ideias mais gerais a respeito da Paraíba e do Brasil. É isso que orienta – ou deveria orientar – a prática política.

Nesse sentido, José Maranhão, com erros e acertos, foi capaz de expressar isso em suas administrações, por exemplo, no governo do estado. Para não me alongar muito, eu cito apenas um exemplo. A visão estratégica no enfrentamento da problemática da água para consumo humano e para as atividades econômicas.

Alguém tem dúvida que, afora as questões de ordem estruturais (econômica e social), esse vem a ser o grande e principal dilema da Paraíba? Com o adensamento populacional crescente nos centos urbanos e uma agricultura frágil para cumprir o seu papel econômico e social, o problema não apenas da ampliação da capacidade de acumular água em açudes e barragens, mas também da ampliação do acesso através da distribuição, tornam-se questões estratégicas.

Por isso, uma das ações estruturantes de maior relevância dos governos de José Maranhão vem a ser o que ele chamou de “Plano das águas”, um grande projeto de construção de novos reservatórios, associado à construção de adutoras para distribuir a água acumulada para regiões com déficit hídrico. Esse grande projeto promoveu grandes impactos na melhoria das condições de vida e de desenvolvimento econômico da Paraíba.

Vejam o caso de Patos, uma cidade com mais de 100 mil habitantes, incrustada em pleno semiárido paraibano. Enquanto as águas do açude de Coremas escorriam para o Rio Grande do Norte ou se perdiam pela evaporação, Patos padecia ano após ano em racionamentos de água cada vez mais prolongados. Foi a construção da adutora Patos-Coremas que salvou a capital do Sertão, literalmente, viabilizando tanto água para o consumo humano quanto para atividades econômicas.

E tantos outros exemplos de barragens e adutoras espalhadas por todo o estado e cujo impacto socioeconômico só será medido com exatidão no futuro, a exemplo de outra “transposição” de águas para irrigar as várzeas de Sousa, o chamado Canal da Redenção, um canal adutor de 37 Km, com túneis, sifões e galeria que visavam irrigar mais de 5.000 ha, o que poderia ter tornado aquela região num polo de fruticultura irrigada. Interrompido no governo de Cássio Cunha Lima, que o desfigurou por completo, não apenas ao impedir sua continuidade, como ao alterar substancialmente a lógica econômica do projeto, transferindo lotes de terra para grandes proprietários, especialmente grandes empresários do ramo da fruticultura, ao invés de priorizar os pequenos produtores.

Esse exemplo mostra tanto a visão “desenvolvimentista” que José Maranhão sempre tentou empreender em seus governos, como mostram – apesar de muitos acharem, erroneamente, que não existem – diferenças fundamentais entre dois importante políticos paraibanos, um deles aliado do atual governador, cuja consistência de ideias não resistiu a três meses de governo.

Num ambiente político marcado pelo excesso de pragmatismo e de desprezo pelo debate de ideias, onde o que menos importa são as alianças políticas – quem pode afirmar com convicção que o que o candidato do PT diz hoje sobre Ricardo Coutinho será mantido daqui a um ano? – José Maranhão tem a sua trajetória para demonstrar sua consistência como político e como pessoa. E isso, para mim, é um traço fundamental para minha escolha.
Depois eu volto para tratar da história e da trajetória de José Maranhão.