terça-feira, 30 de junho de 2015

A história se repetirá como farsa no Brasil?

Os invisíveis para o desenvolvimento econômico brasileiro: quem se importa com eles?
A hora é essa: petistas, socialistas, comunistas, a esquerda em geral, democratas e todos aqueles que lutam e lutaram sempre por igualdade social e soberania nacional esquecerem suas diferenças e se preocuparem com o momento decisivo que o Brasil vive.

Como alertou, ontem, Joaquim Palhares, do site Carta Maior, a “história apertou o passo” e diante de um confronto que parece cada vez mais inevitável e cujas consequências todos nós conhecemos, trata-se agora de “escolher um dos lados e tomar posição para o combate”.

Quando todos nos encontrarmos lá na frente, nós que nos colocaremos do lado de cá dessa trincheira histórica, será a hora de resolvermos nossas “pendências, críticas, autocríticas, repactuações, concessões e escolhas estratégicas que vão modelar o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.” Espero que na vitória e não sob os escombros de mais uma derrota histórica.

Para os donos do Brasil, o país não pode mudar no essencial

A direita brasileira nem longe descansará enquanto não extirpar do governo todo traço que represente qualquer veleidade igualitária, por mais tímida que seja.

Ela não aceitará qualquer alinhamento estratégico do país que não tenha a chancela americana e corrobore seus interesses.

Que ninguém se engane porque é isso que sempre esteve em jogo: que modelo de desenvolvimento queremos para o país? Dito de outra forma, desenvolvimento para quê e para quem?

Essa foi a pergunta que sempre ressoou em todos os momentos históricos em que o país se defrontou depois de sua modernização industrial e cuja origem sempre esteve na raiz de todos os nossos reais conflitos políticos, desde 1950.

A resposta a essa questão-chave definiu sempre os lados na política nacional e opôs aqueles que, empurrados ou não pela dinâmica dos conflitos sociais engendrados pelas formas perversas que assumiram o desenvolvimento brasileiro, se perfilaram para o combate.

Em um dos países que mais cresceram economicamente no século XX como o Brasil, vivenciar a miséria, a fome, os baixos salários, a concentração da renda e da terra, os péssimos serviços públicos, especialmente aqueles destinados aos mais pobres – tudo isso convivendo ao lado da riqueza mais abastada – sempre foi expressivo o suficiente para nos fazer compreender que esse tipo de desenvolvimento econômico e social não nos interessava, pelo menos não interessava à maioria empobrecida que sempre viveu à margem da imensa riqueza produzida.

E a quem sempre pensou em um desenvolvimento nacional autônomo.

O conservadorismo de nossa “elite econômica” é uma permanência histórica. Parece ser algo endógeno, “naturalizado”, nascido de sua formação colonial.

Parece ser próprio de quem é rico no Brasil, mesmo que esse “novo rico” tenha saído da pobreza (vejam os casos dos nossos jogadores de futebol, que passam a pensar e agir como “rico brasileiro”, no seu individualismo doentio, assim que assinam seu primeiro contrato milionário). Vejam os Ronaldos e Neymares da vida.

A começar pela burguesia industrial que sempre foi incapaz de se pensar no mundo sem assumir um papel associado, secundário, auxiliar, subsidiário dos interesses dos grandes impérios.

E de um latifúndio, modernizado agora como “agronegócio”, cujo papel histórico na política e na economia foi sempre barrar qualquer avanço social que colocasse em risco a posse de suas imensas propriedades e seus negócios com os mercados externos.

E uma classe média, que foi se tornando numerosa quanto mais a industrialização brasileira avançava, mesmo que diversa política, intelectual e culturalmente, perfilou-se sempre em sua ampla maioria ao lado desse conservadorismo rançoso dessas elites econômicas, hoje comandada por banqueiros e empreiteiros.

Sempre aberta ao envenenamento ideológico dos donos do oligopólio midiático-conservador, a mais legítima expressão ideológica dessas elites econômicas.

Os donos da informação no Brasil sempre foram parte integrante desse condomínio reacionário, que tem como partícipe a onipresença americana em nossa história – dessa vez não será preciso esperar 50 anos para termos a comprovação factual do envolvimento direto nos EUA, como aconteceu com o golpe de 1964; o Wikileaks já antecipou que a ingerência americana permanece e como sempre conta com sabotadores internos de alta plumagem na política e na imprensa.

De volta ao passado

Ontem (29/06), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, essa indefectível criatura que representa tão bem esses tempos de falso moralismo, anunciou a intenção de aprovar o parlamentarismo.

Como eu registrei ontem no Facebook, Dilma deve estar vivenciando uma irremediável sensação de déjà vu – aquela expressão francesa que nomeia uma estranha sensação de familiaridade com fatos do presente, como se já os tivéssemos vivenciado.

Em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros à Presidência e da ascensão de João Goulart ao cargo, como estava previsto constitucionalmente, a saída para que a UDN – o PSDB de hoje – evitasse o retorno do Varguismo ao poder foi aprovar às pressas o parlamentarismo no Brasil.

Essa foi a primeira ação golpista, um golpe parlamentar urdido nos gabinetes da reação com pleno apoio das mesmas famílias que continuam dominando a imprensa no Brasil de hoje.

Depois que o povo derrotou em plebiscito a proposta, o golpe militar virou a alternativa número um para afastar os trabalhistas do poder.

Uma diferença importante entre as circunstâncias históricas dos anos 1960 e a atual é que, há 50 anos, em plena guerra fria e numa América Latina envolvida pelo ambiente da Revolução Cubana, a radicalidade política tinha um fundo ideológico evidente e o governo de João Goulart abraçava o propósito de fazer as chamadas reformas estruturais que a esquerda reclamava no Brasil há muito.

Hoje, o PT, com Lula e Dilma, nem sequer ousaram até agora enfrentar esses dilemas estruturais que, a rigor, continuam os mesmos. Mas, mesmo assim, recebem encarniçada oposição.

Não sei se é burrice ou cegueira histórica, mas certamente essa turma não leva a sério o adágio de Karl Marx segundo o qual história só se repete duas vezes, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”

A tragédia já se realizou nos 21 anos de ditadura militar. A farsa estamos vivenciando, faltando apenas os militares que estão fora da cena política em todo o continente.

Depois da farsa que representou para Marx a tentativa de repetição do bonapartismo na França, com a ascensão, em 1851, de Lu´s Bonaparte, sobrinho de Napoleão, que eleito presidente golpeou a República para logo depois se tornar Imperador, veio a Comuna de Paris, que foi o primeiro movimento operário de inspiração socialista a tomar o poder.

Como nesses tempos de “globalização”, ao que parece, não cabem milicos com veleidades nacionalistas, o golpe será dado por dentro das instituições, como, aliás, já acontece faz tempo sem uma reação à altura nem de Lula nem de Dilma.

Até que o povo reaja, como aconteceu em 1961.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

LUCIANO CARTAXO (PT) VISITA ROMERO RODRIGUES (PSDB). E DAI?



Uma imagem vale por mil palavras também na política? Às vezes sim, às vezes não. Mas, em política, uma das maneiras de falar é o silêncio. Ou um ato. Ou uma imagem.

Quando o prefeito Luciano Cartaxo resolveu fazer, no último sábado, uma visita ao camarote da Prefeitura de Campina Grande no Parque do Povo, onde foi recebido por Romero Rodrigues e devidamente anunciado ao grande público, para em seguida a dupla fazer um périplo pelos camarotes, é de dar o que falar, não é mesmo?

Alguns dirão que se trata apenas de um ato de cortesia, de civilidade política. Que é sempre bom não misturar questões pessoais com política e não exigir tanto do prefeito petista quando o assunto for suas incursões na vida social. Quem sabe o prefeito petista queria apenas conhecer aquela bela festa? Quem sabe?

Se não for por isso, talvez seja adequado pensar que Cartaxo não dá lá muita importância ao que o líder de Romero Rodrigues, Cássio Cunha Lima, diz e faz no Congresso, sempre com grande destaque da mídia, desde que a Presidenta Dilma tomou posso para cumprir o seu segundo mandato presidencial – Cartaxo nem sequer deixou esfriar a repercussão da última visita que a trupe de senadores comandada por Aécio Neves, que Cássio compôs, fez à Venezuela para constranger o governo brasileiro, num ato da mais pura provocação e desmiolamento político.

Talvez Luciano Cartaxo não consiga ver relação entre sua condição de prefeito petista e a de Romero Rodrigues de prefeito tucano em um Brasil conflagrado pela radicalização política, onde os mais altos dirigentes petistas declaram que o objetivo tucano – e da mídia e seus parceiros – é destruir o PT e impedir a candidatura de Lula em 2018, mesmo que para isso tenham de prendê-lo.

Será que estamos diante de mais um caso de autismo político? Como eu não costumo subestimar a sagacidade política de ninguém, especialmente de alguém que se elegeu prefeito da maior cidade do estado, nem a capacidade de ler e ver a realidade – mesmo que seja ao seu modo, – vou considerar que Cartaxo quis mandar um recado.

A visita de Luciano Cartaxo ao Parque do Povo foi antecedida por um aumento da pressão política, proporcionada pelas visitas e inaugurações de obras do governo do estado em João Pessoa, levando muita gente a crer que estavam diante de mais um capítulo da esgarçada aliança entre PT e PSB na Paraíba.

Talvez – é bom ressaltar: talvez – haja na iniciativa de Luciano Cartaxo um recado que insinua a possibilidade de que, sem o PSB, outras alianças podem dar suporte ao projeto político do prefeito, que é se reeleger abrigado numa chapa puro-sangue.

Se for isso mesmo, o recado de Cartaxo funciona não como um antídoto, mas um estímulo, e mesmo uma justificativa, para o rompimento de uma aliança que, se não deu frutos eleitorais para o PT, em 2014, ajudou a transformar o governador Ricardo Coutinho na principal liderança a defender a presidenta Dilma e a denunciar o golpe branco, parlamentar, que está em pleno andamento.

Enquanto o PSDB e determinados seguimentos da política paraibana fazem pesada oposição a RC, a principal liderança do PT no estado se desloca da capital para participar de uma festa promovida por uma administração tucana, cujo prefeito é primo do líder da oposição no Senado e homem de confiança da principal liderança oposicionista no Brasil, hoje.

Nesses tempos sombrios em que vivemos na política nacional, que podem resultar em perigosas rupturas institucionais, é necessário não subestimar o significado de determinadas atitudes políticas. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

PMDB, JOÃO PESSOA, CAMPINA...

PMDB sela apoio a RC, em 2014. Acordo temporário ou aliança duradoura?
A ida do deputado federal Manoel Jr. à convenção estadual do PSDB causou um certo frisson naqueles que imaginam (ou torcem) para que o peemedebista se consolide como candidato e uma alternativa em João Pessoa tanto ao PT quanto ao PSB.
Manoel Jr. se esforça por estabelecer sua candidatura como um fato consumado, mas ele mais do que ninguém sabe que muita água vai rolar até que seja batido o martelo a respeito de qual vai ser mesmo o destino do PMDB, não apenas em 2016, mas em 2018.
Por enquanto, José Maranhão estimula uma candidatura própria em João Pessoa, o que dá esperanças a Manoel Jr., ao PSDB e a setores da imprensa interessados no racha do bloco partidário vitorioso em 2014 na Paraíba.
Não apenas Maranhão sabe que é muito cedo para definir qualquer objetivo quando ainda resta tanto tempo para se tomar um decisão, especialmente porque tanto o PMDB continua dividido como o quadro ainda está bastante indefinido nas duas principais cidade do estado quando o assunto é eleição de 2016.
A aliança PT-PSB será mantida? O PSB lançará candidato? Quem? Veneziano disputará a prefeitura de Campina? A resposta a essas questões definirá o destino do PMDB daqui a um ano.
O amadurecimento desse quadro irá nos revelando a verdade sobre os motivos para que cada ator político esconda o jogo sobre seus objetivos para o próximo ano.
Só há uma decisão tomada e anunciada: a de que Luciano Cartaxo será candidato à reeleição. Como ele não responde com clareza se concorda com a indicação do PSB para a vaga de vice-prefeito em sua chapa, tudo se mantém indefinido e os socialistas que defendem lançamento de candidatura animam cada vez mais, enquanto o clima pró-rompimento com o PT se consolida.
Caso isso se efetive, o PMDB será tratado como a noiva da eleição, com grande probabilidade de vir a compor com o PSB, com quem mantém relações cada vez mais próximas em nível estadual.
Há indefinição também no caso de Campina Grande. Se Cartaxo pode trabalhar com tranquilidade sem temer que o PT não lhe ofereça legenda para concorrer no próximo ano, o mesmo não acontece em Campina, quando Romero Rodrigues, por mais que afirme o contrário, convive com sérias dúvidas a respeito de seu projeto de reeleição. Quando setembro passar, bem como o prazo de mudança partidária, um capítulo dessa novela terá se concluído, mas teremos de esperar pela conclusão do enredo final, quando será batido o martelo e confirmada ou não a candidatura tucana na cidade.
Essa indefinição deixa em suspenso o lançamento da candidatura de Veneziano Vital do Rego em Campina, apesar de que isso possa estar vinculado ao receio de antecipar o anúncio e deixar o “cabeludo” a mercê dos ataques adversários, como aconteceu em 2014.
Veneziano também deve observar com atenção os movimentos do outro lado, esperando para ver se enfrentará Romero Rodrigues ou algum Cunha Lima.
Essa definição é estratégica, mas é possível que Veneziano se arrisque numa empreitada que provavelmente deságue na retomada do seu caminho para disputar, talvez em 2022 ou 23, o governo do estrado.
Todas essas injunções ajudarão a definir a estratégia de cada força política para o próximo ano, especialmente do PMDB.

Se fosse obrigado a antecipar qualquer posição, eu consideraria bastante improvável que o PMDB mantenha a disposição de lançar candidatura própria em João Pessoa, no próximo ano. O partido tem mais a perder do que a ganhar com isso.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Pamela X Indaiá - ou quando os papéis se invertem



Para algumas patroas, essa é a posição em que suas
empregadas deveriam ser mantidas
O caso de agressão que envolveu a babá Indaiá Moreira e a ex-primeira-dama da Paraíba, Pâmela Bório, é muito didático para mostrar pelo menos duas coisas: a persistência da típica mentalidade senhorial/colonial que ainda nos assombra em pleno século XXI, e o quanto parte da imprensa, na sua ânsia de atingir o governador, se esforça por deslocar o foco do verdadeiro debate que o caso enseja, procurando transformar a vítima em algoz.

Na noite desta quarta-feira, 03, no início da madrugada, a Delegacia de Crimes Contra a Pessoa da Capital recebeu a visita da babá Indaiá Moreira, de 47 anos. Indaiá estava lá para registrar uma agressão.

Segundo consta no Termo de Declaração onde relata a ocorrência, por volta das 22h30 da terça, dia 2, sua patroa invadiu seu quarto para exigir que a mesma fosse embora para que não contaminasse com a virose que a deixara de cama nem a ela nem a seu filho, de quem Indaiá cuidava.

Como era tarde e como estava doente, Indaiá apelou para ficar e não foi embora. Como ela também relata que já tinha se comprometido a deixar a residência da patroa no dia seguinte, é presumível que a discussão tenha começado antes, em outro cômodo do luxuoso apartamento em que mora a patroa na praia do Cabo Branco.

Mesmo assim, a patroa quis porque quis que ela dali se retirasse.

Sempre segundo o que consta no TD, diante de nova recusa, a patroa de Indaiá tentou retirá-la à força do apartamento, agredindo-a com socos, chutes e unhadas, que lhe feriram o rosto e o braço.

Depois de tentar atirar os dois celulares da vítima pela janela, além da bolsa pela porta da cozinha, Indaiá foi atacada com uma faca por Pâmela Bório, cujas investidas, ainda que impedidas pelo irmão da patroa que presenciava a discussão, forçaram a babá finalmente pegar o elevador e chegar a salvo no térreo do prédio, de onde ligou para o governador Ricardo Coutinho, que lhe enviou apoio.

Do local, Indaiá dirigiu à delegacia onde registou o ocorrido. A delegada que ouviu a babá solicitou a realização de exame de corpo de delito, quando ficaram constatadas “escoriações lineares no braço direito” e no dorso. Os documentos foram divulgados por sites pessoenses.

Boletins de Ocorrência sobre o mesmo caso. Inversão de papéis 24 horas depois


Pâmela, de agressora a vitima

Vinte e quatro horas depois de denunciada como autora da agressão, Pâmela Bório denunciou Indaiá como agressora. No dia 4, o blog de Helder Moura, que publicou o caso em primeira mão, relatou assim o ocorrido:

“O caso trata de uma tentativa de agressão envolvendo Pâmela e a babá, identificada por Indaiá. Segundo a ex-primeira-dama, a babá vinha apresentando-se como doente e quando ela pediu que ela voltasse para sua casa, para se tratar, Indaiá teria partido para a agressão física, dizendo que não iria e que só receberia ordens do pai da criança, referindo-se ao governador Ricardo Coutinho.”

Notem que pelo relato da ex-primeira dama, não apenas os papéis se invertem, como um novo personagem aparece na história: o governador Ricardo Coutinho. A inverossímil versão de Pâmela Bório, construída um dia depois dos acontecimentos, quando a babá já havia registrado a ocorrência, só se sustenta e ganha adeptos quando a figura quase onipresente de RC aparece para lhe oferecer ares de vítima nessa sórdida história, que repisa, como veremos, relações de poder históricas entre patroa e empregada – ou entre as sinhás da aristocracia colonial e suas “negrinhas” escravas.

O que impressiona é que alguns jornalistas já compram a história de Pâmela Bório, relegando a babá e a agressão por ela sofrida a um mero detalhe nisso tudo, e ajudam a converter a vítima em agressora, e vice-versa.

Violência contra empregadas domesticas: uma questão tristemente atual

No Brasil, o que é mais comum: patroas agredirem empregadas domésticas ou o contrário?

Não consegui dados oficiais para medir essa forma de violência, mas uma simples pesquisa no Google no permite ter uma dimensão do problema e o quanto ele é mais recorrente do que gostaríamos que fosse nos ambientes privados brasileiros. 

A resposta à questão acima deve ser buscada, em primeiro lugar, considerando a importância dessa modalidade de trabalho, que é quase exclusivamente feminina (93,6% segundo a última PNAD Contínua) e predominantemente negra (61%), e a baixa qualificação dessa mão de obra (menos de 15% tem segundo grau completo).

Em segundo lugar e, sobretudo, na história. Não vou me alongar muito nessa abordagem, apenas citarei uma das mais conhecidas passagens de Casa-Grande e senzala, de Gilberto Freyre, sobre as violências cometidas pelas Sinhás contra suas escravas:

“Não são dois nem três casos de crueldade de senhoras de engenho contra escravos inermes. Sinhás-­moças que mandavam arrancar os olhos de mucamas bonitas e trazê-los à presença dos maridos, à hora da sobremesa, dentro da compoteira de doce e boiando em sangue ainda fresco. Baronesas já de idade que por ciúme ou despeito mandavam vender mulatinhas de quinze anos a velhos libertinos; ou mandava-lhes cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar a cara ou as orelhas.” (pp 392­393).

Como acentuou Freyre, não foram dois nem três casos de violências horripilantes perpetradas por senhoras de família de firmes convicções cristãs contra escravas das quais se consideravam donas.

Era a vingança motivada em geral pela inveja ou só por ciúme. Era a mentalidade da “dona” sobre a “coisa”, sobre o “instrumentum vocale” como definiam os romanos na antiguidade, aquele que se diferia do animal apenas porque falava.

Babás e empregadas sem nome 

O acidente aéreo envolvendo a família de Luciano Hulk e a abordagem da imprensa ao relatá-lo mostra bem o quanto ainda persiste essa lógica coisificada quando o assunto é trabalhadora doméstica.

A duas babás, tão presentes no avião quanto o piloto e a família do apresentador global, só foram citadas como um número, passageiras a mais daquele drama que quase lhes tirou a vida.

Mesmo quando o assunto foi o atendimento em hospital do SUS, para o qual todos os passageiros do voo, do qual elas poderiam fazer um juízo mais adequado, elas sequer opinaram.

E na matéria produzida pelo jornal O Globo sobre o acidente, todos os envolvidos tinham nomes (Luciano Hulk, Angélica, os filhos Benício, Joaquim e Eva, o piloto Otomar Fratini, o co-piloto José Flávio de Sousa), menos as duas moças que cuidavam das crianças, identificadas apenas como “duas babás”, pessoas (?) sem rostos, sem nomes, sem histórias.

Quem acha que essa mentalidade desapareceu por completo mais de um século depois que a escravidão foi abolida no Brasil tem uma visão no mínimo ingênua sobre o nosso país e a cultura senhorial que ainda permeia boa parte da nossa elite econômica.

Mais uma vez, a internet serve como instrumento para mapear esse preconceito doentio de pessoas incapazes de lavar um prato ou varrer uma sala. No twitter, foi criado um perfil cujo nome é “A minha empregada”.

Lá são postados os comentários que muitos twitteiros escrevem e publicam para o mundo tomar conhecimento do desprezo que nutem pelas pessoas que cuidam de suas casas e, às vezes, até dos seus filhos. Vejam alguns exemplos, se você tiver estômago (@aminhaempregada):

“the key tem cheiro de perfume de empregada velha”;

“O ódio q eu tô depois da empregada ter jogado minha comida da semana fora... Tnc e a fdp não fez outra”

“A filha da puta da empregada saiu e nem arrumou meu quarto filha da puta”

“A puta da minha empregada sumiu com a minha blusa branca que eu tanto amava”

“Vou mudar essa senha do Wi-Fi e ela vai se fuder, filha da puta. Agora tenho que ficar usando 3G por causa daquela piranha”
“que ódio da empregada!!! essa vaca falta e eu q tenho q limpar essa casa”

“preciso compra umas ropinha mais top , só tenho roupa de favelada , umas de faxineira e outras que tão furada\rasgada”

“Minha mãe só arruma faxineira esquisita. Quando n é uma favelada q fica me chamando de ‘colega’ o dia todo é velha carente que fica de papo”

“Tô igual empregada hoje de rasteirinha e trança pior que favelada”

“EU VOU MATAR A PESTE DA EMPREGADA PUTA MERDA”