(*) Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de 02.12.2012
Numa entrevista que se transformou em livro (Seca e Poder, Fundação Perseu Abramo, 1998), Celso Furtado é novamente chamado a tratar da seca, um tema que sempre lhe foi caro durante sua trajetória intelectual de economista interessado no desenvolvimento regional e de fundador da Sudene.
Numa entrevista que se transformou em livro (Seca e Poder, Fundação Perseu Abramo, 1998), Celso Furtado é novamente chamado a tratar da seca, um tema que sempre lhe foi caro durante sua trajetória intelectual de economista interessado no desenvolvimento regional e de fundador da Sudene.
Era o ano de 1998, governo de Fernando Henrique Cardoso, e
o Nordeste “padecia”, como gostam de repetir muitos nordestinos no seu hábito
de autocomiseração, mais uma seca. Mais do que do governo, Celso Furtado
imputou responsabilidade à “classe política nordestina”, que, segundo ele,
sempre se recusou a formular uma política para o enfrentamento dos efeitos
econômicos e sociais da seca, daí a persistência deles, tão cíclica quanto a própria
seca.
E esses impactos estão associados à
estrutura socioeconômica do Semiárido nordestino, que pouco mudou nesses mais
de 50 anos depois da criação da Sudene. As formas de propriedade da terra, por
exemplo, permanecem intocadas, bem como a inexistência de mecanismo de
distribuição da renda, o que pode explicar por que o Semiárido nordestino concentra
parcela significativa dos pobres brasileiros.
Não apenas isso. Pouco se fez
para adaptar as práticas econômicas às condições ecológicas daquele espaço. Acumulou-se
muita água, mas o desafio continua sendo distribui-la, situação que se agrava
com o adensamento populacional nos centros urbanos, que demandam cada vez mais
água para o consumo humano e para as atividades econômicas – é importante não
esquecer que, diferentemente de outras regiões semiáridas, nós temos a região
mais povoada do mundo, o que agrava ainda mais os impactos da seca.
No campo, o drama é ainda maior. O
uso da irrigação é um luxo para poucos, o que torna a agricultura sujeita de
maneira quase que permanente às condições climáticas. Se não chove, o desastre
é certo. Na pecuária, a opção pela criação do gado bovino, uma tradição que nos
acompanha desde os primeiros anos da colonização do Semiárido nordestino, ajuda
ainda mais a agravar o problema no enfrentamento dos efeitos da seca.
Enquanto
que, por exemplo, para cabras e ovelhas são necessários 6 litros per capita por
dia para dessedentar esses animais, uma vaca chega a consumir quase 10 vezes
mais (53 litros). Além disso, o gado bovino é muito pouco resistente à seca e
alimentá-lo, para pelo menos mantê-lo vivo, é um desafio difícil de ser
enfrentado, daí o alto índice de mortalidade desses animais durante períodos de
secas prolongadas.
Tudo isso indica que é existem alternativas para além da
pecuária bovina e que é necessário diversificar as atividades econômicas no
Semiárido. Enfim, o problema da seca é, como
Celso Furtado repetiu por mais de 50 anos, político.
Por que, enfim, a seca só
se apresenta como um problema quando ela está em plena vigência e os efeitos
dela são tão visíveis que é impossível não nota-los? Depois de superada a seca
atual, provavelmente a urgência se encerrará até que venha uma nova seca. E tudo recomeçará. Infelizmente, tem sido assim por décadas e décadas.
A existência do Bolsa
Família tem ajudado a impedir os saques a cidades e feiras, é verdade, uma prática que antes
era recorrente quando uma seca acontecia. Mas, isso não basta. É preciso criar uma
política de desenvolvimento que amplie e distribua a renda no Semiárido. E esse
é um desafio não apenas da sociedade nordestina: tem que ser encarada como um
problema nacional. E nisso, Celso Furtado continua atualíssimo.
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