Sob pressão das ruas, esse casamento continua? |
A presidenta Dilma Rousseff deixou a defensiva política,
onde a grande imprensa e a oposição desejavam que ela permanecesse, acuada pelas
grandes manifestações de rua que estouraram no Brasil nos últimos quinze dias,
e procura retomar a iniciativa, promovendo talvez uma importante guinada em seu
governo.
Dilma anunciou ontem que vai propor uma Constituinte,
exclusiva para produzir uma reforma política, bem como outros pontos que falam
diretamente aos manifestantes nas ruas: nova legislação contra a corrupção, que
a considere “crime hediondo", mais rapidez na implantação da Lei de Acesso
à Informação, pacto de responsabilidade fiscal, mais de R$ 50 bilhões para
investimento em mobilidade urbana, criação do Conselho Nacional de Transporte
Público e, por fim, a defesa enfática da aplicação de 100% dos royalties do
petróleo em educação.
Com essas ações, Rousseff pretende usar a força desse
movimento para forçar sua base de apoio no Congresso a promover as mudanças que
há muito se buscam no Brasil, e que muitos esperam ver concretizadas desde que
Lula assumiu o governo, em 2003, mas que, em grande medida, continuam a ser obstadas
pelos partidos conservadores, que não apenas aceitam as benesses provenientes
do apoio político, mas tentam estabelecer a dinâmica e a direção da agenda
política do Congresso.
Mais do que à oposição, amplamente minoritária no Congresso,
Dilma dirige-se diretamente ao PMDB, ao PP, ao PRB, ao PR, ao PSD, partidos que
sempre resistiram em dar suporte para que o Brasil promovesse mudanças que,
mesmo limitadas, já representam um grande avanço para o país.
Portanto, talvez o estejamos a ver nascer é o começo de um rearranjo
de forças no congresso e na política nacional. Dilma, Lula e o PT já devem ter
percebido que o que foi ferido de morte no curso dessas manifestações foi a
aliança com parte do conservadorismo político brasileiro, que tem cobrado um
alto preço à história e à trajetória do PT nesses últimos dez anos e meio de
governo. Mantida essa aliança conservadora, o abismo entre o governo e as ruas,
cuja ponte só pode ser erguida com acenos concretos de mudança, o PT continuará
sitiado. E esse é o primeiro passo para um golpe, como já vimos acontecer em
anos recentes na América Latina.
E especialmente o casamento de conveniências entre PT e PMDB
deve começar a entrar em crise, exatamente porque esse é um dos motivos para a imobilidade
e acomodação do petismo no governo. O PT, incapaz de dar respostas às demandas
históricas da população e ao seu próprio projeto de país por conta de uma
aliança conservadora, preferiu afastar-se das ruas. Quebrado esse vínculo com
as ruas, o partido se viu desorientado, incapaz de dar uma resposta ao seu
próprio imobilismo diante das centenas de milhares de jovens que acorrem às
mobilizações.
Foi um reencontro forçado e doloroso, mas, ao que parece,
necessário. Havia um latente esgotamento do projeto que uniu PT e PMDB,
esgotamento que se aprofundava na medida em que as demandas históricas, que
explicaram e deram sentido à própria existência do PT, se acumulavam sem uma
resposta à altura durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. É essa resposta
que a presidenta tenta dar com as iniciativas de ontem. A importância
estratégica dada à reforma política se explica como um golpe que se destina a quebrar
a espinha dorsal dos partidos conservadores, mantida pelo financiamento privado
das grandes empresas e bancos.
Talvez seja essa a segunda consequência que as manifestações
produziram num curto espaço de tempo. A primeira foi o recuo quase que
simultâneos dos prefeitos nos aumentos dados no preço dos transportes públicos.
A segunda é o fim do imobilismo e da acomodação a que estava submetido o
governo petista em sua aliança com o conservadorismo.
Resta saber se o PMDB vai romper essa aliança ou finalmente
vai se render às necessidades históricas das mudanças.
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