Dirceu e Genoíno na hora da prisão: quem desejava vê-los tentando esconder seus rostos, a imagem que fica é de dignidade. O tempo, mais uma vez, será o senhor da razão para todos nós |
Passados alguns dias da decretação das prisões de José Dirceu
e José Genoíno e amenizadas as inquietações com o futuro de nossa justiça e de
nossa democracia, já me é possível registrar as primeiras impressões pós-julgamento,
que, segundo a grande mídia, foi o “maior da história”.
Talvez tenha sido mesmo. E por razões várias. Mas a
principal delas é que julgar e prender petista é fácil. Eu quero ver quando chegar
a vez, se chegar, do PSDB e do banqueiro Daniel Dantas, só para citar dois processos
de gente economicamente poderosa que dormitam empoeirados nas prateleiras do
STF.
A comoção da classe média e da mídia contra a corrupção
permanecerá a mesma? Eu duvido muito, e só bastará isso, e apenas isso, para comprovar
o caráter político desse julgamento do “mensalão”.
Ou de exceção, como preferiu Genoíno. Ou um ponto fora da
curva, como diriam os estatísticos ao analisar o histórico de decisões daquele imaculado
tribunal.
Só para lembrar um fato da história edificante de juízes
como Gilmar Mendes, um dos “varões de Plutarco”, como Mino Carta gosta de
designar com ironia esse paradigma de dignidade da nossa classe média.
Gilmar Mendes, duas caras, duas medidas: com uma, ele trata banqueiros, com a outra, petistas |
Mesmo com um vídeo gravado pela PF em que comprovava a
tentativa do banqueiro de corromper um policial pela bagatela de 1 milhão de
dólares! Gente assim não é pra ser julgada mesmo.
Um outro detalhe foi a preocupação obsessiva da mídia com José Genoíno
e, principalmente, José Dirceu. Não sei porque – isso é uma dúvida retórica –
eu fiquei com a sensação de que apenas os dois foram presos naquela fatídica
sexta-feira da Proclamação da República.
Foi como se todo aquele espetáculo jurídico-midiático dos
últimos meses tivesse sido preparado para ter como corolário a prisão dos dois,
especialmente Dirceu, o que deveria ter acontecido há um ano atrás, nas
vésperas das eleições de 2012, quando tudo fora meticulosa e apressadamente
preparado.
Mesmo com todo aquele espetáculo, o petista Fernando Haddad foi eleito prefeito da maior cidade do país.
Mesmo com todo aquele espetáculo, o petista Fernando Haddad foi eleito prefeito da maior cidade do país.
Pena que desta vez a Polícia Federal tenha se recusado a oferecer
carniça às hienas, e, ao invés de apresentar Dirceu e Genoíno algemados,
permitiu que os dois se entregassem com a dignidade que só suas histórias pessoais
poderia lhes conceder, de punhos cerrados, como a afirmarem para o mundo que continuavam
de pé.
E estão mesmo. Mais ainda porque os únicos que se
mobilizaram para recepciona-los na sede da PF, em São Paulo, foram apoiadores,
que não se sentiram nem um pouco constrangidos com a presença ostensiva da
mídia.
O “povo”, a quem se atribuía a pressão pela condenação dos “mensaleiros”,
pouco se comoveu com todo aquele espetáculo, especialmente porque ele sabe a
trajetória de quem acusa os petistas.
Muito pelo contrário – e isso pode dar o tom dos futuros
embates políticos no país, se Dilma Rousseff não se acovardar diante do poder midiático,
– havia disposição e, principalmente, indignação, expressão tão ao gosto dos “coxinhas”,
como ficou conhecida a classe média moralista e desinformada, consumidora e
propagadora de um rancor visceral contra Lula, seu governo e o PT.
Roxin: "Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado" |
A preocupação com Dirceu e Genoíno era tanta que só se aperceberam da fuga de Henrique Pizzolato para a Itália depois que ele não se apresentou à
PF.
E esse acontecimento tem uma relevância que pode trazer
preocupações adicionais para essa maioria do STF e para a imagem internacional
da nossa Justiça, já fortemente abalada por conta da desautorização de um dos criadores
da Teoria do Domínio do Fato, Claus Roxin, largamente utilizada para justificar
a condenação, sem provas, tanto de Genoíno quanto de Dirceu.
Veja como O Globo tratou dessa questão quando começou o julgamento, que sumiu do
noticiário após intensa polêmica jurídica:
“A
teoria do domínio do fato, uma das mais temidas fórmulas de responsabilização
criminal em processos com vários réus, serviu de referência a votos de
condenação proferidos nos últimos dias pelos ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Luiz
Fux no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF)
O próprio Roxin, consultado, desmoralizou a forma como estava sendo utilizada
essa teoria pelo STF, também uma “inovação” no nosso direito.
Segundo ele,
"Quem ocupa posição de
comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", e
que ”É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao
direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública. Clique aqui
Quem quiser ler mais sobre essa teoria e sua aplicação no julgamento
do mensalão clique aqui, aqui, e aqui.
Gandra e Lembo, conservadores que ajudaram a quebrar o "consenso" e ajudaram a desmascarar a farsa do julgamento do "mensalão". |
E quem acha que a opinião de que José Dirceu foi condenado sem provas é coisa de petista, leia as opiniões de juristas conservadores, como Ives Gandra (clique aqui) e Claudio Lembo (clique aqui), que, em razão de suas posições políticas, podem ser considerado isentos nesse debate. Para uma demolidora síntese dos trabalhos do Supremo antes e após a prisão dos réus, leia artigo de Inez Nassif aqui .
Pois bem. O julgamento na Itália de Henrique Pizzolato pode pôr a nu
essas manobras jurídicas que permitiram a condenação de réus sem as devidas
provas, o que significará uma desmoralização da Justiça brasileira.
Nessa questão, o que está em jogo não são as pessoas envolvidas apenas, mas as instituições da democracia brasileira. Se não é possível fechar os olhos para a disputa política, que pelo nenos se pense no nosso futuro como povo.
Dirceu e Genoíno, por outro lado, vão recorrer à OEA. Nesses tribunais internacionais, a influência
da grande imprensa brasileira não terá relevância e teremos julgamentos e
juízes mais isentos.
E, nesse caso, mais do que Dirceu e Genoíno, quem estará no banco dos réus
serão os juízes do STF, especialmente Joaquim Barbosa. Teremos, enfim, a
oportunidade de desvelar o caráter parcial e político desses juízes?
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