Não parece
inusitado que os últimos grandes personagens da política nacional, para certo
setor da sociedade, sejam juízes? Enquanto alguns políticos são, por assim
dizer, “aturados”, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e, mais recentemente, Sérgio
Moro, foram ou ainda são tratados como verdadeiros heróis nacionais. Esses
juízes pontuam como expressões de uma justiça que se move ao sabor da “opinião
pública” – ou “publicada”, na distinção célebre de Winston Churchill, e que
mais recentemente foi retomada pelo filósofo francês Michel Maffesoli .
É uma cadeia
alimentada por egos inflados por opiniões e ações sobre as quais já se conhece,
por razões obvias, o que pensam os grandes meios de comunicação. Nesses últimos
doze anos no Brasil, qualquer Juiz que tenha julgado ações com potencial para
criarem constrangimentos aos governos petistas foi alçado, pela ampla
exposição, à condição de celebridade nacional. Do outro lado, Juízes que não
seguiram essa cartilha foram transformados em persona non grata da República,
como o hoje Presidente do STF, Ricardo Lewandovsky.
Gilmar Mendes
Gilmar Mendes tem
uma trajetória suficientemente polêmica para precisar de apresentações. Ao
longo dos seus anos de STF protagonizou polêmicas públicas. Foi dele, por
exemplo, a decisão de conceder dois Habeas Corpus em menos de 24 horas ao
banqueiro Daniel Dantas depois que a Polícia Federal o prendeu por duas vezes
em um único dia. A exibição de um vídeo em que um enviado de Dantas tentou
subornar delegados da PF não foi suficiente para mantê-lo preso, o que
significa que Mendes não considerou isso uma clara tentativa do investigado
interferir no trabalho da polícia. Além de outras peripécias jurídicas ao longo
desses anos, Gilmar Mendes mantém há mais de um ano em seu poder, depois de
pedir vistas quando o julgamento já apresentava o placar de 6 x 1, uma Ação
Direta de
Inconstitucionalidade movida pela OAB contra doações empresariais a
candidatos e a partidos políticos, o que poria fim na prática ao financiamento
empresarial de campanha. Esse não seria o primeiro passo moralizador dessa
estranha cruzada que amplos setores do eleitorado de classe média fazem hoje contra
a corrupção? Mas, não. Esse fato nunca apareceu sequer em uma mísera faixa nas
últimas manifestações “contra a corrupção”. É como se o financiamento
empresarial de campanha não tivesse lá muito a ver com a corrupção. E o pior é
que todos conhecem a posição contrária de Mendes sobre o tema, que
coincidentemente é a mesma do PSDB. Segundo ele mesmo declarou recentemente, o
fim do financiamento empresarial de campanha representaria “uma encomenda de
laranjal”. Mesmo em isolada minoria entre seus pares do STF, Mendes impõe sua
vontade como se apenas ela devesse prevalecer. E o silêncio continua.
Sérgio Moro
Já o Juiz Sergio
Moro, um desconhecido até que a Operação Lava-Jato começasse a revelar o
potencial explosivo de suas investigações, é mais discreto que Gilmar Mendes,
mesmo que não rejeite condecorações midiáticas. Entronizado no panteão da
moralidade, que mais recentemente também abrigou Joaquim Barbosa, Moro pode
perder o imenso capital político que acumulou nos últimos meses em razão praticar
uma justiça que eu tenho chamado de “caolha”. Talvez a imagem mais adequada
para nossos juízes seja mesmo a da deusa Têmis que ergue a venda que lhe cobre
os olhos, deixando apenas um à mostra: aquele que olha apenas para um dos lados
da política nacional, o que faz com que a balança que segura nas mãos também
penda para um dos lados. Tudo começou com os vazamentos seletivos, prática que
se tornou tão corriqueira que num mesmo dia os jornais apresentavam mais de
uma. Durante muito tempo a sociedade brasileira pensou serem apenas petistas os
envolvidos nas investigações e nas delações premiadas, dado ser apenas contra
petistas que elas vazavam. Depois, ficamos sabendo que Moro estava rodeado de
delegados que durante a campanha eleitoral, segundo matéria publicada pelo jornal
O Estado de São Paulo, usaram as redes sociais para elogiar Aécio Neves,
candidato
do PSDB à Presidência, e atacar Lula e a presidenta Dilma Rousseff,
do PT.
Essas atitudes
poderiam ser reduzidas a questões de opinião e opção eleitoral que qualquer cidadão
tem o direito de tê-las não fosse o fato de que, só depois do processo ter sido
enviado ao Ministério Público Federal ficamos todos sabendo que não apenas
petistas foram citados nas delações premiadas, mas também graúdos tucanos. O
próprio Aécio Neves foi citado por Alberto Youssef num esquema de corrupção na
estatal de eletricidade Furnas. Segundo o doleiro, o tucano recebeu
mensalmente, de 1996 a 2002, entre 100 e 12o mil dólares de uma empresa que
prestava serviços à estatal. Além disso, também veio a público a informação que
o então presidente do PSDB, o ex Senador Sérgio Guerra, recebeu 10 milhões de
Reais de empreiteiras para inviabilizar a CPI da Petrobras, em 2010. O outro
membro tucano da CPI era Álvaro Dias.
Esse talvez seja o
maior problema de nossa jovem democracia: uma justiça que deixa rastros de
partidarização, atentando contra um dos seus princípios mais elementares e
universais que é a equidade jurídica. Mesmo quando se trata de um cidadão
comum, isso é uma temeridade porque o deixa aberto para as soluções autoritárias.
Quando se trata de um juiz, é de um poder que se trata. E todos nós temos que
acreditar na justiça como promotora da igualdade e da cidadania, sem a qual ela
se torna inócua, tornando justiça apenas para alguns.
* Coluna publicada no Jornal da Paraíba de 21/04/2015
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