No início do segundo ano do governo de Dilma Rousseff, existiu dentro do PT um grupo, não muito pequeno nem pouco influente, que desejou intensamente a volta de Lula à Presidência da República. E esse grupo de influentes lideranças partidárias e parlamentares se movimentou com discrição até ficar claro que Lula não apoiava essa iniciativa e desejava a reeleição de Rousseff. Só então o PT se unificou em apoio à reeleição da presidenta.
Agora, a situação é outra. Lula talvez tenha de encarar a responsabilidade histórica de voltar à cena política novamente como candidato, após as manifestações que ocuparam as ruas das principais cidades do país, em grande parte contestando a acomodação a que o governo Dilma, em sua composição política majoritariamente conservadora, converteu o seu governo e a política brasileira.
Política de aliança cujo artífice principal foi o próprio Lula, que soube construi-la para evitar o fracasso do seu governo e introduzir algumas mudanças
de relevância, como a reconstrução do Serviço Público Federal e do papel econômico
regulador do Estado no desenvolvimento econômico. Mas, como as mobilizações sociais
das últimas semanas pareceram demonstrar, o governo do PT precisa se reinventar
se quiser sobreviver no poder. E se reinventar com um novo programa para o Brasil, mais nitidamente
de esquerda.
Marina Silva se fortaleceu: Dilma que se cuide |
Marina Silva se projeta para ser a principal candidata de oposição
Não é possível afirmar com toda convicção que a reeleição de Dilma se
inviabilizou, porque o PSDB não foi capaz de capitalizar, como era previsível,
esse sentimento de mudança oriundo das ruas, a não ser aquele mais claramente
de direita que já votava nos tucanos e tem hoje no PSDB, especialmente depois da
campanha de José Serra de 2010, uma expressão partidária das reivindicações
mais conservadoras. Para os que foram às ruas orientados por um desejo genuíno
de mudança, acredito que a grande maioria, o PSDB expressa exatamente o
contrário do que elas almejam.
A candidatura de Eduardo Campos talvez tenha sido a que mais tenha sido
afetada pelas grandes manifestações. Incapaz de prever esse movimento, Campos
iniciou um namoro com lideranças de direita (Jorge Bornhausen, por exemplo) do Sul e do Sudeste. Em razão disso, não foi capaz de se diferenciar
nem do PT nem do PSDB, o que tornou sua candidatura insossa ideologicamente,
mas bem ao gosto da política contestada pelas manifestações. Campos tentou dar seguimento a esse padrão de fazer política e pode ter naufragado nas contestações a ele. Nesse novo
ambiente político de radicalização, provavelmente não haverá espaço para a
candidatura de Eduardo Campos, tanto que ele manteve-se no mesmo lugar na
última pesquisa para presidente divulgada no fim de semana.
Acredito que a maior consequência das manifestações no quadro da disputa
presidencial do próximo ano foi a afirmação da candidatura de Marina Silva,
como demonstrou a pesquisa Datafolha divulgada ontem. Em 2010, ela já
conseguira mobilizar um expressivo contingente de eleitores já insatisfeitos
com o governo do PT, mas que não se sentiam representados pelo PSDB. Tanto que
esse eleitorado votou majoritariamente em Dilma no segundo turno.
Marina Silva vinha mantendo um recall
nas pesquisas. Durante as manifestações, mesmo sem uma estrutura partidária
organizada e militante, a candidatura de Marina foi capaz de incorporar a
difusa insatisfação, principalmente entre os mais jovens, que não é apenas com
os governos, mas com a inexistência de canais de expressão dessas insatisfações
e com a inexistência de programas que distingam claramente os partidos em suas
alianças. Como é possível conviverem numa mesma aliança o PMDB, Paulo Maluf, o
PT e Lula? Qual mudança verdadeira está em curso que tem o apoio de lideranças nitidamente
conservadoras? Alianças desse tipo desdenham da capacidade de compreensão do
eleitor.
A candidatura de Marina capta esse sentimento e que pode – acho mesmo que vai – torna-la o principal nome da
oposição e uma antagonista com um perfil muito mais problemático para a
candidatura de Dilma Rousseff: é mulher, tem origem na esquerda, compôs como
ministra o governo Lula – portanto, não representa sua negação, – tendo saído
por “divergências”, e tem uma trajetória que, como Lula, expressa a ascensão
política e social dos mais pobres.
Notem que Marina Silva, percebendo a rejeição de parte expressiva dos eleitores
aos partidos, evitou denominar o seu como se fosse um, chamando-o de “Rede”,
uma menção mais do que explícita às “redes” de organização e comunicação dos
mais jovens através da internet. Ou seja, a candidatura de Marina Silva tem
condições de entrar no eleitorado lulista, abocanhando uma parte dele, caso
Dilma não se mostre capaz de encantá-lo com seu perfil “gerentocrático” que se
esgota, nem seja capaz de acenar com mudanças que esse eleitorado anseia.
Além disso, Marina também transita muito bem à direita. Não apenas por
ser evangélica, mas por abraçar discretamente as bandeiras das denominações
mais conservadoras (é contra o
aborto, a união civil entre homossexuais). A defesa que faz do ambientalismo, a principal característica do seu
partido, o Rede Sustentabilidade, conforma suas ligações internacionais,
especialmente por ser ela da “Amazônia” e desejar ser uma legítima
representante do ambientalismo militante, internacionalmente preocupado com os
destinos de nossa principal floresta. Ambientalismo é charme de esquerda com
compromissos com as grandes potências e corporações internacionais em razão dos
seus estreitos vínculos. Essa ligação ficou clara na gestão de Marina Silva no
Ministério do Meio Ambiente e as razões pelas quais ela se afastou do governo
Lula e do PT.
Dilma Rousseff pode voltar a ser favorita a ganhar as eleições do
próximo ano? Pode, mas nós não sabemos ainda o que vai prevalecer na disposição
do eleitor: se o espírito de mudança ou se a racional escolha pela manutenção
do atual modelo.
A volta de Lula?
Voltamos depois para tratarmos da talvez imprescindível volta de Lula.
Nenhum comentário:
Postar um comentário