segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Corrupção: a herança de Lula*

Capas da revista Veja: a grande imprensa tem partido?


(*) Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de 16.12.2012

Quando os historiadores começarem a se debruçar sobre esse período atual da história brasileira, já consolidados os resultados do que aqui produzimos como Estado e como sociedade, é provável que seja inevitável reconhecer o grande legado que deixará Lula para as gerações futuras. 

Entre outras coisas, especialmente nesses tempos de mensalão, será preciso destacar a contribuição que o governo Lula deu ao combate à corrupção no país. 

Foi Lula quem liberou, por exemplo, as amarras que prendiam antes a Polícia Federal, seja para investigar a corrupção do próprio governo, inclusive sem poupar membros ilustres dele, seja para investigar figuras consideradas antes intocáveis, como banqueiros, grandes empresários, corruptores e sonegadores de toda espécie. 

O mesmo STF que tenta hoje ser expressão desse sentimento de moralidade pública, dobrando-se às pressões da mídia, é o mesmo tribunal que já libertou banqueiros como Salvatore Cacciola e Daniel Dantas, presos pela PF, e dezenas e dezenas de corruptos de menor estirpe.

Não esqueçamos nunca que foi Lula quem também deu plena autonomia para o Procurador Geral da República. 

Quem investigou o mensalão e ofereceu a denúncia ao STF contra membros proeminentes do governo e do PT, mesmo com provas consideradas frágeis para os crimes para os quais são acusados? 

Em tempos não muito distantes, o Procurador dessa instituição cara à República ficou conhecido pela alcunha nada edificante de “engavetador geral da república” porque nunca deu seguimento às denúncias contra o governe de então. 

E as CPIs? Quantas funcionaram durante o governo Lula, inclusive a que deu origem à crise do “mensalão”? 

Enfim, nenhum governo em qualquer época foi investigado e teve suas vísceras expostas ao público como o governo Lula, seja pela PF, seja pelo Ministério Público, seja pelo Parlamento, seja pela grande imprensa. E Lula permaneceu e permanece ileso.

Aliás, a atuação da grande imprensa certamente receberá um capítulo especial pelos historiadores que no futuro estudarem o governo Lula. 

Aqueles que se deterem num esforço de comparação perceberão com facilidade duas posturas radicalmente distintas quando o assunto for investigação de governos.

Do silêncio constrangido entre 1995 e 2002, seja diante de toda sorte de práticas dilapidadoras do Estado, como as que resultaram na privatização de gigantescas e lucrativas empresas estatais, que deu um prejuízo de bilhões ao Estado, seja pela denúncia (comprovada) de compra de votos de parlamentares na aprovação do projeto de reeleição de FHC, à turbulenta atuação denuncista entre 2003 e 2012, que procura criar uma falsa sensação de crise política e institucional permanente.

Um caso emblemático recente é o que envolve a publicização de assuntos pessoais do ex-presidente Lula, que certamente deve lhe causar dor e constrangimento porque atinge sua companheira de quase uma vida inteira, Marisa Letícia. 

Pois bem. Essa mesma imprensa que expõe a vida particular de Lula e sua “suposta” amante é a mesma que, por oito anos, sequer fez menção, aliás, corretamente, ao filho fora do casamento que o ex-presidente FHC teve com uma jornalista, reconhecido só depois da conclusão do mandato presidencial, atitude, essa sim, eticamente questionável. 

Para encobrir o que seria um escândalo, a jornalista foi transferida para Londres, onde permanece até hoje com o filho. Diante de fato como esse, a pergunta se torna inevitável: e se fosse Lula?

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Por que os recursos do petróleo devem ser destinados à educação



O impasse gerado entre os chamados estados produtores e não produtores por conta da forma como os Royalties do petróleo recentemente encontrado na camada do Pré-Sal brasileiro serão distribuídos, pode abrir uma oportunidade histórica para o Brasil e os brasileiros finalmente empreenderem um caminho sólido para um desenvolvimento com mais igualdade social.

De olho exclusivamente no aumento de suas receitas e sem uma clara discussão sobre o que fazer com elas, governadores e prefeitos se engalfinham numa disputa que não leva em conta o futuro do Brasil como nação. Como sempre, o que prevalece é uma míope visão de curto prazo que, no máximo, se projeta para o horizonte do término dos seus mandatos.

De outro lado, a sociedade brasileira talvez não tenha calculado com clareza o tamanho da riqueza que ela tem em mãos depois da descoberta do Pré-Sal: são 100 bilhões de barris de petróleo! Em reservas que permitirão a exploração por mais de 70 anos. O Brasil, que já é autossuficiente, duplicará sua produção de petróleo e se colocará entre os 10 maiores produtores.

O problema é que essa riqueza acaba, como vai acabar um dia o petróleo árabe e toda as reservas do planeta. Se não investirmos essa riqueza de maneira acertada, pensando no presente e no futuro, uma riqueza que pode gerar mais de 8 trilhões de dólares e produzir uma arrecadação de quase 2 trilhões de dólares em 70 anos, pode ir pelo ralo do mau uso do dinheiro público, seja pela forma equivocada de utilizá-lo, seja pela corrupção.

Vejam o caso paradigmático do Rio de Janeiro, que é o maior produtor de petróleo do Brasil e é responsável, sozinho, por 74% da produção petrolífera do país. Macaé e Campos são duas cidades cariocas. Esses dois municípios tem em comum, além de pertencerem ao mesmo estado, o fato de serem duas grandes cidades produtoras de petróleo do Brasil. 

Mas não é só isso. Mesmo disponde dessa riqueza, tanto Campos como Macaé se posicionam em lugares vergonhosos no ranking do IDH* (Índice de Desenvolvimento Humano): enquanto Macaé fica na 806º, Campos, que vem a ser a maior produtora de petróleo do Brasil, ocupa o 1812º.

O que vem a ser um aparente paradoxo. Mas não é, especialmente quando se trata de petróleo e, mais ainda, quando se trata de Brasil. Países que são grandes produtores de petróleo, como Nigéria e Venezuela, por exemplo, entre outros, tem uma pobreza proporcional ao tamanho de suas reservas de petróleo, ou seja, esses países não tiraram proveito do imenso potencial dessa riqueza energética para transformá-la em qualidade de vida para os seus povos, e uma minoria, aliada às grandes petrolíferas internacionais, acabaram se apropriando dessa riqueza.

No Brasil, cuja natureza do seu desenvolvimento sempre foi enriquecer concentrando renda, não é nenhuma novidade constatarmos imensos hiatos entre riqueza e pobreza, que acabam sendo faces de uma mesma moeda. Aqui, como se costuma dizer, o bolo cresceu, mas as promessas de que um dia ele vai ser melhor distribuído é sempre adiada. 

Mesmo com Lula, que melhorou a distribuição de renda, especialmente por conta de uma maior participação dos salários na formação da riqueza nacional, a desigualdade social parece ser ainda um abismo intransponível.

Por conta disso, a sociedade brasileira não pode perder a oportunidade histórica que se abriu por conta do impasse entre estados da Federação. A solução encontrada pelo Governo Federal para superar o impasse é destinar os 100% dos royalties do petróleo extraído do Pré-Sal para a educação, o que significa dobrar os gastos nesse setor que, em sete anos, pode chegar a 215 bilhões de reais a mais e atingir a meta de investir 10% do PIB em educação.
Os países que mais investem em educação, como Islândia, Noruega e Suécia, respectivamente, destinam mais de 7% dos seus PIB. 

No caso do Brasil, que ainda precisa estruturar um sistema educacional público de qualidade, especialmente nos ensinos básico e médio, as demandas são imensas e a exigência de mais recursos também, o que envolve infraestrutura das escolas, formação e salários. O fato é que, em um país que em breve será a 5ª maior economia do mundo, é inaceitável, mesmo com as melhoras verificadas nos últimos anos, que ainda ostente índices de qualidade na educação tão precários.

Portanto, o desafio é que o Congresso aprove a proposta do governo que destina 100% dos royalties do petróleo para a educação. Não podemos perder essa oportunidade. Chegou a hora de pensar no futuro, na nossa juventude e no nosso país.

*O IDH é elaborado a partir de variáveis como renda, longevidade e acesso à educação. Considerando-se esses aspectos , chega-se a uma nota que vai de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 melhor é a qualidade de vida de um município, estado ou país. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Seca, poder e política*


(*) Artigo publicado originalmente no Jornal da Paraíba, na edição de 02.12.2012

Numa entrevista que se transformou em livro (Seca e Poder, Fundação Perseu Abramo, 1998), Celso Furtado é novamente chamado a tratar da seca, um tema que sempre lhe foi caro durante sua trajetória intelectual de economista interessado no desenvolvimento regional e de fundador da Sudene. 

Era o ano de 1998, governo de Fernando Henrique Cardoso, e o Nordeste “padecia”, como gostam de repetir muitos nordestinos no seu hábito de autocomiseração, mais uma seca. Mais do que do governo, Celso Furtado imputou responsabilidade à “classe política nordestina”, que, segundo ele, sempre se recusou a formular uma política para o enfrentamento dos efeitos econômicos e sociais da seca, daí a persistência deles, tão cíclica quanto a própria seca.

E esses impactos estão associados à estrutura socioeconômica do Semiárido nordestino, que pouco mudou nesses mais de 50 anos depois da criação da Sudene. As formas de propriedade da terra, por exemplo, permanecem intocadas, bem como a inexistência de mecanismo de distribuição da renda, o que pode explicar por que o Semiárido nordestino concentra parcela significativa dos pobres brasileiros. 

Não apenas isso. Pouco se fez para adaptar as práticas econômicas às condições ecológicas daquele espaço. Acumulou-se muita água, mas o desafio continua sendo distribui-la, situação que se agrava com o adensamento populacional nos centros urbanos, que demandam cada vez mais água para o consumo humano e para as atividades econômicas – é importante não esquecer que, diferentemente de outras regiões semiáridas, nós temos a região mais povoada do mundo, o que agrava ainda mais os impactos da seca.

No campo, o drama é ainda maior. O uso da irrigação é um luxo para poucos, o que torna a agricultura sujeita de maneira quase que permanente às condições climáticas. Se não chove, o desastre é certo. Na pecuária, a opção pela criação do gado bovino, uma tradição que nos acompanha desde os primeiros anos da colonização do Semiárido nordestino, ajuda ainda mais a agravar o problema no enfrentamento dos efeitos da seca. 

Enquanto que, por exemplo, para cabras e ovelhas são necessários 6 litros per capita por dia para dessedentar esses animais, uma vaca chega a consumir quase 10 vezes mais (53 litros). Além disso, o gado bovino é muito pouco resistente à seca e alimentá-lo, para pelo menos mantê-lo vivo, é um desafio difícil de ser enfrentado, daí o alto índice de mortalidade desses animais durante períodos de secas prolongadas. 

Tudo isso indica que é existem alternativas para além da pecuária bovina e que é necessário diversificar as atividades econômicas no Semiárido. Enfim, o problema da seca é, como Celso Furtado repetiu por mais de 50 anos, político. 

Por que, enfim, a seca só se apresenta como um problema quando ela está em plena vigência e os efeitos dela são tão visíveis que é impossível não nota-los? Depois de superada a seca atual, provavelmente a urgência se encerrará até que venha uma nova seca. E tudo recomeçará. Infelizmente, tem sido assim por décadas e décadas. 

A existência do Bolsa Família tem ajudado a impedir os saques a cidades e feiras, é verdade, uma prática que antes era recorrente quando uma seca acontecia. Mas, isso não basta. É preciso criar uma política de desenvolvimento que amplie e distribua a renda no Semiárido. E esse é um desafio não apenas da sociedade nordestina: tem que ser encarada como um problema nacional. E nisso, Celso Furtado continua atualíssimo.