quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

PT: UMA HISTÓRIA EM 3 ATOS

O Partido dos Trabalhadores completa hoje 30 anos de existência e três décadas parecem mais do que suficientes para justificar que façamos aqui um breve balanço da existência de um partido cujo objetivo, desde que nasceu, foi o de mudar o Brasil, objetivo que, ao longo dos anos, foi se alterando, seja quanto à maneira de promover essas mudanças seja quanto ao ritmo de como alcançá-las.

À frente do Governo Federal há 7 anos, e com a perspectiva cada vez mais real de permanecer por mais 4, o PT faz jus a um balanço desses anos, principalmente para não cairmos nos simplismismo de determinadas e, às vezes, apressadas análises sobre o futuro do partido. É nisso que vamos tentar contribuir com essa postagem que não vem a ser apenas uma homenagem, mas uma debruçar-se sobre a história do Brasil dos últimos 30 anos, que é, também, a história do Partido dos Trabalhadores, protagonista fundamental dessa história.


O Partido dos Trabalhadores nasceu nos estertores do Regime Militar de 1964 para ser uma alternativa às duas tradições mais expressivas da esquerda brasileira até então: o trabalhismo varguista-brizolista e o comunismo do “partidão” e do PCdoB, opção que não teve mero conteúdo tático, como se viu desde então.

O nascimento do PT: um partido de uma nova intelectualidade de esquerda e de uma nova geração de trabalhadores

Quando finalmente, em 1980, o PT formalizou sua existência como partido fez isso inevitavelmente expressando na sua formação uma sociedade que havia mudado em profundidade nos mais de 15 anos de modernização conservadora empreendida pela ditadura militar, que logrou, entre outras coisas, formar uma nova intelectualidade e um novo sindicalismo, que não deixava de ser expressão da nova classe média que emergiu com força nos anos 1970.

No que diz respeito a essa nova intelectualidade de esquerda, predominava em seu meio uma idéia difusa de um marxismo que foi se tornando cada vez mais acadêmico, “ocidental”, preocupada mais com as injunções de ordem “metodológica”, “epistemológica”, ou de “teoria pura”, como acentuou o historiador inglês Eric Hobsbawm, do que de ordem política, ou seja, estratégicas, de suas elaborações.

O intelectual petista no nascedouto do PT era, sem dúvida, de esquerda, mas sem vínculos orgânicos com os debates a respeito das definições estratégicas de partido, o que era ajudado pelo sentido explicitamente aberto do PT quanto à definição precisa a respeito da conteúdo dos seus objetivos.

Não é por outro motivo que o PT, apesar de sempre ter se afirmado como ”socialista” nunca avançou para definir o significado disso, a não ser para ressaltar o seu caráter “democrático”, que era mais uma maneira de diferenciação tanto com o stalinismo do PCdoB, como com a defesa do “socialismo real”, ou seja, da União Soviética, que fazia o “Partidão”.

O intelectual petista, diferentemente da intelectualidade que se filiara aos partidos comunistas em todo o mundo até os anos 1950 e parte dos anos 1960, tinha sua produção intelectual determinada mais pelos debates acadêmicos do que pelos debates partidários. Isso expressava uma manifestação tardia, como sempre acontece quando se trata de Brasil, de uma ruptura que começou na Europa com o fim da Segunda Guerra e se aprofundou nos anos 1950, depois da morte de Stálin, e que levou a uma crítica cada vez mais incisiva ao chamado “marxismo da III Internacional” por conta dos vínculos partidários que todo intelectual marxista deveria ter com seus respectivos partidos comunistas, e que deveria se exprimir em suas obras.

Os intelectuais petistas rejeitavam peremptoriamente essas idéias, o que permitiu que uma variedade enorme de pensamentos convivesse num mesmo partido sem se auto-excluir.

No âmbito do sindicalismo, especialmente o do ABC paulista, “berço do PT”, como se costuma dizer, a realidade mudara em profundidade depois de 15 anos de ditadura militar, seja porque a militância comunista fora quase que aniquilada pela violência do regime, seja porque uma nova e numerosa classe operária surgira, com pouca experiência política, mas sedenta de participar dos ganhos do capital. Junto com o operariado do ABC, também cresceram em termos numéricos categorias tradicionais (bancários, comerciários, motoristas de ônibus, servidores públicos) e outras que irromperam como filhas do amplo processo de desenvolvimento que o país viveu nos anos 1960 e 1970.

O velho peleguismo dos sindicalistas que dirigiram as entidades cooperando com os militares e com o empresariado não teve como manter o controle dos sindicatos exatamente no momento em que o “milagre econômico” começava a se desfazer, o que também se combinou, não por acaso, com a crescente mobilização pelo fim da ditadura militar.

Feita a transição para consolidar o modelo de modernização, restava uma saída negociada dos militares do poder, mais uma vez feita por cima, começando com a Lei da Anistia, de 1979, com o fim do bi-partidarismo que resultou em uma reorganização partidária, e terminou com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985.

O “novo sindicalismo” petista conquistou, ao lado dos outros agrupamentos de esquerda, estes com menor influência, uma por uma as cidadelas do peleguismo sindical, excluindo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, berço da Força Sindical, e começou a criar sindicatos onde não havia organização, especialmente entre os servidores públicos. Com a fundação da CUT, em 1983, o PT se consolida como a principal força do sindicalismo brasileiro, o que também ajuda a consolidar a posição política do PT.

Ato 1: A consolidação (1980-1988)

Na primeira metade da década de 1980, o PT tentou se consolidar como um partido de esquerda através de uma contundente retórica que beirava o ultra-esquerdismo, bem ao gosto das tendências trotskistas a ele filiadas desde a fundação. Essa retórica objetivava se contrapor aos comunistas pela esquerda, numa denúncia constante da política de alianças daqueles com o MDB e depois com o PMDB, partido a que os comunistas foram filiados até 1985.

Para o PCB e o PCdoB era necessária uma ampla unidade contra a ditadura, posição que o PT não acompanhava devido à sua rejeição a toda e qualquer alianças com os chamados "partidos burgueses". Tanto que a iniciativa de começar a campanha pelas Diretas, Já foi originalmente do PT, que começou a fazer comícios sozinho, posição que depois foi acompanhada pelo PMDB e pelos comunistas a partir de 1984, quando todos os partidos de oposição ao regime se uniram naquela memorável campanha.

Derrotada a campanha das Diretas, Já, inicia-se imediatamente o debate a respeito sobre da participação ou não dos partidos de oposição à ditadura nas disputas do Colégio Eleitoral. O PT se posicionou imediatamente contra a proposta, defendendo a continuidade da campanha pelas diretas, enquanto que os outros partidos se unificam em torno da candidatura de Tancredo Neves, pelo PMDB, que passou a ter o apoio da Frente Liberal, uma dissidência formada por lideranças políticas oriundas do PDS (ex-Arena), partido que dava sustentação à ditadura, entre elas Antônio Carlos Magalhães, Aureliano Chaves e José Sarney. Este último foi indicado candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo, tendo se filiado ao PMDB para concorrer, fechando a chamada "Aliança Democrática" que, vitoriosa, daria início à Nova República.

Enquanto a campanha de Tancredo Neves ganhava as ruas, o PT denunciava aquela aliança como legitimadora da ditadura. O PT manteve a posição e, mesmo correndo o risco de ser responsabilizado pela derrota de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e a conseqüente vitória de Paulo Maluf, o candidato do PDS e dos militares, manteve a posição, chegando mesmo a expulsar deputados federais, a exemplo de Airton Soares e Beth Mendes, por discordarem daquela orientação e votarem em Tancredo Neves, que mesmo assim saiu amplamente vitorioso.

Visto retrospectivamente, a política do PT claramente buscava torná-lo uma alternativa real e de massas à esquerda, mesmo que essa política o tenha isolado nos primeiros anos de fundação. O PT esperava que os partidos à direita e ao centro dessem mostras de que não tinham nada de novo a oferecer aos brasileiros, a não ser as velhas políticas que conduziram à concentração de renda e da propriedade no Brasil.

Lula, à época, provavelmente já sabia como se faziam as mudanças no Brasil, mas a aposta dele e do PT foi uma aposta no futuro. E nesse futuro, o PT cabia como alternativa, como se veria.

O que ficou claro durante o primeiro governo pós-ditadura, cuja presidência caiu no colo de José Sarney com a morte de Tancredo Neves antes mesmo do ex-governador de Minas tomar posse. O governo Sarney foi importante para consolidar a chamada “transição democrática”, liberando a organização partidária, restabelecendo as eleições diretas para prefeito das capitais e convocando uma Constituinte.

Durante os embates da Constituinte, amplamente hegemonizada pelo PMDB, verificou-se uma reorganização da direita, que manteve-se na defensiva desde a campanha das Diretas. Foi durante a Constituinte que se viu uma verdadeira “reação conservadora” da direita, quando, em oposição às propostas da esquerda vitoriosas no primeiro turno das votações, articulou-se o chamado “Centrão”, um agrupamento suprapartidário organizado pelo empresariado para barrar propostas históricas que beneficiavam os trabalhadores e que acabou se impondo nas votações em segundo turno.

Lula participou ativamente dos debates, quando obteve nota 10 como defensor dos direitos dos trabalhadores, ao lado de todos os parlamentares petistas, comunistas, pedetistas e mesmo alguns do PMDB – da Paraíba, infelizmente, só Antônio Mariz e Lúcia Braga passaram na prova da Constituinte com a nota máxima.

Nesse ambiente, as disputas entre petistas e comunistas se acirravam cada vez mais, e um palco privilegiado desse embate foi o movimento estudantil, especialmente o universitário, do qual o autor dessas linhas foi militante ativo como filiado ao PCdoB à época. E o movimento estudantil certamente pode ser um espaço importante para a compreensão dos confrontos que se desenvolveram na esquerda desde a fundação da UNE, em 1979, até a unidade que viria a acontecer depois de 1989.

Os congressos da UNE reverberaram esses conflitos de maneira exemplar, especialmente porque era um dos poucos espaços em que todas as organizações de esquerda, inclusive os anarquistas, mantiveram com espaço unitário de atuação. O movimento sindical, por exemplo, manteve-se rachado durante esse período (o PT na CUT e os comunistas no CONCLAT), ficando as disputas entre eles no campo sindical para as organizações específicas de cada categoria.

A UNE foi hegemonizada pelo PCdoB desde a sua fundação, em aliança com o PCB, o MR8 e outros partidos de menor expressão entre os estudantes da época. Uma análise dos Congressos pode revelar, além das mudanças nas análises de conjuntura das correntes, o crescimento da influência do PT na segunda metade da década de 1980 no meio estudantil e, por fim, uma redefinição das posturas de cada partido em direção à unidade depois de 1989.

O avanço do PT começou a se verificar quando a proposta pela realização de eleições diretas para a diretoria da UNE foi aprovada no Congresso de 1986, depois de defecções na antiga aliança que dava maioria ao PCdoB (a eleição direta seria vencida pelo PCdoB).

Depois, veio a derrota, agora em eleição congressual, em 1987, quando o PCdoB se viu isolado e uma ampla frente deu, pela primeira vez, maioria para eleger uma chapa petista para a entidade. 1988 foi o auge desse confronto, quando o congresso da UNE daquele ano terminou em pancadaria e com a retirada dos delegados do PCdoB, o que abriu caminho para que o PT mantivesse a hegemonia na UNE.

Em 1989, inicia-se uma aproximação entre PT e PCdoB na UNE, aliança que dura até hoje, quando militantes dos dois partidos, entre os quais o autor destas linhas, formam juntos pela primeira vez uma diretoria da UNE, sob a presidência de um petista.

O que acontecera na política brasileira para explicar tão significativa mudança? O PCdoB havia rompido o apoio ao governo Sarney e com o PMDB e começava uma lenta aproximação com o PT, que começou a acontecer na eleição para prefeito de São Paulo, em 1988, quando, para a surpresa das militâncias de ambos os partidos – e para o horror de alguns – PT e PCdoB se coligaram numa eleição que, para a sorte da aliança, foi surpreendentemente vencida pela candidata do PT, a paraibana Luíza Erundina, numa eleição em apenas 1 turno.

O PT começava a romper a partir dali com a posição predominante de não fazer alianças e que inaugurou uma nova política que iria acabar com sua política isolacionista. Desde então, as alianças começam a fazer parte do dicionário das direções petistas, o que dá início a um afastamento dos trostskistas com o partido que vai se tornando cada vez mais irreversível.

Tem início o segundo ato da história petista, que se inicia com a campanha de Lula à presidência, em 1989. Um dos capítulos mais emocionantes dessa história.

Esse será o tema da nossa próxima postagem.

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