quinta-feira, 20 de abril de 2023

Governo Lula e a geopolítica dos golpes


A última visita do presidente do Brasil, Lula, a Xi Jinping, da China, pode resultar na consolidação de uma aliança global estratégica entre os dois países, caso o Brasil aceite participar da Nova Rota da Seda chinesa, que financia projetos de infraestrutura de transportes em vários continentes, no qual os chineses já investiram US$ 1 trilhão de dólares.

O encontro entre os dois aconteceu três semanas após outro encontro bilateral, este de mais largo alcance, envolvendo a China e a Rússia de Vladimir Putin. Nos dois casos, a China resolveu colocar em prática o movimento estratégico que pretende tirar dos Estados Unidos a vantagem de ter sua moeda como o padrão de conversibilidade, que é o dólar, mesmo depois dela ter sido descolada do ouro há pouco mais de 50 anos. 

Ou seja, há mais de cinco décadas os Estados Unidos controlam, através de sua moeda, a maior fatia do comercio internacional, isso sem as responsabilidades e as restrições do padrão-ouro, que limitava, por exemplo, a qualquer país que a ele aderisse, a capacidade de emissão de moeda, artifício que os norte-americanos usaram mesmo antes de 1971, quando, através de emissões sem lastro, inundaram o mundo de dólares. Descolado do ouro, o dólar virou uma mercadoria cujo preço “flutua” de acordo com a demanda. E que alta demanda! É essa a principal razão para tanta gritaria dos nossos “analistas econômicos”, porque nossa dependência do dólar tem relação direta com a dependência deles dos juros altos.

A China finalmente resolveu acabar com a festa dos Estados Unidos. O primeiro passo foi compor uma aliança, o BRICS, com as mais importantes economias ditas “emergentes”, estrategicamente espalhadas por todos os Continentes: o Brasil, a Rússia, a Índia e a África do Sul. O segundo passo foi a fundação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, um banco de financiamento que, sem as amarras — inclusive ideológicas —  do odiado e nosso velho conhecido, FMI, criado para financiar projetos públicos ou privados de iniciativa dos seus membros. Enquanto o FMI agiu nas últimas décadas para acorrentar as economias que a ele recorriam, o Banco do BRICS visa a cooperação financeira para apoiar políticas de desenvolvimentos econômico. O terceiro, é abandonar o pagamento em dólar nas transações comerciais com a China, que se tornou o principal parceiro comercial do Brasil. O mercado chinês já representa 27% de todas as exportações brasileiras, com um superávit comercial que se aproxima dos US$ 30 bilhões anuais. O problema é que essas trocas comerciais continuam a reproduzir a velha hierarquia das vantagens comparativas que marcaram a economia brasileira até os anos 1930, e, ao invés de café, borracha, algodão, cacau e açúcar, hoje o país exporta soja, minério de ferro e carnes, com o agravante de ter o Brasil uma população que vive majoritariamente da economia urbana.

De toda maneira, China parece querer nos ensinar que ela voltou a 1944 com a disposição de dar ouvidos ao que Lord Keynes disse em Bretton Woods, quando os Estados Unidos eram a superpotência militar e industrial e a Inglaterra não tinha mais como deter a decadência em curso. 70 anos depois, o mundo acompanha novamente uma troca de papeis. A China em vias de assumir o papel dos Estado Unidos e começou a fazê-lo depois da década de 1970, quando trocou Mao — não seria correto dizer Marx — pela economia política de John Maynard Keynes, que, vejam só, é considerada pela grande mídia de extrema-esquerda! Enquanto a China apostava na produção de riquezas materiais, no emprego massivo do capital e do trabalho, os Estados Unidos se deixavam governar cada vez mais por Wall Street e pelo Pentágono, pelo sistema financeiro e pela indústria bélica. E, paradoxo dos paradoxos, a tal “globalização” inventada pelos Estados Unidos foi a arma da China para entrar nos mercados de todo o mundo, inclusive norte-americanos.

Enfim, o mar não está para peixe, principalmente para quem se encontra numa “área de influência” dos Estados Unidos. E ambiente das relações internacionais é crítico, marcado pelo aumento das tensões entre Estados Unidos e China, e da consolidação da aliança estratégica deste último país com a Rússia, depois do encontro entre Xi Jinping e Putin. Logo depois, Lula acena em palavras atos que tem interesse de aprofundar suas relações comerciais e geopolíticas com a China, o que inclui, numa questão crítica como a guerra Rússia-Ucrânia, uma posição que é mais próxima da chinesa. 

Enfim, da mesma maneira que a participação dos Estados Unidos na Lava Jato, que começou não como uma obra do acaso em 2014, está amplamente documentada, que se desdobrou no golpe parlamentar que depôs Dilma Rousseff, é possível que comecemos a assistir novamente a esse filme, agora com novos personagens e novas circunstâncias.  

Por último, porém não menos importante, pode não ter sido um acaso que as imagens divulgadas, ontem, tenham caído nas mãos da CNN, que mostram o ex-ministro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Gonçalves Dias, agindo de maneira passiva dentro do Palácio do Planalto no 8 de janeiro, dia da tentativa de golpe bolsonarista. Pode ser que a pretensão não seja ainda derrubar Lula, porque a alternativa ao petista é o trumpista Jair Bolsonaro ou alguém da turma dele. Mas, fragilizar Lula a ponto de impedi-lo de avançar na sua agenda externa e consolidar a aliança com a China.

Um comentário:

  1. Foi extremamente providencial para a oposição a Lula, a divulgação daquele vídeo duas horas antes do depoimento do ministro na câmara.

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