Escutei com atenção a entrevista que finalmente Cássio Cunha Lima concedeu ontem a uma das rádios de João Pessoa, entrevista cujo conteúdo não surpreendeu a ninguém, mas que era ansiosamente esperada desde que Cunha Lima voltou de sua viagem de férias aos Estados Unidos.
Desde então, o que fez o ex-governador foi empurrar com a barriga o anúncio tão esperado, tanto por cassistas, desesperados por retornar aos postos de onde foram desalojados com o retorno de José Maranhão ao governo, e, especialmente, por ricardistas, cada vez mais desejosos e dependentes do apoio dos Cunha Lima para chegar ao governo e implantar seu projeto de “mudança”.
Sob o argumento de tentar convencer Cícero Lucena para evitar um confronto interno com o senador e presidente do PSDB paraibano, Cássio Cunha Lima adiou o quanto pode o anúncio feito ontem, e só deve ter sido convencido a fazê-lo provavelmente por conta de uma ameaça ricardista de abandonar o barco da oposição e deixar o ex-governador sozinho na ilustre companhia do zumbi político Efraim Moraes, que continua a suspirar por conta do néctar que extrai, feito um vampiro, da força simbólica que ainda tem o prefeito Ricardo Coutinho, mas que está sendo consumida com uma rapidez considerável.
Convencer Cícero Lucena a apoiar Coutinho era um argumento tão caricato que só servia mesmo para o ex-governador ganha tempo, pois seria tão improvável de acontecer quanto os Cunha Lima anunciarem apoio a Veneziano Vital para o governo do estado. Isso foi confirmado pelo presidente do PSDB nas várias entrevistas que concedeu hoje em resposta ao anúncio cassista de ontem, o que confirma a hipótese de que Cunha Lima continua a vender um peixe a Ricardo Coutinho ao qual não se sabe se ele vai poder entregar.
Primeiro, tem a conhecida questão nacional que está associada à candidatura de José Serra à presidência, que tem necessidade de palanques nos estados. Argumentar que não é necessário ter candidato a governador para montar um palanque para José Serra deve ser, no mínimo, uma piada de mau-gosto para a direção nacional do PSDB. A eleição para presidente determina e, em muitos casos, é determinada pelas disputas estaduais, especialmente porque não se sabe qual será o comportamento do eleitor sem ter Lula como candidato. É nisso que reside hoje a dúvida – e a esperança – tucanas.
E a campanha não se resume a palanques e comícios. Tem o dia-a-dia, o corpo-a-corpo, a ação retroalimentadora que impulsiona ambos os candidatos. Para José Serra, por exemplo, é melhor ter um candidato que hoje pontua próximo dos 20% – o que, considerando as circunstâncias, é um bom percentual de partida –, do que não ter nenhum. Dilma Roussef, por exemplo, tem pouco mais de 20% nas pesquisas atualmente, o que demonstra a clara má-vontade dos Cunha Lima com a candidatura de Cícero Lucena.
Em 2002, por exemplo, a situação dos candidatos que apoiavam o candidato do PT nos estados era muito mais frágil, tendo Lula no início da campanha poucos candidatos competitivos aos governos estaduais, o que levou muitas lideranças do PT ao sacrifício de se lançarem candidatos a governador, muitos sem a mínima chance de se eleger. Tudo para viabilizar o palanque para Lula nos estados, inclusive na Paraíba, onde o então deputado federal Avenzoar Arruda, que tinha boas perspectivas de se reeleger, candidatou-se a governador para viabilizar esse projeto.
Não custa lembrar que, naquela eleição, o melhor nome do PT era inquestionavelmente o de Ricardo Coutinho, que preferiu a segurança da reeleição para deputado estadual a dar uma contribuição mais relevante à eleição de Lula no estado, tendo estimulado a candidatura de Avenzoar, para depois desmerecer o sacrifício de seu antigo companheiro e aliado no PT, em função de seu projeto de se eleger prefeito de João Pessoa, sacrificando inclusive sua trajetória no Partido dos Trabalhadores.
Voltando ao PSDB, como será a campanha de José Serra na Paraíba, não apenas sem candidato a governador, mas com os outros dois principais candidatos apoiando Dilma Roussef? Como serão os comícios, as carreatas, as manifestações, os programas de TV? José Serra terá que contratar sozinho os cabos eleitorais? E depois: vai depender de Cássio Cunha Lima pedir voto para ele? Como é possível acreditar nisso, se nas duas eleições anteriores, Cunha Lima não pediu publicamente um voto sequer para os candidatos a presidente do PSDB, preferindo estimular a dobradinha com Lula? Cícero Lucena tem, portanto, a trajetória de lealdade a Serra e ao PSDB ao seu lado para conseguir legenda para o seu projeto eleitoral. Digo mais: nesse âmbito da disputa, Cícero só não será candidato se Ricardo Coutinho resolver apoiar José Serra.
Em segundo lugar e abstraindo a possibilidade de intervenção da direção nacional do PSDB, Cícero Lucena controla a direção partidária na Paraíba e, mesmo que Cássio Cunha Lima realmente tenha a maioria do partido, a decisão pelo apoio a Ricardo Coutinho e, por conseqüência, a retirada de Lucena da disputa, só acontecerá no prazo final das convenções partidárias, provavelmente em julho. Até lá, ninguém poderá retirar a candidatura de Cícero Lucena que continuará fazendo campanha, estendendo até lá o desconfortável debate sobre a traição dos Cunha Lima ao sempre fiel senador, e sobre a aliança de Ricardo Coutinho – que nunca se realizará plenamente – com antigos adversários políticos contra os quais combateu até dois anos atrás.
O grande receio de Cássio Cunha Lima é se Ricardo Coutinho agüentará tanta pressão sem a certeza de que terá o apoio formal do PSDB, o que significa mais tempo de TV e, principalmente, a indicação de Ivandro Cunha Lima para seu vice. Não é por outro motivo que a candidatura a vice de Ricardo Coutinho continua em aberto: é para que seja possível mais um Cunha Lima, para encarnar o “campinismo”, entrar na chapa. Por isso, por exemplo, Armando Abílio não desestimula a candidatura de Cícero Lucena. Ele sabe que a participação do PSDB na chapa torna cada vez mais remota a participação do PTB. E como Ricardo Coutinho se acostumou a indicar seu vice sozinho, pode apostar que Ivandro Cunha Lima está no bolso do seu colete, colocado lá pelo próprio Cássio e pela ambição desmedida do prefeito pessoense.
Portanto, no caminho tanto de Cássio Cunha Lima quanto de Ricardo Coutinho existe uma pedra do tamanho de um senador que é também presidente do PSDB, o que torna a entrevista do ex-governador cassado tanto inútil, porque apenas tornou pública uma posição que já era de amplo conhecimento, e inócua, porque não resolveu o problema principal que é: com quem ficará o PSDB? Cássio Cunha Lima, como eu já disse, continua tentando vender um peixe que não se sabe se ele vai poder entregar. O problema, para o ex-governador, é saber até quando o prefeito pessoense continuará aceitando comprando esse peixe, porque, como se sabe, peixe é um produto que estraga rápido.
Para completar, o desespero cassista reside no fato de que Ricardo Coutinho não está sem opções depois do rompimento com José Maranhão. Ainda lhe resta a opção de continuar na prefeitura para terminar o seu mandato e concluir seu projeto administrativo. Para quem pode decidir por antecipação uma eleição, negociar a indicação livre de quem vai sucedê-lo na prefeitura de João Pessoa, assegurando a manutenção do controle dessa importante máquina política e administrativa, em troca de sua saída da disputa, não vem a ser algo inatingível. Mesmo que não apóie José Maranhão, essa decisão de Coutinho assegura a reeleição do atual governador.
Cássio Cunha Lima que se cuide, pois Cícero Lucena pode vir a ser a única companhia que lhe restará na eleição de 2010. Além da de Efraim Moraes.
PS. Estou concluindo a postagem sobre a eleição de 2006. Tive problemas com meu computador (queimou a placa-mãe), por esse motivo a tal postagem não apareceu ainda no blog. Espero que até sexta ela fique pronta. A postagem de hoje foi redigida em uma lan house do Bessa.
Há juízes na Paraíba
Reproduzo abaixo a coluna de segunda-feira do jornalista Rubens Nóbrega. Mais uma vez, Rubens me honrou com a publicação de um texto de minha autoria em seu privilegiado espaço. Trata-se de um tema que, excluídas as páginas do jornal Correio e, especialmente, do Portal Correio, foi tratado de maneira protocolar pelo restante da imprensa paraibana, o que, pela gravidade do tema, deveria continuar recebendo a devida atenção, tanto da imprensa como da sociedade. Divido com os possíveis leitores do blog a referida coluna de Rubens Nóbrega, inclusive com as observações do jornalista.
O professor Flávio Lúcio Vieira confiou a este colunista mais um de seus textos magistrais. Nesse, analisa a decisão tomada na última quinta-feira (7) pela Câmara Criminal do TJ da Paraíba no Caso Gulliver, determinando a devolução do processo ao juízo de origem para que seja refeita sentença de pronúncia que manda o réu a júri popular. Caso Gulliver – nunca é demais lembrar – é o antetítulo com o qual a imprensa introduz notícias sobre o processo que apurou o atentado a tiros cometido em 5 de novembro de 1993 pelo então governador Ronaldo Cunha Lima contra a vida do ex-governador Tarcísio Burity.
O crime aconteceu dentro do famoso restaurante da Capital que leva o nome do personagem de Jonathan Swift (em ‘As viagens de Gulliver’).Vamos adiante ler o comentário do Flávio Lúcio Vieira, que ele intitula “Como em Berlim, há juízes na Paraíba? Lembrando que dele o leitor encontra muito mais no blog Pensamento Múltiplo (na Internet, acesse pensamentomultiplo.blogstpot.com). Leiam que depois eu volto para breve repique e ligeira discordância.
Rubens, o título desta mensagem é uma paráfrase extraída da fábula do moleiro de Potsdan, e é relativamente famosa nos meios jurídicos. Trata-se de uma fábula que narra a disputa entre Frederico II, rei da Prússia, contra um modesto produtor de farinha. Ao ser ameaçado pelo rei, o moleiro pronuncia a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim!”.
Pois bem. A aludida paráfrase veio parar nesse texto porque consta de uma Nota à Imprensa, assinada pelo então presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Antônio de Pádua Lima Montenegro, em resposta ao Ministro do STF, Joaquim Barbosa, que rogou, em novembro de 2007, pela existência de “juízes corajosos e independentes na Paraíba”, após a renúncia de Ronaldo Cunha Lima ao mandato de Deputado Federal e, por extensão, ao “foro privilegiado” a que o ex-governador se aferrara desde que se elegera senador, em 1994, para não ser julgado pela tentativa de homicídio contra o também ex-governador, Tarcísio Burity, num episódio que tanto chocou como envergonhou os paraibanos.
Afinal, Cunha Lima atentara contra a vida de seu desafeto em pleno exercício do cargo de governador.Descobrimos na última semana que foram inúteis as preces de Joaquim Barbosa, não tanto quanto à existência de um juiz com coragem suficiente para, pelo menos, mandar Cunha Lima ao banco dos réus. Esse juiz corajoso existe e é preciso lembrar o nome de juízes que honram sua condição: Marcos William de Oliveira, do 1º Tribunal do Júri da Capital, não por acaso situado na 1ª instância, de onde emerge uma corajosa geração de juízes que acredita na justiça e não enxerga a história do moleiro de Potsdam como anedota.
Entretanto, lida com olhos os olhos de hoje, a nota do TJ-PB em resposta a Joaquim Barbosa é um paradoxo a confirmar que, caso o moleiro vivesse na Paraíba de hoje ele não poderia demonstrar sua crença na justiça. Diante do recurso da defesa do ex-prefeito de Campina Grande, ex-governador da Paraíba, ex-senador e ex-deputado federal, que também é pai do último governador da Paraíba, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba, inclusive com o voto do presidente do TJ, anulou a sentença do Juiz Oliveira sob o argumento de que foi ela foi “exagerada”, entre outras coisas, por apresentar juízo de valor sobre o caso, o que poderia influenciar o júri.
Não sei dos termos usados pelos juízes quando proferem sentenças quando se trata de ladrões, de galinha ou de potes de iogurtes em supermercados; não sei quanto tempo passa uma corte de justiça para julgar um criminoso comum, mas tenho certeza que não leva 14 anos; não sei como um juiz deve se referir a réus confessos de ter atirado, mais de uma vez, pelas costas e na cabeça de um adversário político. Não sei de muita coisa sobre os procedimentos da justiça brasileira, mas sei que, como disse Joaquim Barbosa, é um “escárnio” que um crime como o que foi cometido por um governador no exercício pleno da função não seja sequer julgado. Especialmente quando o motivo é o apego de muitos juízes a formalidades jurídicas.]
Flávio.
Se me permite...Primeiro, dizer da minha admiração pelo juiz Marco William. Tive a honra de trabalhar em três ou quatro julgamentos que ele presidiu com total equilíbrio, serenidade e isenção. Encontrava-me membro do corpo de jurados do Tribunal do Júri Popular da Capital. Coisa de 20 anos atrás ou pouco menos.
Compreendo a indignação do Professor Flávio Lúcio e sei que ela é compartilhada por milhares de paraibanos, mas é preciso compreender também que a alegação de ‘excessos de linguagem’ em sentenças de pronúncia é recurso bastante disseminado entre advogados empenhados em adiar ao máximo ou inviabilizar o julgamento de seus clientes. Pelo que andei assuntando em alguns ‘sítios jurídicos’ na Internet, tem fartura de jurisprudência nos nossos tribunais, estaduais ou superiores (Supremo e STJ), para esses casos. Mas a maioria das decisões colegiadas manda reformar a sentença, não anulá-la. O ex-governador não está, portanto, livre de ir a júri popular nem o juiz Marco William está obrigado a reescrever a sua sentença.
O que ocorre nesses casos é que se o juiz disser na pronúncia, por exemplo, que está convencido de que o crime foi mesmo cometido por Fulano com ânimo de matar Sicrano, aí a defesa se aproveita disso para dizer no Tribunal que o juiz exorbitou e fez juízo de valor. Como Doutor Juiz preside o júri, a palavra do magistrado pode, em tese, induzir os jurados a segui-lo, considerando a autoridade e a ciência do homem que a proferiu.
Só tem um detalhe: não sei como isso pode acontecer se os jurados são escolhidos na hora do julgamento e após o advento da Lei 11.689/2008, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal referentes ao tribunal do júri, não mais se pode ler a sentença de pronúncia no plenário nem as partes podem a ela se referir. Sendo assim...
Todos estão querendo tirar uma casquinha, tirar seu proveito próprio, cada um forçando para seu lado, dentro do possível...
ResponderExcluirSempre que esse episódio retorna à baila, sinto um aperto enorme na boca do estômago. Misto de nojo e descrença, ainda não na Justiça, mas na capacidade hipócrita de seres humanos que cometem crimes, confessam e continuam vagando pelo mundo e pela vida como se nada tivesse ocorrido. Sorte de alguns destes é que a cadeira de rodas já foi inventada. Imagine-os paralisados e catatônicos em cima de uma cama, preferencialmente de alvenaria...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns pelos seus artigos. São bastante esclarecedores e inteligentes.
ResponderExcluirOi Flávio, muito bem colocada sua observação sobre o que seria o "novo" de alguns políticos da paraiba. Outro dia vendo o blog do Luis Torres, as analises dele sao precárias em objetividade e o discernimento dele tende a aberraçoes e ele falando sobre a declaração do Cassio em que Jose Maranhão ia ser "afogado em um mar de votos" [a favor de Cassio], sugeri que os internautas la procurassem saber com mais profundidade sobre o assunto e coloquei o seu link la e acho que muitos vao observar seu blog. Abraçao.
ResponderExcluirEsse colunista do sistema correio, merece um premio de grande cara de pau, pois ele consegue agradar com certeza o seu patrão o bionico R.C e o miserento do gov. a força J.M, E AINDA MUITOS BAJULADORES DE PLANTÃO, MAS MOSTRA TB COMO ANDA A NOSSA Mídia, ou seja midia comprada,e sem nehum critério de julgamento, e como se quem lesse a notícia fosse uma pessoa burra, sem poder de decisão, ora, dizer que Cássio não representa mais nada na politica da PB é algo que somente um asno poderia faze-lo, mas como se tranta de mídia paga, midia eleitoreira, que serve apenas aos interesses do coronel J.M e sua tropa...
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