sexta-feira, 15 de maio de 2015

A VIOLÊNCIA DA BOATARIA

Antes de qualquer coisa, vamos fazer uma distinção que eu considero necessária: uma coisa é a violência como um fato cada vez mais alarmante da vida contemporânea, outra é a percepção que nós temos dela, o medo, o pânico que ela pode causar a nós e aos mais próximos.

Lembro-me de um tempo em que o Rio de Janeiro passou a ser associado de tal maneira à violência que qualquer brasileiro não residente na Cidade Maravilhosa tinha dificuldades de entender como os seus moradores conseguiam aguentar a pressão daquele terror cotidiano, porque parecia que o Rio nada mais era do que um espaço de violência, uma cidade vivendo em plena guerra civil.

Por quê? Porque a percepção que se tinha da violência era muito, muito maior do ela própria.

E agora em tempos de internet e redes sociais, onde boatos, nascidos não se sabe onde, tornam-se “verdades” num passe de mágica, criar pânico está se tornando quase um fato banal.

Em novembro de 2013, por exemplo, depois que foi difundido pelo Whatsapp que traficantes haviam determinado um toque de recolher nas imediações do Bairro São José, que fica nas proximidades de Manaíra e do Shopping que tem o mesmo nome, por conta de um possível assassinato de um dos seus chefes, criou-se um alvoroço tal que em questão de horas quase toda João Pessoa se viu envolvida pelo pânico.

Campina e os boatos

Ontem, Campina Grande viveu um dia semelhante. Depois de dois ataques a ônibus, que resultou na destruição completa de um deles através de fogo deliberadamente ateado, uma onda de boatos sobre a violência que se alastrava percorreu de tal modo toda a cidade através das redes sociais que levaram à suspensão de aulas em colégios e até na Universidade Estadual da Paraíba.

Vejam bem: uma universidade suspendeu as aulas por conta de um boato.

A questão que se impõem nesse momento é: se não foi uma ação deliberada, como insinuou Célio Alves, secretário adjunto de Comunicação do estado, atribuindo os boatos a partidários do Senador Cássio Cunha Lima, o que é de uma gravidade sem tamanho, foi uma ação orientada pela desinformação, o que também é grave e preocupante.

Como é que boatos podem se converter em fontes de informação para que decisões dessa gravidade sejam tomadas e ganhem a legitimação de órgãos do Estado?

A questão ganha outros contornos fundamentais quando o assunto é a parte que cada um tem a desempenhar no combate à violência.

Ao suspender as aulas, a UEPB dá sua contribuição a que o pânico se imponha, o que é um incentivo a traficantes continuarem a “tocar o terror”. Ora, se boatos levam a instituição a suspender as aulas, o que acontecerá quando a ameaça for verdadeira?

O mesmo se pode dizer sobre quem eventualmente procura tirar proveito político desses boatos, criando-os e ajudando-os a se espalharem.

Enfim, recomenda-se que decisões como essas sejam tomadas em consonância com as instituições do Estado e pensando na educação da sociedade, numa pedagogia para o enfrentamento da violência.

Cássio e as responsabilidades pela violência na Paraíba

Nesse mesmo dia, o senador Cássio Cunha Lima subiu à tribuna do Senado para falar de violência na Paraíba.

Tinha nas mãos o relatório da pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública sobre violência e as informações do que ocorria em Campina Grande na cabeça.

Falou da “falência do sistema de segurança pública” da Paraíba e dos dados que colocam o estado em lugar de destaque nesse triste ranking.

Realmente, é verdade que a Paraíba sofreu um duro e grave revés entre os anos 2002 e 2012 quando o assunto é segurança pública.

Também é verdade que, ao nos depararmos com os dados dessa publicação, e para sermos justos, nos dois únicos anos que se referem ao governo Ricardo Coutinho o que se observa é uma redução, e não o aumento da violência, especialmente quando o assunto se refere à taxa de óbitos por armas de fogo.

Em 2011, foram assassinadas 1.403 (taxa de 37 por 100 mil habitantes), enquanto que em 2013 foram 1.260, o que significou uma redução da taxa para 33/100 mil habitantes ou 10,2%.

Os números que realmente que me impressionaram, contudo, foram aqueles que mostram a evolução das taxas de homicídios na Paraíba, ou seja, como chegamos a esses trágicos índices.

E nisso o senador Cássio Cunha Lima, ao invés de apontar o dedo, teria muito o que explicar não fosse ele o principal responsável por esse verdadeiro desastre humanitário que vivemos.

No último ano do governo José Maranhão/Roberto Paulino (2002) foram registrados 451 homicídios na Paraíba (taxa de 12 por 100 mil habitantes).

Quando Cássio deixou o governo, em 2009, os homicídios haviam atingido os 1043 por ano, o que representava uma taxa de 27,8/100 mil. Ou seja, em apenas seis anos, os assassinatos com armas de fogo na Paraíba cresceram 130%! E continuaram em crescimento até 2012, quando houve a primeira redução em dez anos.

Por mais que seja expressão de insensibilidade olhar para essa realidade apenas como “dados”, “números” – um professor meu dizia que o maior problema das estatísticas é quando nós passamos a fazer parte delas, – ela está aí, senão a desdizer por completo discursos como os de Cássio, que procura se apresentar como não tivesse responsabilidade alguma com eles, mas a mostrar o tamanho do nosso drama e o quanto ele é real.

Não cabe ao governo subestimá-los ou procurar converter toda crítica em ação política. Mais do que qualquer coisa, esses dados nos enfeiam.

Enfeiam-nos, mas nos revelam, porque enquanto eles majoritariamente acontecerem nas periferias de grandes cidades como João Pessoa e Campina Grande, serão apenas números a serem manipulados pelo interesse circunstancial da política.

Mas, infelizmente, eles são muito mais do que isso.

*Coluna publicada no Jornal da Paraíba de sexta (15/05/2015)

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