terça-feira, 9 de junho de 2009

A pobreza do desenvolvimento: o rural paraibano I



A discussão sobre qualquer projeto de desenvolvimento deve ser precedida por uma pergunta central a ser primeiramente levantada: desenvolvimento para quê e para quem? Alguns dirão estar fora de moda uma questão como essa (afinal, a luta de classes não acabou?). Entretanto, o que essa pergunta revela é o inconveniente de que a idéia de desenvolvimento não é tão neutra como se pensa. Muito pelo contrário, a resposta à questão indicaria antes de qualquer coisa quais são as prioridades do Estado e daqueles que formulam qualquer política de desenvolvimento. Trata-se aqui de determinar quais foram e quais são os beneficiários do desenvolvimento econômico, e se tais políticas ajudam a diminuir ou aumentar o fosso entre ricos e pobres.

Portanto, não cabe hoje discutirmos mais desenvolvimento por desenvolvimento. Em outras palavras, não é mais aceitável, pelo que o Brasil se tornou e pelo nível de empobrecimento a que estão submetidos amplos segmentos da população que formam contingentes de dezenas de milhões de miseráveis, especialmente no Nordeste, que continuemos a enxergar o desenvolvimento apenas pelo viés do crescimento do PIB e da renda per capita, instrumentos essenciais para mensurar a evolução econômica de qualquer país ou região, mas insuficientes para mostrar os avanços em termos de distribuição de renda e de qualidade de vida.

Esse é um modo enganoso de falar de desenvolvimento, pois falseia e esconde a desigualdade social que dele pode resultar, pois esse tipo de desenvolvimento é apenas crescimento econômico produzido pela concentração da renda e da riqueza, características marcantes do desenvolvimento brasileiro. Aqui, apesar do imenso crescimento da riqueza que se verificou nos últimos 80 anos, as desigualdades sociais só fizeram aumentar.

E esse quadro de desigualdade social é particularmente mais grave no Nordeste, onde vive quase a metade da população pobre do Brasil. Aqui, as características mais nefastas do desenvolvimento brasileiro foram potencializadas no processo de integração da região à expansão do mercado nacional a partir dos anos 1960. Os dados referentes ao crescimento do PIB são reveladores do que se afirma aqui. Entre 1960 e 1990, os índices de crescimento da região foram, na média, maiores que a média nacional. Veja abaixo:


A fonte dos dados pode ser acessada clicando aqui. Trata-se de uma análise do desenvolvimento nordestino de 1960 a 1995, da economista pernambucana Tania Bacelar.

Entretanto, mesmo com taxas de crescimento expressivas, não se verificou no Nordeste uma melhoria das condições sociais dos mais pobres, e isso pode ser revelado na relação população/participação regional na formação do PIB nacional: enquanto o Nordeste tem hoje uma população que equivale a 29% da população brasileira, a sua participação no PIB nacional é de apenas 14% (em 1960, era de apenas 7%) Esse dado referente ao PIB nordestino, que de 1970 em diante tem crescido a taxas médias superiores às taxas nacionais, resultando no aumento, mesmo que de maneira insuficiente, do peso da região na formação do PIB nacional, pode ser verdadeiro, mas enganador. (Os dados inseridos nos quadros abaixo podem ser consultados clicando aqui. Artigo de Sônia Rocha em que são analisados comparativamente os impactos sociais das políticas de combate à pobreza, em termos regionais, especialmente focado na pobreza metropolitana e rural.)



Especialmente, se tivermos em conta que a função do desenvolvimento econômico é modernizar as estruturas econômicas e sociais, diminuindo as desigualdades de renda e melhorando a qualidade de vida de toda a população. Entretanto, apesar da modernização econômica e social ocorrida nas últimas décadas no Nordeste, aqui não apenas foram mantidas como aprofundadas as desigualdades internas existentes antes de 1960, com uma significativa ampliação dos níveis de pobreza da população, agora de uma natureza distinta da pobreza existente antes da criação da SUDENE, em 1959, marco do processo de modernização capitalista nordestino. Uma pobreza caracteristicamente “moderna” (sem os meios da subsistência pré-capitalistas), de face urbana concentrada nas regiões metropolitanas, e com muita força no meio rural devido a concentração fundiária e aos problemas climáticos decorrentes da seca. Em síntese, temos aqui duas faces de uma mesma moeda: o desenvolvimento no Brasil e no Nordeste assume características sociais e históricas que potencializaram as desigualdades sociais e regionais já existentes, sendo, na verdade, o que André Gunder Frank chamou de desenvolvimento do subdesenvolvimento.

No espaço rural, as desigualdades são ainda maiores, o que também corrobora a lógica mais geral do desenvolvimento em nações periféricas, que acentua o fosso cada vez maior entre campo e cidade. No Brasil, pouco mais de 20% da população vive em áreas rurais, das quais 80% são pobres, isto é, vivem no limite da subsistência. Em 1992, 67% da população rural que habitava no Nordeste era pobre, sendo mais de 44% dessa população formada de indigentes. Segundo números do IPEA citados pela economista pernambucana Tânia Bacelar: “dos 32 milhões de brasileiros indigentes, 17,3 milhões estavam no Nordeste (55% do total nacional). Mais de 10 milhões residiam na zona rural da região. Assim, com 46% da população rural brasileira, o Nordeste tem 63% dos indigentes brasileiros que vivem nas áreas rurais. Dos indigentes urbanos do País, quase 46% estão no Nordeste”. (Para acessar a fonte dos dados, clique aqui)

Apesar dos avanços obtidos pelas políticas de combate à pobreza no Brasil, os dados mais recentes indicam uma drástica redução do número de indigentes, resultado das políticas de combate à pobreza do governo Lula. Os quadros abaixo mostram essa expressiva alteração no quadro de pobres e de indigentes. No primeiro, os índices de redução da pobreza no Brasil nas regiões metropolitanas, e depois nas cidades e no campo.

A redução do percentual de pobres e indigentes é mais expressiva no meio rural, onde está concentrada a maior fatia da pobreza brasileira, sendo que nas regiões metropolitanas o ritmo de redução da pobreza é menor. Mesmo considerando que o peso da população rural tenderá a ser cada vez menor (segundo o censo de 2000, a população rural brasileira era de 31,8 milhões, contra 138 milhões da que residia em cidades), não dá para desconsiderar essa população rural, especialmente porque a sua pobreza se combina com a quase ausência de serviços públicos e limitadas oportunidades de trabalho e de acesso à terra.



Especialmente no Nordeste, onde se registra o maior percentual brasileiro de habitantes no espaço rural. Veja abaixo que, comparado com o Brasil, os índices de pobreza e indigência regionais são muito mais acentuados no Nordeste, residindo na nossa região mais de 40% dos pobres e mais de 53% dos indigentes brasileiros. Note que, apesar dos avanços referentes à redução da pobreza e da indigência em termos absolutos, o quadro referente a participação relativa do Nordeste na formação da pobreza e da indigência brasileiras permaneceu quase inalterado, o que se explica que os impulsos dessa mudança são quase que exclusivamente externos à região - especificamente no Estado nacional -, mantendo-se de maneira insuficiente as políticas originárias dos governos estaduais.



No caso da Paraíba, os números são aterradores. Com uma população, em 2000, de 3.444.794, e uma população rural de 810.110, nesses espaço habitavam, em 2004, pouco mais de 192 mil indigentes e quase de 378 mil pobres, o que, somados, representam quase 70% da população rural paraibana!



Constatada a desigualdade no meio rural, a questão que se segue é: o que fazer? Esse será o próximo desafio deste blog.

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