domingo, 8 de novembro de 2009

Fernando Henrique Cardoso saiu da toca


Fernando Henrique Cardoso saiu da toca. E feito animal ferido. No último domingo, o ex-presidente rangeu os dentes (não se sabe se de ódio ou de inveja) e partiu para o ataque contra o Governo Lula, o que deve ter feito o atual presidente comemorar. Afinal, depois de Lula passar meses chamando a oposição demo-tucana para o debate direto sem receber nenhuma réplica, FHC morde e engole a isca com anzol e tudo.

Em artigo publicado (clique aqui para ler) conjuntamente pela Folha e Estadão (o Comitê Central da oposição a Lula), no domingo passado, FHC ensaia uma mudança no discurso udenista surrado e já quase sessentão da oposição: a cruzada contra a corrupção cede lugar para a “denúncia” de uma escalada promovida pelo governo Lula do que ele chama de autoritarismo popular. Mesmo iniciando na defensiva – “Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes”, diz o ex-presidente no primeiro parágrafo do artigo, que se chama apropriadamente “Para onde vamos?”, uma provável resposta à desorientação que assola a oposição demo-tucana, sem discurso e sem a coragem de expor o que realmente pensa sobre temas candentes do Brasil atual.

Por exemplo, o debate sobre o Pré-Sal. Como seria óbvio, FHC critica a defesa que Lula faz do regime de partilha, um sistema que prevê que todo o petróleo existente no Pré-Sal pertence à União, e as empresas privadas que se habilitarem a concorrer com a Petrobrás receberão dela um pagamento, em dinheiro ou em parte da produção, uma exigência que assegura o controle dessa imensa jazida nas mãos do Estado e, segundo a proposta do governo, que os recursos provenientes da venda desse petróleo se destinem a financiar um fundo social para a educação, saúde e questões sociais.

Para FHC esse é um “pequeno assassinato” da democracia, pois ficarão as decisões a respeito de quem explora o Pré-Sal, segundo ele, sujeitas “a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública”. Para FHC, bom mesmo é o regime de concessão criado por seu governo, que representou a quebra do monopólio estatal do petróleo e abriu a exploração à empresas estrangeiras, em 1997. Nesse sistema, as empresas operadoras repassam à União antecipadamente um valor pré-estabelecido e fixo pelo arrendamento dos lotes e se apropriam de toda a receita gerada posteriormente. Fala-se dos riscos que essas empresas assumem, que seriam agora do Estado. Como se empresas privadas, num negócio como esse, gostassem de risco.

O presidente da Petrobrás, Sérgio Gabriele, demonstrou em uma das vezes que depôs no Congresso, que, entre 1998 e 2002, o crescimento da produção de petróleo no Brasil aconteceu exclusivamente em áreas que já existiam antes da lei do fim do monopólio, ou seja, em áreas já conhecidas e de rentabilidade garantida. Depois do governo Lula, a expansão que permitiu que o Brasil se tornasse auto-suficiente em petróleo aconteceu por conta das pesquisas e investimentos exclusivamente feitos pela Petrobrás, sem nenhuma participação da iniciativa privada. Como já demonstramos aqui na postagem inaugural deste blog (clique aqui para ler), se dependesse dos interesses e investimentos privados o Brasil jamais teria se tornado auto-suficiente em petróleo. O que essas empresas querem é o maior lucro, com os menores custos, riscos e investimentos possíveis. Tanto que nos mega-campos do pré-sal que já foram a leilão (Tupi e Júpiter), a Petrobrás não teve concorrentes. Por quê? Porque a disputa com a Petrobrás empurraria os valores das propostas para cima e como só a Petrobrás tem o domínio das informações sobre as operações do Pré-Sal...

O que FHC quer ao defender expressamente o regime de concessão para a exploração do Pré-Sal, falando o que até agora José Serra, PSDB e Dem não tiveram coragem de deixar claro, é entregar a exploração das jazidas gigantes do Pré-Sal às empresas estrangeiras e transferir para elas essa imensa e incalculável riqueza. Daí a crítica de que a mudança do regime de exploração do Pré-Sal seria um “pequeno assassinato” da democracia. Para quem é adepto do pensamento único essa é mesmo uma heresia que não tem perdão. Nesse ponto, o artigo FHC é um aceno para o grande empresariado nacional e internacional e o capital rentista. Ele quer voltar a liderar a oposição. Coitada dela.

Fernando Henrique continua seu rosário de acusações, fazendo referência à “ingerência governamental” na Vale do Rio Doce (Lula criticou as demissões que fez a empresa em plena crise, quando o governo se esforçava para evitar o pânico entre os empresários, e exigiu que a empresa investisse mais para agregar valor no país ao minério de ferro bruto que ela exporta). FHC reconhece que a Vale “não é totalmente privada”, mas não diz que a participação acionária de capitais controlados pelo Estado é de 60,1%, através dos fundos de pensão Valepar e BNDSpar. Mesmo assim, fruto de um “acordo” entre acionistas após a privatização de 1997, comandado pelo próprio governo à época (FHC), o Bradesco passou a ter o direito de nomear o presidente da empresa. O Bradesco que detém, através da Bradespar, apenas 17,5% (note, não é da Vale, mas da empresa que a controla, que é a Valepar, cujo acionista majoritário é a Litel, um aglomerado de fundos de pensão estatais controlado pela Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil, que detém 58,1% do capital votante da Litel). É relevante adicionar a informação de que o Bradesco participou do consórcio que avaliou o preço de venda da Vale, o que não era só ilegal, mas um atentado ao interesse público e um fato a demonstrar o quanto essas privatizações foram manipuladas e orientadas para atender determinados interesses. A empresa estabelece o preço de um empresa que pretende comprar. Áureos tempos de democracia esses! FHC, com essa, ajuda a tirar seus próprios esqueletos do armário, que são muitos.

FHC critica ainda as compras dos aviões da FAB (se a escolhida fosse a americana Boeing haveria essa crítica?), as relações com o governo do Irã e, é claro, a visita que uma comitiva presidencial fez às obras das transposição do São Francisco, da qual também participou Aécio Neves, um dos candidatos tucanos ao Planalto. Todos esses gestos compõem o quadro de uma verdadeira escalada rumo ao “autoritarismo popular". Não sei como a menção às obras como Transnordestina, trem-bala, Ferrovia Norte-Sul, transposição do São Francisco, e ações como biodiesel de mamona, da agricultura familiar, do etanol, além das “centenas de pequenas obras do PAC” foi parar no discurso de FHC para demonstrar o autoritarismo lulista.

No caso adjetivo “pequenas” em relação ao PAC, nesse caso e entre tantas outras, ele deve estar se referindo às obras destinadas aos mais pobres – FHC lembrar que eles existem? – de esgotamento sanitário e do “Minha Casa, Minha Vida” espalhadas por todo o Brasil. E haja autoritarismo popular do governo Lula! Engraçado: FHC não mencionou os mais de 100 bilhões de reais que são pagos religiosamente todos os anos aos banqueiros por conta da imensa dívida interna que ele deixou de presente para Lula (uma dívida que era de 65 bilhões de reais, em 1995, saltou para mais de 1 trilhão, em 2002!).

Só faltou FHC usar o termo “populismo autoritário”, mas aí ele perderia a originalidade. Usando “popular” ele indica mais claramente as raízes de esquerda do governo, porque o objetivo do artigo é criar um antagonismo político e ideológico para restabelecer o fantasma do medo. Por isso, o queridinho da FIESP e do PIG finaliza fazendo referência à emergência do poder “burocrático-corporativo” e explica: “Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados”. FHC deve está querendo criar o fantasma de que existe uma tendência à sovietização do Brasil nas “elites”, como se elas precisassem de mais um fantasma a atordoar-lhes os sonhos. Esses fantasmas elas já criaram ao máximo, mas, felizmente, parece que o povão descolou de suas opiniões. O grande problema dessa fusão entre Estado-Sindicato-Movimentos Sociais está localizado na preocupação com o controle dos Fundos de Pensão, que deixam as mãos dos controladores do mercado financeiro para passarem às mãos dos sindicatos, o que é, obviamente, um exagero que nem o próprio ex-presidente acredita. Entretanto, que horror! Para FHC, democrático mesmo é Fundo de Pensão estatal financiar e estar sob controle de banqueiro. Isso sim é democrático! É essa a ideia da democracia tucana! Corram todos! FHC decretou a ditadura no Brasil! FHC deve está preocupado mesmo é com o emprego de gente do tipo Roger Agnelli, que vai perder o emprego de presidente da Vale se Dilma ganhar!

Na última sexta, 6, Lula aproveitou a deixa, é claro, e despachou Fernando Henrique. Disse que FHC não agüenta o sucesso do atual governo, pois ele representa o fracasso do seu projeto de poder. Nos planos do ex-presidente estava o fracasso de Lula para que ele pudesse voltar nos braços do povo para continuar governando para as elites.

FHC saiu da toca e se expôs ao mundo. Será trucidado no debate político, junto com sua trupe. Quanto a isso, pelo menos nisso, o ex-presidente fez um bem danado para o Brasil.

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