Funcep X Bolsa Família
Volto ao Fundo de Combate à Pobreza (Funcep), sua gestão e finalidades, introduzindo no debate puxado por Rosa Virgínia as considerações do Professor Flávio Lúcio Vieira sobre a proposta do deputado Jeová Campos (PT), que faz o Funcep bancar também um programa de qualificação de beneficiários do Bolsa Família.
Comecemos pela frase lapidar do deputado Jeová Campos: “Só se combate a pobreza com riqueza e isso só acontece com a geração de emprego e renda para o desenvolvimento social das populações mais carentes”. Como já escutei algumas entrevistas do deputado, temo que o sentido que ela exprime seja mesmo uma confusão entre crescimento econômico e desenvolvimento (social, econômico, cultural, político). Essa distinção tornou-se necessária quando ficou claro que “desenvolvimento econômico” não significava melhoria das condições de vida dos mais pobres. Muito pelo contrário.
Fato notado por sua leitora e colaboradora, Rosa Virgínia, que foi buscar na China e em “alguns países africanos” exemplos a demonstrar a validade do seu argumento. Mas nem precisa ir tão longe. Basta uma olhadela para os lados para percebermos que riqueza e pobreza convivem não só lado a lado, mas em combinada integração, seja em João Pessoa, São Paulo ou Cajazeiras.
Além disso, a visão do deputado petista reverbera certo equívoco a respeito dos objetivos e dos impactos sociais dos programas de combate à pobreza: o de que são meros programas “assistencialistas” por não permitirem a superação do ciclo da pobreza, e esse é um equivoco que os estudos sobre os impactos econômicos do Bolsa Família, especialmente no Nordeste, têm colocado abaixo.
Um exemplo ajuda a entender a importância desse programa para a economia paraibana: em 2008, a renda líquida gerada por um dos setores mais importantes da economia paraibana, a construção civil, que sozinho representa em torno de 7% do PIB do Estado, foi de pouco mais de 599 milhões de reais. O Bolsa Família, na forma de benefícios, transferiu, em 2006, mais da metade desse valor: 312 milhões de reais. Tanto que nos últimos anos tem crescido a renda média da população paraibana, que em 2006 era de R$ 350,70, chegando a R$ 398,62 em 2008. Não foi apenas o Bolsa Família o único responsável por isso, é claro, mas certamente deu grande contribuição, pois o programa atende a 11% da população do Estado. Esse fato também ajuda a explicar em parte porque a Paraíba e todo o Nordeste têm crescido mais do que a média nacional nos últimos anos.
Portanto, o Programa Bolsa Família deve ser encarado não como uma política focalizada de combate à pobreza. Ele transcendeu a visão que predominou até 2002, para se reorientar através de uma política de transferência de renda, que tem outro conteúdo e cujo objetivo não é o de apenas acabar com a fome. Sempre tendo em vista a transitoriedade do programa, mas sem prazo para se encerrar até que não tenhamos mais pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, daí por que devemos apoiar a iniciativa do Presidente Lula de tornar permanentes esses programas, o que significa convertê-los em políticas de Estado e não apenas de governo. A grande questão agora, no meu entender, é redefinir as fontes de financiamento dessa política, através da criação de tributos sobre, por exemplo, o mercado financeiro e as grandes fortunas no Brasil.
Equívoco
Também considero equivocada a iniciativa do deputado Jeová Campos de utilizar os recursos do Funcep para financiar o que ele chama de “acesso à inclusão produtiva das populações carentes” para gerar emprego em diversas atividades econômicas. Dá para pensar que a Paraíba, ao transferir as fontes de financiamento do Funcep para outro programa, não precisa de mais recursos para o fim de combater a pobreza. Primeiro, importa ressaltar que uma coisa não depende da outra para existir. Pelo contrário. Elas são complementares. Assim como existem diversas políticas de geração de emprego e formação técnica da força de trabalho do governo federal que não anulam a existência do Bolsa Família, a proposta de criação da Agência de Desenvolvimento e Integração Regional da Paraíba pode conviver com o Funcep. A não ser que, no caso da Paraíba, não haja recursos para as duas ações, e isso colocaria em xeque a prioridade dada ao combate à pobreza pelo governo e a necessária ação conjunta das esferas federal e estadual nesse campo.
Porque seria uma lástima redirecionar os recursos do Funcep para outras atividades, mesmo correlatas. Ressaltemos que é louvável a iniciativa de debater propostas de desenvolvimento, especialmente dirigidas para os mais pobres – e, faça-se justiça, é necessário reconhecer que Jeová Campos é um dos poucos empenhados hoje no esforço de debater projetos de desenvolvimento para a Paraíba –, mas ela não pode se fazer redirecionando os recursos do Funcep, o que significaria o seu fim. O grande debate a ser feito é sobre o funcionamento do próprio Funcep para transformá-lo em uma política de transferência de renda.
O grande problema é que o Fundo não tem uma orientação estratégica mais geral, pois trata de financiar ações pontuais em campos os mais diversos possíveis (“nutrição, habitação, educação, saúde, saneamento básico, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social”, diz a lei que cria o Funcep, assinada por seu criador, Cássio Cunha Lima). E sem definição precisa do público-alvo. Essa amplitude foi o que deu margem ao ex-governador para utilizá-lo da maneira que o interesse eleitoral determinava. O que precisa ser feito com o Funcep, depois de redefinidos seus objetivos, é a sua institucionalização, com a definição precisa dos seus beneficiários e a forma de distribuição dos seus recursos.
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