quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

AS ELEIÇÕES DE 2006: A MÁQUINA ESTADUAL REELEGE CÁSSIO CUNHA LIMA

As eleições para governador de 2006 guardam pelo menos uma semelhança com a anterior, além do fato de ter sido decidida por estreitíssima margem: o apontado favoritismo do candidato da oposição, o então senador José Maranhão, que há mais de um ano das eleições abria vantagem significativa para o então governador e candidato à reeleição, Cássio Cunha Lima.

Tal fato decorria, de um lado, da força política que ainda mantinha o ex-governador do PMDB, e, de outro lado, do desgaste que Cássio Cunha Lima acumulara nos dois primeiros anos de governo, principalmente.

Ao longo dos dois anos seguintes, Cunha Lima, do alto da máquina estadual e todo poder que ela proporciona, reverteria o quadro e venceria a eleição para governador de 2006, no segundo turno, um resultado que poucos acreditavam dois anos antes. Como explicar uma reversão tão expressiva do quadro eleitoral? A chave para o entendimento dessa questão está na ação administrativa do governo Cássio Cunha Lima.

Comecemos, portanto, a análise daquela eleição por uma breve avaliação do primeiro governo do PSDB (2003-2006).

O primeiro governo Cássio

O favoritismo maranhista decorria em grande medida da maneira desastrada como Cássio Cunha Lima administrara o estado nos dois primeiros anos. Cunha Lima assumira o governo em 2003, numa situação de claras dificuldades financeiras, decorrentes, principalmente, da situação nacional – Lula acabara de assumir o Governo Federal em meio a uma crise econômica que produzia desemprego, pressionava a inflação e reduzia o consumo interno, associada a uma grande instabilidade política que levou o dólar a superar a barreira dos R$ 4,00 no primeiro mês do governo petista, numa ação do mercado financeiro que tinha por objetivo pressionar o governo Lula a manter inalterada a política econômica de FHC.

Lula assumira o governo em grandes dificuldades por conta dos problemas financeiros (a dívida interna, por exemplo, que em 1994 era de 65 bilhões de reais, pulara para mais de 1 trilhão de reais, em 2002, o que comprometia pesadamente as finanças do Estado com o pagamento dos serviços dessa dívida, e as reservas internacionais chegaram a um nível crítico, ficando abaixo dos 40 bilhões de dólares em dezembro de 2002, o que representou uma perda de 185 bilhões de dólares em todo o período do tucanato).

O Estado fora praticamente anulado, seja pela perda deliberada do controle sobre a política monetária, dando na prática autonomia ao Banco Central para defini-la, através dos “técnicos” do COPOM, seja pela perda do controle da política cambial, deixando que o mercado financeiro a determinasse em função dos seus interesses especulativos, seja por uma política de desregulamentação, com a criação, por exemplo, de agências reguladoras que substituíram o controle do Estado sobre a política de preços das tarifas das empresa estatais privatizadas, cujo objetivo era assegurar a alta lucratividade dos bancos e grandes empresas que as compraram, e das próprias privatizações, que produziram uma perda considerável de recursos e uma limitação da capacidade de intervenção do Estado no direcionamento das estratégias de desenvolvimento, que também deixaram de existir.

Mas, no curto prazo, em 2003, o maior problema era o mercado interno, que limitava a capacidade de crescimento econômico e não criava expectativas positivas de investimento e consumo. Tudo isso, é claro, reduzia a capacidade de arrecadação dos governos e, no caso da Paraíba, onde o novo governador pertencia aos quadros oposicionistas, a situação não apresentava boas perspectivas para viabilizar parcerias que permitissem o impulso inicial que todo novo governo necessita.

Diante de um quadro assim, Cunha Lima preferiu culpar o antecessor ao invés de expor com clareza as dificuldades pelas quais passavam as finanças do estado e trabalhar para superá-las. Nos 6 meses que se seguiram à posse, o então governador tentou se diferenciar não pela apresentação de um novo projeto político-administrativo, mas pela crítica sistemática ao governo anterior. Não apresentava idéias novas, mas velhas depreciações.

Para passar a idéia de caos financeiro, forçou os servidores a tomarem empréstimos para terem direito aos salários, quando na realidade desejava mesmo era criar uma sobra no caixa para fazer investimentos, ação que, por exemplo, contrastava com o aumento exorbitante da folha de pessoal através da contratação dos conhecidos aspones, que infestaram o governo desde então.

Cunha Lima Recorreu à paralisação das obras que estavam em andamento, herdadas do governo anterior, como a demonstrar o modus operandi familiar, numa repetição do mesmo erro que Cunha Lima I (o pai) cometera durante o seu governo, e que fez José Maranhão ganhar notoriedade como administrador ao sucedê-lo. Maranhão deu continuidade às obras não só do próprio Ronaldo Cunha Lima, mas do governador que o antecedera, Tarcísio Burity, e que haviam sido paralisadas, a exemplo do Hospital de Traumas de João Pessoa.

Em razão disso, como parêntese, é mesmo risível ouvir hoje o ex-governador se lamuriar por conta do atual governo dar continuidade às suas obras. Quando ele faz isso, ajuda involuntariamente a reforçar essa imagem que José Maranhão, de maneira esperta, deseja ressuscitar nos governados de hoje, e que vem a ser uma das peculiaridades mais marcantes a diferenciar o ex-governador do atual. Ao inaugurar uma obra começada no governo do seu antecessor, José Maranhão está, não custa nada reconhecer, defendendo o interesse público e agindo de maneira impessoal, mas está também reafirmando que não reproduz aquilo que se tornou uma das marcas dos Cunha Lima nos governos: não concluir obras começadas em governos de adversários políticos, deixando-as abandonadas.

Cássio Cunha Lima demorou excessivamente a perceber o erro político que cometia, o que só veio a acontecer após a contundente derrota sofrida nas eleições para prefeito, em 2004. Das 20 maiores cidades paraibanas, em 12 foram vitoriosos aliados de José Maranhão. Das 7 maiores cidades, que contavam à época com mais de 40.000 eleitores, em 6 venceram candidatos de oposição ao governo do PSDB.

Entre elas, João Pessoa, cujo eleito, Ricardo Coutinho, recém filiado ao PSB, fora eleito com o apoio do PMDB, que indicou seu vice, o que se constituiu em um dos fatores decisivos para Coutinho montar uma campanha vitoriosa, isolando as pretensões do PT de Avenzoar Arruda, que na eleição anterior para governador obtivera 27% dos votos da capital; e, principalmente, Campina Grande, que por 20 anos fora uma cidadela inexpugnável da família Cunha Lima, numa memorável vitória, em segundo turno, do peemedebista Veneziano Vital, por pouco mais de 700 votos, vitória comemorada em toda a Paraíba, especialmente em João Pessoa. As outras 4 cidades foram Santa Rita, Bayeux, Patos e Sousa.

Depois dessa expressiva derrota, Cássio Cunha Lima mudou sua postura. A mudança começou, claro, pela comunicação governamental, com uma poderosa campanha de marketing que procurava demonstrar que existiam obras em todo o estado. Até obras de pavimentação de ruas eram mostradas em horário nobre na TV. Nesse aspecto, Cunha Lima teve a contribuição decisiva do governo Lula, que forçou governadores que não gostavam de “enterrar obras” a investirem em saneamento básico, criando uma linha de crédito junto à Caixa Econômica Federal para isso. Foi o “Boa Nova”, um amplo programa de infra-estrutura sanitária que espalhou obras por todo o estado, especialmente por João Pessoa, onde o ex-governador acumulara um disseminado desprezo da população da local.

O novo slogan do governo tentou difundir a idéia de que não era de grandes obras que vivia aquela gestão, mas da preocupação com os mais pobres: “quem mais precisa, sabe o que o governo está fazendo” era o slogan que encerrava toda propaganda governamental. Ações como a dispensa da cobrança da conta de água para o consumidores de baixa renda ou do perdão de dívidas de antigos mutuários do sistema estadual de habitação – na realidade, uma venda dos créditos habitacionais, que o Estado receberia anos depois como saldos da operação, a uma empresa privada, e que resultou em grave prejuízo para o Estado, pois a antecipação de receita se fizera através da renúncia de parte considerável do que o governo viria a receber anos depois.

Além disso, destaquem-se as conhecidas “cirandas de serviço”, nas quais o próprio governador, em pessoa, por vezes aparecia para distribuir os tais “serviços”, entre eles, auxílios em dinheiro para a população mais pobre, com recursos do Fundo de Combate à Pobreza, especialmente criado para esse fim, já que ele não estabelecia nem critérios de distribuição dos seus recursos nem o público-alvo.

Apesar do nome, foi desse fundo que também saíram recursos cuja distribuição se converteu em mais um capítulo a revelar a indistinção entre o que o grupo do ex-governador considerava público e o que era privado, e a demonstrar que, para aquele governo, “quem mais precisava” não era exatamente quem menos tinha. Para os mais pobres, cheques de R$ 150,00; para amigos e aliados, cheques em valores superiores as dezenas de milhares de reais para diversos usos, entre eles caríssimos tratamentos dentários.

Dando continuidade a mutação, foi suavizada a postura de arrogância do governador, que tornou-se mais simples, mais acessível. Cássio Cunha Lima finalmente percebera que o mundo não estava aos seus pés. Especialmente, deixou de confrontar o Sistema Correio contra quem iniciara uma guerra em todas as frentes e a quem simplesmente ignorara nos dois primeiros anos de governo ao praticamente desconhecer os seus repórteres, atitude que voltou a repetir após a cassação. Não apenas passou a dar entrevistas como, quem diria!, a anunciar nos órgãos do poderoso sistema de comunicação.

O fato é que, impulsionado por essas mudanças, Cunha Lima melhorara significativamente sua imagem e isso passou a se refletir nas pesquisas. Para quem era tido como derrotado dois anos antes da eleição, Cunha Lima foi se tornando um candidato competitivo, o que prenunciava mais uma acirrada disputa.

Em fevereiro de 2006, por exemplo, segundo pesquisa Vox Populi, Cunha Lima já reduzira a diferença para 9 pontos percentuais e começava uma aproximação que acabaria por lhe dar mais uma vitória por uma margem mínima de votos, tanto no primeiro quanto no segundo turnos. Em agosto, o IBOPE já registrava a vantagem de 5% pró Cássio Cunha Lima. Veja o quadro da evolução das pesquisas abaixo.

Os erros da campanha de José Maranhão

José Maranhão tinha muitos elementos positivos atuando a seu favor. O primeiro: tinha um nome conhecido e consolidado em todo estado resultado do período em que administrara o estado e de onde saíra bem avaliado, tanto que se elegeu com relativa facilidade para o Senado, além de quase eleger seu sucessor, Roberto Paulino; o segundo: era aliado de Lula e tinha a seu lado uma ampla conjunção de partidos de esquerda (PT, PSB, PCdoB) da qual saiu, inclusive, o candidato a vice-governador, Luciano Cartaxo, do PT – é bem verdade que a situação de Lula e do PT não era tão confortável como a de hoje, depois de ter enfrentado uma das mais organizadas campanhas de difamação produzidas pela grande imprensa contra um governo, a do “mensalão”, que tornou a disputa presidencial mais acirrada do que normalmente seria; o terceiro: José Maranhão tinha o apoio da maioria dos prefeitos das 20 principais cidades do estado, que em 2006 representavam 49,9% do eleitorado e na eleição representou 51% dos votos válidos.

Ou seja, José Maranhão tinha ao seu lado as condições políticas mais propícias para conseguir o objetivo de se eleger Governador da Paraíba, mesmo enfrentando um concorrente comandando a máquina estadual. Entretanto, os problemas começaram na indicação do candidato a vice-governador, quando se criou um impasse entre o PSB, do prefeito Ricardo Coutinho, e o PT, situação que só se resolveu no último instante do último dia para a indicação da chapa majoritária, com a indicação de Luciano Cartaxo, que era líder da bancada do prefeito de João Pessoa na Câmara Municipal.

Não se sabe até que ponto a resolução desse impasse deixou seqüelas, mas ele acabou por expor publicamente fraturas políticas que, como se viu recentemente, tinham a ver já com a disputa de 2010 e o interesse de Coutinho de se candidatar ao governo. Por outro lado, a indicação de Cartaxo para a vice criou dois problemas: um, no interior do PT, pois lideranças do partido que estavam na lista dos candidatos apresentados, como o deputado Luiz Couto, com muito mais prestígio interno e externo, foram alijados da disputa por vetos de várias origens; o outro, na campanha, pois eleitoralmente, Cartaxo pouco acrescentou à chapa maranhista e esse, ao que parece, certamente é um problema que José Maranhão não quer ver repetido na campanha de 2010.

O PT, hoje, começa a incorrer no mesmo erro, aceitando vetos e deixando seu vice-governador isolado e na obrigação de defender-se sozinho, em alguns casos com a contribuição dos próprios companheiros de partido. Mesmo que a posição de Cartaxo hoje pareça insustentável, o lícito seria que o partido fizesse a sua defesa, e não ajudasse no seu processo de fritura. Mesmo porque essa questão do vice não será resolvida agora, sendo mais adequado esperar pelo menos até o mês de abril, quando o período de desincompatibilização passar e o quadro estiver mais claro a respeito das chapas que se formarão para enfrentar o esquema governista.

Outro problema foram as denúncias contra o então senador Ney Suassuna, forte aliado de José Maranhão e também candidato à reeleição ao Senado. Suassuna foi envolvido em denúncias de participação em esquemas de superfaturamento de ambulâncias, o que aconteceu exatamente durante a campanha.

Apesar do concorrente mais direto de Suassuna, Cícero Lucena, não tocar nessa questão no guia eleitoral, provavelmente para não receber como troco a lembrança do seu envolvimento na Operação Confraria, que o levara à prisão 1 ano antes, a cobertura nacional que era feita tornava desnecessária essa iniciativa do PSDB. Suassuna era exposto em cadeia nacional e Lucena erroneamente era preservado pela artilharia do PMDB paraibano.

Assim, esse “pacto de não-agressão” informal entre os dois candidatos acabou por beneficiar Cícero Lucena, atingindo não só a candidatura de Suassuna, mas também a de José Maranhão, que passou a se afastar de Suassuna temendo uma maior contaminação de sua campanha. Divisão produz mais divisão. E exército dividido tem grandes dificuldades de ganhar uma guerra.

Por outro lado, a campanha do PMDB apresentava graves problemas organizativos e de linha política, o que aparecia na campanha televisiva. Havia uma clara ausência de estratégia definida, especialmente no âmbito do discurso da campanha, que deixou de tratar, não se sabe por que, de denúncias importantes, como a dos valores liberados para aliados do governador com recursos de Fundo de Combate à Pobreza. Só a título de exemplo da falta de orientação política, foi antológica a abertura do primeiro guia eleitoral do segundo turno, quando foi mostrada inexplicavelmente a imagem do relógio da torre do Lyceu Paraibano parado, numa confusa cobrança a respeito da educação do estado e uma paupérrima metáfora sobre a administração do PSDB.

Acrescentaria, para não me alongar mais, os problemas que o candidato José Maranhão teve com as câmeras de TV. Certamente, os debates ao vivo lhe custaram preciosos votos por conta disso. Se eu pudesse fazer algumas indicações a um candidato como alguém que se posiciona no outro lado, em frente à TV, eu faria essas: trabalhar exaustivamente sua postura na frente das câmeras, principalmente o tempo de cada resposta, e evite ser cortado por não responder as questões no tempo estabelecido. Evitar, principalmente, ficar paralisado na frente delas, das câmeras. Não precisa ser artificial, mas é importante demonstrar estar à vontade para transmitir confiança ao eleitor.

Não é novidade para ninguém que muitas campanhas são decididas dentro de estúdios e em ilhas de edição, e muitos embates acirrados foram decididos em debates transmitidos ao vivo pela TV. Um candidato que não se prepara para enfrentar essa situação corre um sério risco de derrota.

Entretanto, a reversão do quadro eleitoral de 2006 em favor de Cássio Cunha Lima decorre de múltiplos fatores, entretanto, o mais relevante foi o uso eleitoral da máquina do governo estadual e do poder econômico, como ficou demonstrado pelo Ministério Público Eleitoral nos vários processos movidos contra a coligação liderada pelo PSDB durante a campanha.

2006: a máquina reelege Cássio Cunha Lima

Talvez em nenhum estado brasileiro, e provavelmente em nenhuma eleição anterior, tenhamos presenciado tantos crimes eleitorais e tão fartamente comprovados pela Polícia Federal, como aconteceu em 2006 na Paraíba.

Só para relembrar:

Foram cheques (cheques!) do governo estadual distribuídos livremente e sem nenhum critério previamente estabelecido;

Foi o uso escancaradamente promocional do Jornal do Governo do Estado, A União, inclusive com sua distribuição gratuita no dia da eleição como se fosse material de campanha;

Uma remessa de dinheiro, em maços guardados em envelopes amarelos e devidamente endereçados, foi apreendida pela Polícia Rodoviária Federal nas vésperas do primeiro turno, o que indica que provavelmente muitas e muitas outras remessas escaparam da vigilância do poder público (Federal) e devem ter atravessado o estado para remunerar uma imensidão de cabos eleitorais;

Um imenso saco plástico contendo dinheiro e contas a pagar foi arremessado pela janela de um edifício em João Pessoa após a invasão da Polícia Federal (sempre a federal).

E esses foram os crimes descobertos e com farta comprovação.E mesmo com tudo isso, a vitória cassista se deu por uma margem mínima de votos. Os números da eleição de 2006 revelam uma disputa de impressionante equilíbrio. Mas, os números podem revelar onde exatamente ocorreu o desequilíbrio que levou Cássio Cunha Lima à vitória.

A Paraíba tinha, em 2006, 2.573.766 eleitores aptos a votar. Desses, foram às urnas 1.900.486, ou 73,8%. Vamos dividir novamente o eleitorado paraibano de 2006 em 4 blocos, como já fizemos anteriormente:

1) cidades com mais de 20 mil eleitores (19 cidades), que totalizavam 1.286.115 (49,7% do eleitorado). Nessas cidades, foram obtidos 974.274 votos válidos (excluídos os votos nulos e brancos), o que representou 51,3% do total desses votos em todo o estado, ou seja, a maioria;

2) cidades com eleitorado entre 20 e 10 mil (37 cidades), que tinham 494.382 eleitores (19,2% do eleitorado paraibano). Nessas cidades foram às urnas (sempre votos válidos) 355.110 votantes (18,7% do total);

3) cidades com eleitorado entre 10 e 5 mil eleitores (68 cidades), que tinham 475.763 eleitores aptos a votar (18,5%). Nessas cidades, as urnas captaram 236.418 (17,6% dos votos válidos);

4) cidades com até 5.000 (99 cidades), cujo eleitorado era de 317.506 (ou 12,3% do total). Nessas cidades obtivemos 236.418 eleitores (12,4% dos votos válidos).

Nas cidades com mais de 40.000 eleitores, José Maranhão venceu com uma margem de quase 10.000 votos, o que representou uma diferença de 1% dos votos válidos desse colégio eleitoral, resultado, sem dúvida, muito aquém do que se esperava, especialmente por conta do apoio que o candidato do PMDB detinha dos prefeitos das principais cidades paraibanas. Tal resultado se deve especialmente à votação de Campina Grande, que mais uma vez desequilibrou a disputa em favor de Cássio Cunha Luma.

Enquanto em João Pessoa, onde se esperava um desempenho que desse uma confortável vantagem na disputa em favor do candidato do PMDB para enfrentar o poderio da máquina nas pequenas cidades por conta, principalmente, da liderança do prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho, o que se observou foi a ampliação da votação de Cunha Lima, comparada com a eleição de 2002. Quatro anos antes, o candidato do PSDB obtivera 30,5% dos votos; em 2006, Cunha Lima avançou para 39,2%, estabelecendo uma diferença de pouco mais de 58 mil votos.

É verdade que, em 2002, Roberto Paulino obtivera 41,6% dos votos, mas em razão da votação do candidato do PT, Avenzoar Arruda, que superou os 27% na capital. Ou seja, em 2006, José Maranhão não conseguiu sequer incorporar o potencial de votos que o PT e o PSB poderiam lhe dar. Especialmente levando em consideração que o eleitorado pessoense fora engordado em mais de 57 mil eleitores, um crescimento de 14%, ao passo que o de Campina Grande crescera apenas 5%, ou 13.151 eleitores.

Por outro lado, em Campina Grande, os percentuais dos dois candidatos cresceram: Cunha Lima obteve 64,5%, em 2002, e 66,7%, em 2006 (+ 2,2%), enquanto José Maranhão viu crescer sua votação em quase 10% em relação à votação de Roberto Paulino, em 2002, provavelmente em razão do acréscimo de parte dos votos petistas e do prefeito Veneziano Vital.

Entretanto, mesmo com o crescimento da votação do candidato do PMDB, isso não foi o suficiente para evitar que se estabelecesse uma diferença de mais de 72 mil votos, resultado que foi suficiente para praticamente neutralizar a diferença pró-Maranhão em toda a Região Metropolitana da Capital (João Pessoa, Bayeux, Santa Rita e Cabedelo, 4 dos 10 maiores colégios eleitorais do estado).

Em 2006, João Pessoa representou 18% de todos os votos válidos da Paraíba, e Campina 9%. Mas, se considerarmos que a diferença em todo o estado no primeiro turno foi de apenas 19.147 votos pró-Cunha Lima, Campina Grande foi mais uma vez decisiva para dar a vitória ao PSDB. Excluída a Rainha da Borborema, por exemplo, a diferença na Paraíba teria sido de mais de 50.000 votos em favor de José Maranhão, dando-lhe a vitória já no primeiro turno. Em disputas acirradas como foram 2002 e 2006, Campina Grande fez indiscutivelmente a diferença.

A manutenção dos percentuais cassistas de 2006 em relação a 2002 podem revelar, como hipótese, que pelo menos 1/3 dos campinenses votam em candidatos campinenses, independente das posições políticas, o que significa dizer que os outros 2/3 votam em alinhamento com suas opções político-eleitorais: ou seja, mais uma vez como hipótese, é possível afirmar que, em Campina Grande, nos últimos anos, 1/3 dos eleitores tem votado nos Cunha Lima em qualquer circunstância (são os “cunhalimistas”, contingente que conta, inclusive, com muita gente que se diz de esquerda), enquanto que, provavelmente, 1/3 se alinham a posições políticas opostas. Portanto, é esse 1/3 que é disputado pelas forças políticas e que decide as eleições. São os “campinistas”. As eleições de 2004 e 2008, que deram a vitória a Veneziano Vital contra a família Cunha Lima, parecem comprovar essa hipótese.

O resultado do segundo turno pode ajudar a corroborar ainda mais isso. Por exemplo, a votação de José Maranhão regrediu do 1º para o 2º turno: de 63.970 para 63.562, 408 votos a menos, ao passo que a de Cássio Cunha Lima engordou em 6.406 votos, de 136.706 para 143.112. Considerando que o número de votos válidos aumentou do primeiro para o segundo turno, cuja diferença superou a votação dos outros 4 candidatos, principalmente do campinense Davi Lobão, que obteve 3.827 votos na cidade, é lícito supor que Cunha Lima só pode ter aumentado sua votação agregando parte dos votos desse eleitorado “mais à esquerda”, que foi seduzido pela pressão “bairrista” do cunhalimismo.

Olhando para outras plagas, em algumas das 20 maiores cidades, os resultados de 2002 foram revertidos, mas, no cômputo geral, o beneficiário foi Cunha Lima: em Patos, que, em 2002, deu quase 10 mil votos de vantagem ao candidato do PSDB, em 2006 acabou por produzir uma vantagem de apenas 62 votos pró-Maranhão, uma reversão considerável de quase 10 mil votos para o candidato do PMDB; por outro lado, em Sousa, que em 2002 deu uma vitória de mais de 5.000 votos para Roberto Paulino, em 2006 o eleitorado da cidade ofereceu uma diferença de exatos 4.000 votos pró-Cássio Cunha Lima, determinando uma reversão nas mesmas proporções que a de Patos: 9 mil votos, se considerarmos que foi tirada não só a diferença estabelecida em 2002 (5.000 votos), como acrescidos 4.000 votos em 2006. Com um detalhe: nessas duas cidades, os prefeitos apoiaram José Maranhão.

Nas cidades com eleitorado entre 10 e 20 mil eleitores, José Maranhão também venceu, desta feita com uma diferença de 1,7%, proporcionalmente um pouco maior que a diferença obtida nas cidades com mais de 40 mil eleitores, mas em termos absolutos, que nesse caso é o que importa, foi uma diferença menor: 6.163 votos. 4 anos antes, Cunha Lima abrira uma vantagem para Roberto Paulino nesse eleitorado de pouco mais de 21 mil votos, o que representou uma expressiva, mas insuficiente, reversão do quadro em favor do candidato peemedebista.

Em resumo, se nas maiores cidades, com mais de 10 mil eleitores, que representavam quase 70% do eleitorado paraibano, José Maranhão, apesar de ter conseguido tirar a vantagem de quase 68 mil votos que Cunha Lima conseguira em 2002 sobre Roberto Paulino, e acrescentar uma diferença de 16.436 mil votos em 2006, além de ter vencido em 35 das 56 cidades, a diferença, entretanto e em função das expectativas, foi claramente insuficiente para assegurar-lhe a vitória, especialmente para quem disputava com um Governador e candidato à reeleição. Para Cunha Lima, haveria o restante do estado para buscar superar essa diferença e foi exatamente nas pequenas cidades que o então governador conseguiu os votos de que precisava para alcançar seu objetivo.

Cabe o registro de que, mesmo insignificante, a votação nas maiores cidades do candidato mais à esquerda (PSTU/PSOL), Davi Lobão, que nas cidades com eleitorado acima dos 20 mil eleitores recebera quase 19.229 votos, ou 2% dos votos válidos (10.791 dos quais só em João Pessoa), foi o suficiente para assegurar pelo menos o segundo turno naquela disputa, o que revela o grau de acentuada divisão do eleitorado paraibano, em 2006.

Um parêntese: Considero um equívoco dizer que essa divisão é de natureza partidária, como se o eleitorado tendesse a repetir o voto independente das circunstâncias em que se dão a eleição, como tentam fazer crer certas análises sobre as últimas eleições, e que devem ter “seduzido” o prefeito Ricardo Coutinho - apresentado como "fiel da balança" - a entrar nessa aventura, colocando em risco o patrimônio político acumulado à custa de muito esforço. Nas duas eleições, o fator que produziu o equilíbrio foi o peso da máquina do estado e que levou candidatos em clara desvantagem inicial a disputarem o cargo em igualdade de condições com adversários que, antes do jogo começar, levavam vantagem nas pesquisas. Roberto Paulino, em 2002, que também foi beneficiado pela conjuntura favorável à esquerda, e Cássio Cunha Lima, em 2006 - no caso do peesedebista, com todas as condições desfavoráveis (governo desgastado, filiado ao PSDB num estado nordestino francamente lulista). Assim, excluído o fato de serem governador, é difícil supor que, não fosse isso, os dois tivessem alguma chance em suas respectivas eleições.

Para corroborar isso, foram exatamente as pequenas cidades com eleitorado até 10 mil eleitores, que são historicamente mais suscetíveis à influência da máquina pública, que fizeram a diferença em favor do candidato do PSDB, em 2006. Nas cidades entre 5 e 10 mil eleitores (18% do eleitorado, é bom relembrar), Cunha Lima conquistou uma diferença de 16.589 votos (174.749 a 158.160, ou 52% a 47% desse eleitorado), diferença que sozinha, superou a vantagem maranhista conquistada nas cidades com mais de 20.000 eleitores (16.436).

A vitória de Cunha Lima, assim, foi determinada pelos resultados obtidos nas cidades com menos de 5 mil eleitores (12% do eleitorado). Nessas cidades, a vantagem em termos percentuais aumentou (53% a 46%), bem como a vantagem numérica, tendo Cássio Cunha Lima alcançado 125.292 votos contra 108.190 dados ao então senador José Maranhão, o que estabeleceu uma diferença de 17.102 votos pró-Cássio Cunha Lima.

Vejam mais esse dado: das 118 cidades onde Cunha Lima obteve mais de 50% dos votos, apenas 4 tinham mais de 20 mil eleitores (Campina Grande, Sousa, Cajazeiras e Queimadas); outras 14 tinham eleitorado entre 10 mil e 20 mil eleitores; e 100 tinham um eleitorado abaixo dos 10 mil eleitores. 20 das 118 cidades eram governadas por prefeitos do PMDB ou partidos aliados.

Mais do que qualquer outra eleição, a de 2006 comprovou o quanto a máquina estadual é decisiva para vencer eleições, especialmente em um estado como a Paraíba. Numa eleição considerada perdida, o ex-governador conseguiu seu objetivo que foi manter-se no comando do estado usando todos os artifícios que estavam ao seu alcance.

Mesmo que o uso despudorado da máquina estadual tenha lhe custado o mandato após a cassação, os mais de 2 anos que Cunha Lima manteve-se no governo tornou, como já dissemos por aqui, essa ação mais do que vantajosa (certamente para os critérios dele), mesmo que à custa de um profundo golpe nas instituições políticas do estado. Por esse motivo, causa tanta comoção, especialmente entre os pessoenses, vê Ricardo Coutinho de mãos dadas com Cássio Cunha Lima.

Por fim, quando nos referimos ao peso da máquina estadual, não estamos nos referindo exclusivamente ao que fez o ex-governador Cássio Cunha Lima para se eleger. Torço que para muitos ainda exista um limite ético. Quando falo do poder da máquina pública, refiro-me ao potencial que tem os governos estaduais de, ao centralizar verbas e distribuí-las com relativa liberdade, atrair com isso apoios políticos, especialmente das pequenas prefeituras. É da natureza do próprio sistema federativo brasileiro. O que configura um grave descuido dos que criaram a reeleição, vendo apenas seus objetivos de curto prazo, e não se preocuparam em criar também mecanismos para evitar isso que pode tornar uma disputa profundamente desigual.

2 comentários:

  1. PARABÉNS, PROFESSOR!
    "Mais do que qualquer outra eleição, a de 2006 comprovou o quanto a máquina estadual é decisiva para vencer eleições, especialmente em um estado como a Paraíba."
    ISTO NOS DIZ QUE RICARDO COUTINHO ESTÁ PRATICAMENTE DERROTADO, POIS NÃO? OU MARANHÃO NÃO VEM USANDO E ABUSANDO DA MESMA ARMA?
    AGUARDO SUAS NOVAS ANÁLISES.

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  2. Em seus dois posts você consegue explicitar claramente como a máquina do estado conta muito numa eleição. Nesse ponto, deve-se lembrar que a atuação de cássio se deu também e com muita força em JP - região metropolitana, alguns dos casos que você mesmo cita mostra isso. Um elemento a mais para explicar porque Maranhão não tenha atingido suas expectativas nessa região, sem falar a presença de Cícero face a face em suas bases.
    Isolando a eleição de 2006, a máquina parece que explicaria a vitória de Cássio, seria uma grande tentação, mas quando se inclui 2002, percebe-se que entre a máquina e a vitória há alguma coisa a ser colocada. Pode ser o prestígio e conhecimento dos candidatos, mas os dois tem muito disso. O que fica? (sorte...não creio)
    Não haveria uma ascendência de Cassio (sua família ou aliados mais chegados) sobre muitas pequenas cidades (incluindo aquelas próximas a Campina)? Uma ascendência que vai além da máquina pública? Aí não estaria a diferença?
    Esse elemento que falta poderia dar a vitória a Ricardo, via Cássio? Mas que elemento é esse? Ele estará com Ricardo/Cássio mesmo, ou com Maranhão?

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