quinta-feira, 3 de junho de 2010

José Maranhão e Cássio Cunha Lima: critérios para definir quem é quem na política paraibana e brasileira

Apesar de todo o debate em torno deles, poucos são os esforços de análise que procuram identificar onde estão localizados, hoje, no "amplo" arco político e ideológico brasileiro, José Maranhão, Cássio Cunha Lima e Efraim Moraes, as lideranças dos três principais partidos políticos da Paraíba (PMDB, PSDB e Dem).

Em geral, as apreciações feitas se restringem aos movimentos de cada um deles, às articulações, aos conchavos, enfim, ao turbilhão de acontecimentos que, por enquanto, antecedem ao início da campanha eleitoral. É como se apenas isso importasse e não houvesse espaço para o debate a respeito do que eles pensam, de como eles agem, seja no governo, seja na oposição. O pragmatismo, como é comum no meio jornalístico, excetuando-se honrosas exceções, como Rubens Nóbrega, invadiu a seara também dos "analistas políticos".

O desprezo por essas questões chega a tal ponto que parece que não existem diferenças entres eles, sendo apenas circunstanciais os aspectos que os opõem. E não vem a ser por outro motivo que para esses – infelizmente, ao que parece, a maioria – a aliança entre Ricardo Coutinho, um político até então considerado de esquerda, e Cássio Cunha Lima e Efraim Moraes, ambos representantes do conservadorismo político no estado e adeptos de práticas político-administrativas cujo combate foi exatamente o que deu projeção à ascensão do ex-prefeito de João Pessoa, como a apropriação familiar e patrimonialista da coisa pública, é um fato absolutamente normal e corriqueiro. Ser de esquerda ou de direita é apenas uma questão de ocasião.

Vamos fazer aqui um esforço de diferenciação entre eles para entender, se é que existem, as diferenças entre esses protagonistas políticos. Vamos começar por uma breve caracterização histórica de cada um deles e seus posicionamentos na correlação de forças atual na política nacional. Comecemos pelo governador José Maranhão.

Com origem na centro-esquerda trabalhista – o atual governador compôs os quadros do PTB até 1964, partido pelo qual se elegeu duas vezes deputado estadual. Como se sabe, o PTB era o partido de João Goulart e herdeiro do varguismo. O PSD, a outra base de apoio do varguismo, e a UDN compunham os partidos que abrigavam as lideranças políticas mais ao centro e mais à direita até 1964.

Em aliança com forças de esquerda, entre elas o antigo "partidão", o PCB, o PTB de João Goulart liderou uma ampla campanha por reformas de base e esse foi o principal motivo que o levou a ser derrubado pelo militares. José Maranhão filiou-se ao MDB em 1967, partido que reunia todas as personalidades e agrupamentos de oposição ao regime militar, inclusive os comunistas, instaurado pela força em 1º de abril de 1964. Nesse partido, que se tornou o PMDB em 1980, Maranhão permanece filiado até hoje.

O PMDB, por sua vez, converteu-se num partido-frente composto por grupos regionais, cuja composição hoje comporta uma miríade de posições políticas e ideológicas, expressas na atuação de personalidades que vão desde Roberto Requião, um político de centro-esquerda – nessa linhagem eu incluiria Antônio Mariz que, se vivo estivesse, provavelmente continuaria filiado ao PMDB, – a José Sarney, representante mais expressivo da política oligárquica que ainda subsiste no Nordeste. Como se sabe, Sarney entrou no PMDB para ser candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, e foi membro da Arena e do PDS até 1984, tendo apoiado o regime militar.

Não é por outro motivo que o PMDB não consegue ter, como partido, uma posição unificada nacionalmente. Sua fração mais à esquerda – e minoritária, – ficou na oposição ao governo FHC, enquanto a mais à direita foi para a oposição a Lula. A maioria "flutua" num pragmatismo que é a marca do PMDB atualmente: tanto compôs a base de apoio de FHC como a de Lula.

Em 1994, em razão do erro cometido à época pela esquerda, o PMDB paraibano, como Mariz com candidato a governador, apoiou a candidatura de FHC. O PMDB, que ainda abrigava os Cunha Lima e José Maranhão, podia ter tido uma posição de neutralidade caso a esquerda, capitaneada pelo PT, tivesse resolvido apoiar a candidatura de Mariz.

Diferentemente do que dizem hoje, por conta de ser José Maranhão proprietário de terra, o atual governador votou a favor da reforma agrária na Constituinte de 1987-1988 e em questões importantes, como direito de greve, inclusive para os servidores públicos.

Foi um discreto deputado federal até 1994, quando, naquele ano, foi escolhido pelo próprio Antônio Mariz como companheiro de chapa na disputa para o Governo da Paraíba, Mariz que é hoje um ícone da centro-esquerda paraibana, cujo espaço deixado com sua morte Ricardo Coutinho foi competente ao conseguir ocupá-lo.

Mariz recusara a indicação do candidato a vice (Carlos Dunga) feita pelos Cunha Lima, estopim provável de uma contenda que se prolonga até hoje. Mesmo tendo permanecido no cargo de governador por quase 8 anos até agora (3 no primeiro mandato, quando assumiu o cargo depois da morte de Mariz, 3 no segundo, quando deixou o cargo para candidatar-se ao Senado e 2 incompletos no atual mandato), José Maranhão não conseguiu criar sucessores à altura de sua liderança. Seus herdeiros (dois sobrinhos) provavelmente não conseguirão dar seguimento à trajetória política do tio.

No segundo caso, estão Cássio Cunha Lima e Efraim Moraes, dois filhos de tradicionais famílias políticas paraibanas e filiadas aos dois maiores e mais importantes partidos conservadores do país.

O primeiro ao PSDB, o partido da conservadora elite paulista, com subsidiárias em outras partes do país (como a da Paraíba), e representante mais legítimo dos interesses do capital financeiro e, no plano externo, do alinhamento com os Estados Unidos; o segundo, ao Dem, o herdeiro dos golpistas da antiga UDN, que apoiou o golpe militar de 1964, para em seguida tornar-se Arena, depois PDS, depois PFL e agora Dem. Reúne a fina-flor da direita brasileira, entre o quais Jorge Bornshausen e Marco Maciel. Foi também líder destacado desse partido o "coronel-eletrônico" Antônio Carlos Magalhães.

O Dem, felizmente, é um partido que caminha para tornar-se inexpressivo, depois de ter abrigado o reacionarismo da política brasileira, especialmente nordestina. Seu destino é ser como o velho PDS, que já foi PPR, PPB e hoje PP.

Da mesma maneira Cássio Cunha Lima, que foi um jovem que rapidamente envelheceu na política. Entretanto, estreou nela gerando grandes expectativas. Quando estudante universitário, participou do movimento estudantil de maneira discreta, mas se alinhando ao PCdoB quando estudante de Direito da antiga Urne, hoje UEPB. Recebeu inclusive o apoio dos comunistas do PCdoB na sua primeira eleição, em 1986, quando disputou uma vaga de Deputado Constituinte, tendo sido eleito pelo PMDB aos 23 anos, um dos deputados mais jovens do país.

Assim como José Maranhão, também eleito para Constituinte, Cunha Lima votou pela reforma agrária e pelo direito de greve. Como Maranhão, ganhou a qualificação feita pelo do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), que acompanhou o posicionamento dos constituintes, de "defensor do povo".

Mas, Cunha Lima, como eu disse, logo envelheceu. Abandonou a atividade parlamentar para se dedicar à administração pública. Elegeu-se prefeito de Campina Grande, em 1988, quando sucedeu o próprio pai, Ronaldo Cunha Lima, dando seguimento a uma "dinastia" que duraria 20 anos (1983-2003) e só foi interrompida pela vitória do atual prefeito da cidade, Veneziano Vital.

Em 1992, após o impeachment de Fernando Collor, Cunha Lima assumiu a Superintendência da Sudene no governo Itamar Franco, de onde saiu marcado por várias denúncias de corrupção e apadrinhamento. Depois, elegeu-se deputado federal e prefeito de Campina Grande por mais duas vezes.

Por um breve momento, flertou com o PT e iniciou uma aproximação calculada, cujo objetivo foi impedir a candidatura de Cozete Barbosa à prefeitura de Campina Grande. Cozete havia tido um grande desempenho eleitoral para o senado dois anos antes, em 1998, e seria forte candidata a dirigir os destinos da Rainha da Borborema na eleição de 2000.

Entretanto, o memento-chave que define a situação política tanto de José Maranhão quanto de Cássio Cunha Lima foi, sem dúvida, 2002, quando o país inteiro se dividiu novamente entre a esquerda e a direita na campanha presidencial. Cássio Cunha Lima tinha diante de si a oportunidade histórica de optar por alinhar-se a posições mais à esquerda, filiando-se a um partido, se não de esquerda, pelo menos de centro-esquerda. Como eu disse, havia se aproximado do PT, quando ofereceu, em 2000, os destinos da prefeitura de Campina Grande quando se afastou do cargo de prefeito para concorrer ao governo.

Entretanto, como si viu, isso era apenas teatro. Cássio Cunha Lima não só não podia prescindir do apoio da máquina pública, como deu forma exata ao seu conservadorismo político, deixando-se "seduzir" pelos milhões que o PSDB podia oferecer-lhe para campanha, tanto quanto pelo apoio da máquina do governo federal (FHC), ao apoiar a candidatura de José Serra, em 2002.

Cunha Lima selara seu destino: aninhara-se definitivamente nos braços da direita brasileira e paraibana, especialmente seu mais leal companheiro desde então, Efraim Moraes, e todo o séquito de políticos conservadores que o acompanha.

Enquanto isso, José Maranhão, então governador, conduziu o PMDB paraibano para os braços de Lula e deu importante contribuição tanto para eleição do petista na Paraíba, quanto para a consolidação do seu governo. Por exemplo, retrocedendo um pouco: onde estava cada um quando houve a tentativa de derrubar Lula durante a chamada "crise do mensalão"?

Despindo-nos dos preconceitos políticos largamente arraigados, e pelo equívoco bastante comum de tratar o Nordeste ainda sob o domínio político das antigas oligarquias rurais, como se o Nordeste tivesse não tivesse se modernizado – e feito isso reproduzindo e potencializando aqui as piores tendências do desenvolvimento brasileiro, – cabe uma pergunta: de que lados estão essas forças políticas na Paraíba nessa batalha histórica que o Brasil vive hoje?

Uma batalha entre aqueles que desejam e lutam hoje para construir um país baseado num sólido projeto de nação, sob a égide, finalmente, de um projeto de desenvolvimento com distribuição de renda e independência nacional, contra aqueles que anseiam por manter o Brasil no caminho que ele sempre trilhou no último século, caminho mantido à força pelo conservadorismo e autoritarismo das nossas elites econômicas, que sempre impediram a construção de qualquer projeto de mudanças estruturais no Brasil, para manter intocados o latifúndio, a concentração de renda, a dependência externa, a subserviência aos interesses do Império Americano.

São todos iguais? É exatamente em momentos como os que vivemos hoje que se delineiam nossas verdadeiras convicções. É quando sabemos quem é quem. Uma coisa, por exemplo, é a retórica esquerdista vazia ou carregada de preconceitos políticos, sem substância e por vezes irresponsável; outra é a consistência prática de uma trajetória moldada não pelo esquerdismo fácil, moralista e de classe média, mas pela consistência de uma trajetória originalmente construída em outro momento histórico, onde a política fazia algum sentido e as diferenças eram mais perceptíveis do que são hoje. Felizmente, esses tempos parecem estar voltando.

Os adeptos do pragmatismo, especialmente na esquerda, vão ter que se acostumar aos novos tempos que virão, onde essas diferenças vão ficar cada vez mais nítidas. Hoje, para muitos deles, até o apresentador Tony Show virou modelo de independência e "republicanismo", como eu ouvi da boca de um assíduo participante petista de programas de rádio via telefone. Para seu deslumbre, ganhou minutos de fama e os elogios de Tony Show. Ah, essa nossa esquerda!

Enfim, em futuro próximo, eles terão que se posicionar, ou seja, terão que voltar a fazer a verdadeira política, que deixará de ser mera retórica para ganhar uma dimensão prática quando chegar a hora do "vamos ver" no Brasil. Ou vocês acham que, caso Dilma Rousseff vença, o seu governo não aprofundará o modelo de desenvolvimento que ela diz representar e que Lula começou a implantar?

Por mais que se busque tornar irrelevante esse debate, no final das contas é disso que se trata. Sem maniqueísmos, mas com a clareza política de que a vitória de um ou de outro projeto afetará definitivamente nosso futuro como país. Para mim, definitivamente não é a mesma coisa a vitória de Dilma Rousseff ou de José Serra, bem como não é a mesma coisa a eleição de aliados ou adversários desse projeto na Paraíba.

Ricardo Coutinho mantém, por razões de ordem estritamente eleitorais, o apoio a Dilma Rousseff, mas no seu pragmatismo atual, não tenho dúvidas que, se fosse vantajoso apoiar José Serra hoje, ele o faria. É uma questão puramente matemática, onde as razões de ordem política ou ideológicas inexistem. Mas, independente de qualquer coisa, ele é o candidato de José Serra na Paraíba, e isso diz muito para mim.

E isso por que eu continuo acreditando que a prática é, senão o único, mas o mais importante critério da verdade.

Um comentário:

  1. Olá, gostei do seu artigo. Porém, não concordo quando declara que Ricardo Coutinho representa a direita, está aliado a ela por questões eleitorais. Do mesmo modo que o atual governador, está aliado a Dilma por questões eleitorais. Esse pseudo "defensor do povo" José Maranhão é o mesmo que impede vários concursados de trabalhar, como é o meu caso: passei, fui convocado a tomar posse, porém, não tomei posse e isso já faz um ano. É frustante ver o que o pseudo defensor do povo - José Maranhão esta fazendo conosco. Porém, se ele reijta concursados nós o recusaremos também. Abraços

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