segunda-feira, 19 de outubro de 2009

As chances de Dilma Roussef em 2010

Na última sexta, o jornalista Gutemberg Cardoso, no programa de rádio Correio Debate, do qual é um dos apresentadores, exibiu várias entrevistas que ele colheu durante a visita do presidente Lula às obras da transposição do Rio São Francisco, e que dariam pano pra manga. Entretanto, eu vou me restringir aqui, como introdução a esta postagem, a que ele fez com a ministra Dilma Roussef. Cardoso, antes de perguntar sobre a avaliação que a ministra fazia de suas chances na eleição de 2010, provocou-a repetindo algumas sentenças sobre o perfil político de Roussef. Ele reverberava, talvez com a intenção de colher alguma declaração mais incisiva que alterasse o comportamento retilíneo que Dilma Roussef vem assumindo em relação à sua candidatura, e que a grande mídia pretende que se tornem um fato, mas que são na verdade um esforço de construção de estereótipos: que Dilma não tem “carisma” e por isso não conseguiu empolgar ainda o eleitorado, que Dilma não tem “traquejo” político, que Lula não conseguiu transferir ainda a imensa popularidade que tem em forma de voto para sua candidata.

Dilma Roussef, como seria óbvio, discordou e eu destacarei aqui dois argumentos importantes que são o mote desta postagem: 1) que ainda falta muito tempo para a eleição e 2) que as pessoas quando forem às urnas em 2010 vão avaliar a gestão Lula, decidindo se querem a continuidade desse projeto ou se desejam retornar ao passado, elegendo um candidato da oposição.

Vamos seguir esse roteiro esboçado acima para exprimir o que eu penso a respeito da situação atual da disputa para presidente, tendo por base as pesquisas de intenção de voto.

O momento é de compor os exércitos para a batalha

Primeiro, a distância temporal do pleito. Isso é óbvio, mas é sempre bom repetir: um ano em política é uma eternidade. Ou seja, o quadro político tem muito a evoluir até o início da campanha, isto é, até as convenções partidárias; depois, tem a campanha em si, que é quando a onça inicia seu caminho em direção ao poço onde beberá água. Portanto, toda e qualquer “análise” sobre o que acontecerá na eleição de 2010 é pura especulação, tanto as que tem Serra como eleito ou as que o tem como derrotado. O mesmo vale para Dilma Roussef e também para Ciro Gomes.

Os sujeitos desse embate sabem disso. E sabem que o que está em jogo atualmente são as composições partidárias. Esse é o momento de arregimentar forças, montar composições partidárias, estabelecer o arco de alianças. É essa fase da guerra que está em pleno movimento, com uma nítida vantagem para Dilma Roussef. Dentro desse contexto é que verificamos a intensa mobilização, entre agosto e setembro, dos partidos de oposição articulados com a grande imprensa, cujo objetivo não era outro a não ser inviabilizar a aliança entre o PT e o PMDB. A “crise do Senado” – quantas “crises” o Brasil viveu desde que Lula assumiu a presidência? – foi apenas um capítulo desse jogo que tem a grande imprensa, ou o PIG (Partido da Imprensa Golpista), como prefere chamar esse oligopólio da informação o jornalista Paulo Henrique Amorim, como o principal jogador.

Como ficou óbvio, a crise do Senado não foi montada para buscar reformar aquela casa legislativa (a Globo tem esse tipo de preocupação?). Se a intenção denuncista desses meios de comunicação, um poderoso pool de empresas que reúne, entre outras, a Rede Globo e suas ramificações, a Veja, a Folha e o Estado de São Paulo, fosse mesmo a de reformar aquela casa legislativa, ela já teria iniciado uma campanha, por exemplo, para que a população debatesse mecanismos mais permanentes para tornar mais transparentes e acessíveis o funcionamento do Senado, com o mesmo ímpeto com que conseguiu derrubar, em seqüência, vários presidentes do Senado e um da Câmara dos Deputados. Mas não. O que se viu, como sempre, foi uma ação seletiva cujo objetivo foi a satanização de José Sarney e um claro esforço de preservar os (vários) parlamentares da oposição envolvidos nos diversos escândalos apresentados.

Um exemplo foram os “atos secretos”, gestados durante o exercício na presidência de Antônio Carlos Magalhães, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, com um detalhe significativo para os paraibanos: pela iniciativa do então Secretário do Senado, Ronaldo Cunha Lima, que nomeou um dos seus filhos para um cargo no Senado sem a devida publicidade do ato. Depois disso, esses atos ainda passaram por outras mãos paraibanas, a exemplo das de Efraim Morais. Quem lia o noticiário e os discursos da oposição, parecia ter sido tudo obra exclusiva de José Sarney, quando o próprio líder da oposição, Artur Virgílio, não era sequer citado entre o que perpetraram graves crimes contra o erário, como ter as contas de um hotel em Paris pagas pelo então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, e manter um assessor estudando em Londres com o salário pago pelo Senado. Até que, diante da resistência liderada por Lula para preservar o senador maranhense no cargo, com o apoio de parte da rede de informação alternativa que se tornou os blogs, começou-se o desmascaramento de mais essa armação golpista. Sem condições morais para pedir o afastamento de Sarney, a não ser entregando em uma bandeja a cabeça de figuras ilustres da oposição, o "escândalo" foi esquecido, restando o saldo do fim dos atos secretos no Senado.

Outro saldo dessa batalha decisiva foi a antecipação da definição do PMDB em favor da candidatura de Dilma Roussef, o que, numa situação normal, só deveria acontecer nos primeiros meses de 2010. Enfim, o tiro da oposição saiu mais uma vez pela culatra.

O que dizem as pesquisas hoje

As pesquisas hoje apontam uma vantagem de José Serra, que vem diminuindo em relação à Dilma Roussef: em março de 2008 era de 35 pontos (38% a 3%, segundo o Datafolha) e hoje, segundo a última pesquisa CNI-IBOPE, a diferença caiu para 20% (34% a 14%), isso quando Dilma enfrenta também Ciro Gomes, que também tem 14%.

Desconsiderando as claras manipulações dessas pesquisas, como a que aconteceu na última realizada pelo IBOPE em que os eleitores com nível superior foram engordados em 5% e os analfabetos emagreceram 5%, os dados dessas pesquisas são importantes por revelarem outros aspectos, em geral pouco destacados. Em termos efetivos o que vale mesmo, há um ano da eleição, são os dados referentes à pesquisa não estimulada, aquela em que o eleitor diz em quem vai votar sem ver o nome dos candidatos, e que capta a decisão do eleitor sem influência de nenhuma espécie: segundo a pesquisa CNT-Sensus de setembro deste ano, Lula seria votado por 21,2% dos eleitores, enquanto Serra teria 7,7% e Dilma 4,8%.

Um importante fator a influenciar o voto do eleitor é o grau de conhecimento dele pela população. Nesse quesito, segundo pesquisa da CNT-Sensus realizada em maio de 2009, José Serra leva grande vantagem em relação a Dilma Roussef: Serra é conhecido por 52% dos entrevistados e outros 42% já ouviram falar dele; enquanto isso, Serra é completamente desconhecido por apenas 3,7% do eleitorado. Já Roussef é conhecida por 32,8% da população, enquanto 39,2% já “ouviram falar” dela; 26,1% não conhecem nem ouviram falar em seu nome. Se considerarmos que provavelmente a quase totalidade desse eleitor que não a conhece tem origem pobre, e é normalmente um apoiador de Lula, Dilma tem muito a crescer em meio a essa faixa da população.

Por outro lado, quando perguntado sobre a definição de voto nos candidatos, 18,4% afirmaram ser em Serra o único candidato em que votaria, enquanto Dilma chega a 14%. Ou seja, os votos que Roussef tem hoje (14%) estão plenamente decididos de Dilma, enquanto quase a metade dos que dizem votar hoje em José Serra, poderiam votar em outro candidato. Nessa mesma pesquisa, por outro lado, 24,6 % disseram que não votariam em Serra de jeito nenhum, enquanto 23% afirmaram a mesma coisa em relação a Dilma.

Os números da rejeição a Dilma foram alterados mais recentemente pela verdadeira campanha organizada contra ela por conta de um improvável encontro com a ex-Secretária da Receita Federal, Lina Vieira, que afirmou, primeiro, que Dilma a pressionou para beneficiar um familiar de José Sarney numa investigação da receita; depois, voltando atrás, que Roussef tinha pedido apenas “celeridade” no processo. O fato é que a grande imprensa deu como verdadeiras as afirmações de Lina Vieira e como mentirosas as negativas de Dilma Roussef, num ato de explícita manipulação da “opinião pública”. Por outro lado, esconderam deliberadamente fatos importantes, entre eles o de Lina Vieira ser esposa de um ex-ministro de FHC, Alexandre Firmino, que também é íntimo colaborador de José Agripino Maia, com quem Lina Vieira se reuniu antes de depor na CPI. Vejam que um fato dessa relevância política passou “despercebido” pelo “jornalismo investigativo” de Veja e Cia.

Avanço ou retrocesso em 2010?

Entretanto, os dados que realmente importam nessas pesquisas é a avaliação positiva do governo Lula que, há quase 7 anos à frente do governo, só faz aumentar. Em setembro de 2009, quase 70% dos brasileiro consideravam o governo ótimo ou bom, 22% regular e apenas 9% reprovavam o governo. É com esse espólio que Dilma pretende contar em 2010 e que Lula, certamente, vai oferecer-lhe de bom grado.

Nesse aspecto, a discussão que tem sido mais relevante é se Lula conseguirá converter a popularidade do seu governo em votos para Dilma. Escuto muitas opiniões de que “voto não se transfere” e que Dilma não será beneficiária dos votos de Lula. Tais avaliações ou desconhecem os exemplos antigos e recentes sobre isso, ou são pura torcida. Desde 1986, o fenômeno da transferência de votos pode ser mais do que comprovado. Na eleição daquele mesmo ano, o PMDB chegou a eleger quase todos os governadores do país, à exceção do de Sergipe. Aquilo pode ser ou não considerado um fenômeno de transferência de votos. É óbvio que ali,tivemos a junção da grande popularidade do governo José Sarney e do Plano Cruzado com a máquina partidária do PMDB. E o mais provável é que duas máquinas partidárias importantes e complementares estarão juntas em 2010, o PT e o PMDB.

Em 1990, Orestes Quércia, então governador de São Paulo, elegeu um obscuro e desconhecido Secretário de Segurança para o governo paulista, Antônio Fleury Filho; em 1996, Paulo Maluf elegeu outro desconhecido para a Prefeitura de São Paulo, Celso Pitta. Numa onda recente, prefeitos bem avaliados tem conseguido eleger com alguma facilidade seus sucessores. Porque, e isso é uma questão que se torna clara só durante a campanha eleitoral, especialmente pela TV, o eleitor se defronta não apenas com os candidatos, mas com o que eles representam. Ou seja, o eleitor está ficando cada vez mais racional em termos de suas escolhas, preferindo outros atributos que não apenas, usando o termo em seu sentido popular, "carisma".

O exemplo mais citado pelos que não acreditam no fenômeno da transferência de votos é o de JK, que não conseguiu eleger o seu candidato, Marechal Lott, como sucessor na eleição de 1960. Um primeiro aspecto a ser ressaltado nesse exemplo é que, como acontece hoje, a mesma imprensa que comanda a oposição a Lula, era a mesma (na época, os jornais O Globo, Folha, Estadão), que orquestrava uma campanha “contra a corrupção” no governo JK, inclusive dando destaque às pregações golpistas de Carlos Lacerda, como já fizera antes contra Getúlio Vargas. Entretanto, esse não é e nunca foi o aspecto mais importante. Mesmo popular, o governo de JK vivia problemas econômicos, especialmente com alta inflacionária, apesar de ter sido aquele período (1956-1960), e talvez por isso mesmo, um dos de mais intenso crescimento econômico.

Ou seja, tanto para o longíquo ano de 1960, quanto para o vizinho ano de 2010, não custa repetir a famosa frase que James Carville popularizou durante a campanha de Bill Clinton, em 1992: "É a economia, estúpido!" Isso explica tanto a massacrante vitória que Lula obteve sobre essa mesma oposição, em 2006, mesmo depois de uma das mais impiedosas e desgastantes campanhas que qualquer presidente já teve contra si e seu governo, especialmente em ano pré-eleitoral, que foi a do "mensalão", e também explica porque, mesmo em "crise política permanente", Lula continua com a popularidade nas alturas. E em 2006, o Brasil apenas começava sua arremetida econômica.

Em 2010, o Brasil não só terá se recuperado da maior crise econômica planetária desde 1929, fato que deve ser atribuído à ação organizada do Estado brasileiro, mas apresentará um índice de crescimento próximo dos 5%. Além disso, o salário mínimo alcançará o patamar próximo dos 300 dólares (em 2003, quando Lula assumiu, ele correspondia a 65 dólares); mais ainda, teremos, entre tantos dados que explicam a avaliação positiva do governo Lula, a ampliação do Bolsa Família e a diminuição da desigualdade social e da concentração da renda. Números que nenhum presidente, a não ser Lula, na história do Brasil, tem para apresentar. Como disse a ministra Dilma Roussef em resposta ao jornalista Gutemberg Cardoso: o eleitor, especialmente o mais pobre, vai comparar inevitavelmente a vida que ele levava há 8 anos atrás, depois do governo do PSDB, e a que ele leva hoje, com Lula. Não serão apenas Dilma e Serra a serem comparados, mas Lula, Fernando Henrique e seus governos, dos quais os candidatos foram ministros importantes.

Além de tudo isso, existe o segundo turno, já assegurado pelas pesquisas de hoje. Dos candidatos em disputa, à exceção de José Serra, todos se alinham à esquerda e tenderão a apoiar o candidato desse campo que for ao Segundo Turno. É bom lembrar que, tanto em 2002 com em 2006, os candidatos do PSDB não conseguiram ultrapassar o patamar dos 40%. Esse patamar explica tanto a alta rejeição de Dilma Roussef, mesmo sendo a candidata menos conhecida, e o patamar de votos em José Serrá, que provavelmente (se até lá ele mantiver a candidatura) deverá chegar e estacionar nos 30% até o início da campanha. E esse é um problema para José Serra mesmo nas pesquisas de hoje: mesmo sendo o candidato mais conhecido, ele só consegue alcançar 49% dos votos em um eventual segundo turno.

Ou seja, o jogo de 2010 está em aberto. Mas, dificilmente o PSDB leva essa.

Em tempo: depois que inseri esta postagem descobri (adivinhem como!) através da Folha, e mais tarde no Jornal Nacional, que Lina Vieira havia "encontrado" sua agenda, o que, óbvio, levou todos os jornalistas dessas empresas a concluirem que Lina Vieira sempre falou a verdade. Vejam que insanidade: uma senhora, esposa de um ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso, afirma que, durante uma reunião com a ministra Dilma Roussef, na Casa Civil, recebera pressão para encerrar (depois ela disse "acelerar") uma investigação da Receita Federal contra um familiar de José Sarney. Não apresentou nenhuma prova do que disse e todas as versões dela sobre os fatos narrados em entrevista à FSP e depois em depoimento Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não foram corroboradas por ninguém. Sequer a data da reunião a mulher lembrava. Agora, dois meses depois, aparece a prova de todas as provas: a agenda particular da Lina Vieira! É insano, repito, que a grande imprensa continue dando credibilidade a essa história. Sobre isso, recomendo postagem do blog de Luis Nassif, intitulada Como o PSDB terceirizou a política (clique aqui para acessar). Abaixo, as versões de Lina Vieira sobre o encontro com Dilma Roussef na versão do blog Quanto tempo dura. Divirtam-se.

Um comentário:

  1. Você soube bem colocar como a mídia vem direcionando o noticiário contra o governo. E isso, creio, vai continuar ocorrendo, pois parece que a oposição (o partido: mídia, e o funcionário PSDB-DEM) não percebeu que o governo Lula imprimiu um novo padrão político e governamental (político, econômico e social). A população vai ver e querer manter tal padrão. Quem conseguir capitanear isso leva. Nesse sentido Serra está desgastado. Ainda, é preciso avançar no aperfeiçoamento deste padrão, e os candidatos mais a esquerda querem fazer isso, daí pode vir uma surpresa.
    Nesse sentido creio que os partidos devem se preparar melhor em termos programáticos para o Brasil pós-lula. Disso a gente sente falta...não é plano para ganhar eleição, mas para governar o país após o padrão Lula.

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