Nenhum Presidente da República teve as palavras e frases que pronuncia tão esquadrinhadas quanto Luís Inácio Lula da Silva. Tanto que recentemente, o diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel escreveu um livro só com as frases ditas por Lula durante a sua presidência, chamado Dicionário Lula: Um Presidente Exposto por Suas Próprias Palavras.
O título já indica o objetivo do livro: construir um perfil de Lula através das palavras que pronuncia, ou seja, reduzi-lo ao que Ali Kamel, que provavelmente se acha um gênio literário, acha que ele é, opinião que certamente é compartilhada por quase toda a "elite" brasileira: um parvo, um bronco, uma anta, como preferiu a pena asquerosa de Diogo Mainardi, enfim, um semi-alfabetizado que ousou sair do trabalho braçal para fazer política e se meter onde essa "elite" não o chamara. Tornar-se presidente, então, continuará sendo o pecado mais abominável que Lula cometeu e pelo qual jamais será perdoado, mais ainda porque quando terminar o exercício de sua presidência o Brasil sairá melhor, muito melhor do que quando ele tomou posse. E isso desmerece o queridinho dessa elite e modelo do intelectual paulista, Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, Lula na presidência demonstra que os modelos intelectuais dessa elite, se serviram para alguma coisa, serviram à finalidade de prejudicar o Brasil e seu povo pois eram referenciados, e muitas vezes produzidos, fora do Brasil.
Eis um outro motivo para tanto desprezo. Lula reafirma valores até então esquecidos, tanto por conta de idéias que circularam com muito vigor depois da década de 1990, como as que pregavam o fim das fronteiras nacionais (econômicas, políticas, culturais), traduzidas pela expressão "globalização", e que seduziu boa parte da nossa "intelligentsia", bem como pela diluição de um pensamento, digamos, classista, que afirmava o povo e sua cultura como fundamento da cultura nacional, em oposição à cultura tranplantada das elites econômicas, homogeneizadas por modos e modelos de comportamento padronizados na Europa e, mais recentemente, nos EUA. A chamada cultura de massas e a difusão de um padrão cultural baseado no mercado de consumo aproximou os gostos de parte dessa elite aos do povão, e todos, por exemplo, cantam hoje as mesmas músicas alegremente, de Aviões do Forró às bandas de pagode. Mas, isso é um outro assunto.
O fato é que, em termos ideológicos, o modelo cultural dessa elite continua sendo o que faz o corte entre o "popular" e o "erudito", mesmo que a superficialidade de uma mentalidade colonizada e intelectualmente nula seja confundida com "erudição". Ou seja, para essa elite, os gostos do povão são reprováveis enquanto que os dela constitui o modelo de distinção cultural. E o tratamento dado por ela a Lula expressa com limpidez mais que preconceito, desprezo pelo povo que lhe serve, nos ambientes públicos e privados.
Por isso, por mais vitoriosa que seja a gestão de um Silva na Presidência da República, haverá sempre um "mas" dessa elite a reprová-la. Lula vai visitar a mega-obra da tranposição do Rio São Francisco, são destacados ao invés dela o risoto, o whisky e as cantorias de que participou a comitiva presidencial. Lula dá uma entrevista a um jornalista da Folha de São Paulo sobre a crise econômica, em que o presidente esbanja domínio sobre o tema, explica o que foi a crise e como o Brasil, com a participação do Estado, conseguiu superá-la (para ler a entrevista completa, sem cortes, clique aqui), o que o jornal destaca em manchete principal é um único trecho dela, e fora do context, quando Lula trata da composição de forças do governo.
Veja a manchete: "No Brasil, Cristo teria de se aliar a Judas". Agora, a frase inteira: "Veja, quem vier para cá não conseguirá montar um governo fora da realidade política do país. Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação que teve um partido qualquer, Jesus Cristo teria que chamá-lo para fazer coalizão, porque essa é a composição de forças que tem no Congresso."
É claro que o exemplo colhido por Lula no seu afã de ser didático não é dos melhores, pois acaba ferindo a sensibilidade cristã num campo em que o melhor é deixá-la quieta (e não me venham os "ricardistas" fazerem analogias com a Paraíba. Lula enfatizou sua responsabilidade como Chefe de Estado e a necessidade de compor maiorias no parlamento, e não de composições eleitorais com os adversários de seu projeto de governo e de país, cuja hegemonia e direção são muito claras). Mas, ela evidencia uma característica de seu governo, que é claramente de coalização, mas com um claro conteúdo de transição para um novo modelo de desenvolvimento, o que permite reunir num amplo arco de alianças forças que desejam contribuir para esse projeto. Ou seja, o governo Lula não é um governo socialista, mas tem um nítido caráter de recomposição das bases de um desenvolvimento nacional, agora com distribuição de renda.
E talvez seja essa a origem do desprezo dessa elite colonizada.
Eu só fico imaginando se fosse Lula que desse a declaração abaixo.
Você leu o Dicionário?
ResponderExcluirVamos desprezar o rei e descobrir que estamos sozinhos no barco. Vamos replicar sozinho, pois não sabemos para onde ir, sem o nosso rei...
ResponderExcluirhttp://blogdovinicius.folha.blog.uol.com.br/arch2009-10-01_2009-10-31.html#2009_10-22_16_57_30-133507641-0
Eremildo,
ResponderExcluirTive oportunidade de folhear o "Dicionário" e ler alguns "verbetes". Trata-se de um apanhado de frases publicadas pela imprensa sobre diversos temas. O objetivo é desmoralizar o presidente e alimentar o preconceito contra Lula, com frases são totalmente descontextualizadas. Por isso, ão perderei meu tempo lendo irrelevâncias. Só leio o que me dá prazer e me instrui.
Muito bom ! Estava à deriva pelo google, digitei "elite colonizada"(lido com eles diariamente, tem hora que é bom ouvir outras opiniões pra desopilar) e encontrei esse artigo. Fiquei surpreso por ser de um conterrâneo (eita, é da Ufpb!). Parabéns.
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