A posição explicitada pelo ex-deputado Simão Almeida de que o PCdoB, até então o partido de esquerda mais alinhado ao projeto de Ricardo Coutinho, não sobe no mesmo palanque no qual também esteja Cássio Cunha Lima, expõe o grau de isolamento a que pode ser submetido o prefeito de João Pessoa, em 2010, especialmente em relação aos aliados tradicionais de esquerda. E, ao adiantar essa posição, Simão explicita pela primeira vez com uma clareza meridiana que o PCdoB pode não estar com Coutinho na eleição do próximo ano, como era o que tudo indicava há alguns meses atrás.
O PCdoB é o partido que melhor se porta diante de um quadro político marcado pelo aprofundamento do conflito entre dois dos seus aliados nos últimos embates eleitorais, o PSB e o PMDB. Esse mesmo conflito está rachando ao meio o PT e provocou, provavelmente um fato único na história política brasileira, a debandada de toda a bancada estadual e federal do PSB, o partido de Ricardo Coutinho. Entretanto, mesmo com todo esse vendaval que atinge as outras legendas de esquerda, o PCdoB parece navegar nas calmas águas da unidade interna, o que tem assegurado-lhe uma convivência tranqüila e aparentemente sem sobressaltos, tanto com o governador José Maranhão quanto com o prefeito Ricardo Coutinho. E participando dos dois governos.
É claro que facilita essa posição a concepção de partido centralizado que ainda preside o PCdoB, aliado a um permanente espírito de sobrevivência política que exige, mais do que tudo, jogo de cintura de suas direções, aliada, é claro, a uma análise apurada do quadro político. Os comunistas, no ambiente ideológico criado após o fim da Guerra Fria, não podem se dar ao luxo de cometerem erros. Suas decisões são medidas e cada passo importante é dado como se estivessem atravessando um precipício. E talvez seja por isso que, mesmo numa situação de defensiva ideológica, o PCdoB nas duas últimas décadas só fez avançar na sua representatividade política e hoje é um partido que almeja compor, sem que seja esse um objetivo inalcançável, uma bancada de pelo menos 26 deputados federais, um feito para qualquer partido comunista no Ocidente, principalmente um que ainda se afirma marxista-leninista.
Esse rigor ideológico, para muitos um tanto anacrônico, principalmente em tempos em que o “fim das ideologias” é propalado aos quatro ventos, tem sua consonância com uma política de alianças ampla - hoje o PCdoB defende uma aliança com o PMDB em apoio a Dilma Roussef para presidente - cujo fundamento é um projeto de nação e de soberania, mas que é também o seu fator delimitador a inspirar suas composições políticas. Trata-se de uma nítida estratégia defensiva, especialmente para um partido que já defendeu a luta direta pelo socialismo no Brasil. Essa definição estratégica acaba por aproximá-lo de outros partidos considerados hoje menos à esquerda, como é o caso do PT.
É por essa razão que a política de alianças desses partidos não comporta o PSDB e o DEM, representantes típicos do capital financeiro e dos grandes oligopólios estrangeiros, a exemplo daqueles que querem se apropriar do Pré-Sal, e do agronegócio. Por isso, não há também espaço para políticos da estirpe de um Cássio Cunha Lima ou de um Efraim Morais, que são a própria negação desse projeto.
Só Ricardo Coutinho não consegue enxergar isso. E ele ainda me sai com uma dessas pérolas para justificar a aliança com o DEM que vem a ser um verdadeiro malabarismo retórico: "aliança política não é questão de princípio, mas sim questão de estratégia". Dito assim, sem a observação do contexto, essa frase não quer dizer absolutamente nada. Vendo o contexto, ela diz tudo. Quando a escutei, lembrei-me imediatamente de outra frase, agora do comunista alemão e parceiro intelectual de K. Marx, F. Engels: “Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!”
Na mesma página do livro onde eu pesquei a frase acima, li outra, agora citada por Lênin, em referência aos futuros trabalhistas ingleses que não desejavam estabelecer limites para as alianças, e a quem o revolucionário russo não cansava de chamar de oportunistas: “Se se permite aos bolcheviques um certo compromisso, porque não permitir-nos qualquer compromisso?”, repetiam os insossos ingleses. Ou seja, se até os revolucionários russos faziam alianças que envolviam compromissos, porquê os direitistas ingleses não podiam realizá-las com quem eles bem entendessem, assumindo os compromissos que delas resultassem? Lênin defendia a necessidade dos comunistas de realizarem alianças, mas poderava os objetivos delas. Enfim, se tivéssemos que usar uma outra frase para sintetizar essa polêmica, usaríamos essa: “nem tanto à terra nem tanto ao mar”. Ou seja, é impossível fazer política sem realizar alianças, mas elas tem sempre um objetivo maior. Quando Ricardo Coutinho, que se diz de esquerda, criou propositadamente uma oposição entre princípios e estratégias ele apenas confirmou o que eu disse aqui antes: que as alianças, para ele, devem estar circunscritas às ocasiões de cada embate político, sendo o conteúdo (estratégico) delas o que menos interessa. Se é falsa a oposição entre princípios e estratégia, é falso desconsiderá-los na realização delas. Senão, a política vira um vale-tudo.
Como eu sou daqueles que ainda pensam que a estratégia continua a definir a tática, é necessário para que eu leve a sério o que disse o prefeito em tom solene (“aliança é questão de estratégia”), e para que eu entenda o sentido do que foi dito, ele teria que me tirar uma dúvida: que estratégia?
A de trazer de volta ao governo o grupo Cunha Lima? A de ajudar a eleger Cássio Cunha Lima e Efraim Morais para o Senado? A de reforçar o palanque dos adversários de Lula na Paraíba? E, é claro, todas elas reunidas na mãe de todas as estratégias, que é o limite que a cabeça política de Ricardo Coutinho pode apresentar hoje como projeto de sua candidatura, que é a de renovar a política paraibana. Bela contribuição estratégica nosso prefeito pretende dar ao país com a ajuda dos paraibanos!
Sei não... Se for desse jeito, eu prefiro continuar o velho dinossauro de sempre.