terça-feira, 16 de março de 2010

PT: UMA HISTÓRIA EM 3 ATOS (1998-2010)



Pretendia concluir essa séria de postagens sobre a história do PT com esta que apresentamos agora. Isso não será possível. Talvez, na medida que o tempo permita (as aulas da UFPB recomeçaram), com mais duas eu consiga concluir a série: mais uma sobre a eleição de Lula, em 2002, e mais outra sobre o seu governo.

Nesta, como você verá abaixo, concentrei minha atenção no segundo governo FHC, especialmente sobre o chamado "apagão elétrico" e suas repercussões na vida dos cidadãos comuns, que pagaram até bem pouco tempo essa conta.

O segundo governo FHC: crise, crise, crise...

O início do segundo governo Fernando Henrique Cardoso, ao contrário de representar a consolidação de um ciclo iniciado com eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989, representa, na verdade, o início do seu fim.

Se no primeiro governo, FHC realizou a sua “grande obra” para a qual ele fora eleito, no segundo veremos o desenrolar de sucessivas crises, como se FHC apenas plantasse o que semeara nos primeiros quatro anos, quando a capacidade de ação do Estado foi praticamente anulada e a dependência financeira externa tenha se tornado o Brasil um país completamente sem soberania.

O primeiro sintoma disso aconteceu antes mesmo de FHC tomar posse no seu segundo mandato presidencial. Como já nos referimos anteriormente, a crise asiática e depois a crise da Rússia, que levou aquele país à moratória, provocou sérios impactos nas economias de países “emergentes” como o Brasil.

Num único dia, a Bolsa de Valores de São Paulo teve uma queda de 14,9%, ocasionando ataques especulativos contra o Real através de uma corrida ao dólar, o que provocou pesadas perdas nas reservas cambiais (em alguns dias, o Brasil chegou a perder mais de 12 bilhões de dólares!).

A receita tucana para enfrentar essas crises foi a mesma: aumento das taxas básica de juros, que estava em 20,3%, e mais do que dobrou, atingindo o patamar de 43,4% ao ano, à época a maior taxa de juros do mundo, e corte nos gastos públicos.

A alta dos juros objetivava, principalmente, manter a sobrevalorização do real frente ao dólar, a “âncoras” mais importantes a sustentar a estabilidade da moeda, bancada através de financiamento externo. Necessitando dos dólares em fuga, o governo federal, para dar segurança aos “investidores” externos, tomou emprestado ao FMI 41 bilhões de dólares.

Mesmo assim, os ataques especulativos à moeda continuaram quanto mais ficavam óbvios os sinais de fragilidades da economia brasileira. Incapaz de manter sob controle o processo de desvalorização do Real, à custa de um provável comprometimento definitivo das suas reservas cambiais, como acontecera com o México, o Banco Central foi obrigado a aceitar uma desvalorização de mais de 70% da moeda imposta pelo mercado financeiro.

Em janeiro de 1999, o Real, que valia R$ 1,21, foi a R$ 2,10, o que acabou com o regime de “bandas cambiais”, determinando desde então um valor flutuante para o dólar. O Real tinha acabado e com ele o sonho dos “jornalistas econômicos” – que, segundo Paulo Henrique Amorim, não são nem uma coisa nem outra – de ver funcionar de maneira estável uma economia de livre mercado.

Ao contrário disso, o que se sucedeu à débâcle de 1998 foi um pesadelo para os brasileiros. No esforço de cumprir as metas estabelecidas pelo FMI e sistema financeiro, o governo federal não apenas não ampliou o investimento público em infra-estrutura, como promoveu um grande aumento da carga tributária, que passou de 29,7% do PIB, em 1998, para 35,9%, em 2002.

Em relação ao investimento público, o governo FHC começou e terminou com o mesmo percentual de investimento: 2,7% do PIB, incluindo as estatais. Ou seja, a única e exclusiva preocupação do segundo governo de FHC foi evitar o desastre monetário, com a volta da inflação, sacrificando o desenvolvimento econômico e prejudicando, principalmente, os trabalhadores, que foram vítimas tanto do aumento do desemprego como da queda na sua renda.

O "apagão": como os brasileiros pagaram (de várias maneiras) pela privatização do Setor Elétrico

O acontecimento mais exemplar a tornar palpável na vida do cidadão comum o que afirmamos acima foi o chamado “apagão elétrico”. Duas ações podem mostrar as responsabilidades políticas de FHC para o desastre econômico que foi o seu governo:

1. Ausência de investimentos das empresas privadas que “adquiriram” as estatais de energia elétrica privatizadas por conta da não obrigatoriedade dessas empresas em expandir seus investimentos – nem isso FHC cuidou de fazer;

2. Ausência de investimentos do Estado, especialmente para a expansão da oferta de energia através da construção de novas hidroelétricas.

O primeiro aspecto permite breves considerações sobre como foi realizado o programa de privatizações de FHC. Além de oferecer todas as vantagens para as empresas compradoras, como crédito público e certeza de lucro fácil, já que, especialmente no setor elétrico, os monopólios estatais apenas foram transformados em monopólios privados, os preços das empresas eram verdadeira pechinchas.

Só para termos um parâmetro a respeito disso, basta comparar o preço pago pelo Grupo Cataguazes-Leopoldina pela Celb (R$ 87 milhões). Só com a receita líquida do ano de 2007, isto é, sem os impostos (R$116,3 milhões), os donos da hoje chamada Energisa comprariam quase 1 Celb e meia.

O negócio é tão bom que os custos com salários e encargos sociais dessa empresa no mesmo ano de 2007 foram de apenas R$ 9,1 milhões de reais, ou seja, o que corresponde a menos de 10% da receita líquida da empresa. E a Energisa ainda hoje continua demitindo e transferindo setores que funcionam na Paraíba para a matriz, em Minas Gerais. Isso tudo porque não comparamos ainda com o lucro líquido de todo o Grupo Cataguazes-Leopoldina de apenas 1 ano, novamente o de 2007, que foi de R$ 327.758 milhões! Com tudo isso, é fácil concluirmos o grande negócio que foi feito com as privatizações.

A falta de investimento privado pode explicar, em parte, a razão de lucros como esses, mas a lucratividade dessas empresas foi ajudada principalmente por reajustes acima da inflação, que inflaram os seus cofres. Em 1998, auge do programa de privatização brasileiro, calcula-se que uma família de classe média, formada por quatro pessoas e com renda mensal de R$ 2 mil, gastava entre 1% e 2% de seu orçamento com a conta de luz. Cinco anos depois, isto é, em 2003, essa mesma família, com o mesmo salário, desembolsava entre 8% e 11% dos rendimentos com o serviço.

O quadro abaixo mostra a trajetória dos índices de reajustes de energia elétrica entre 2000 e 2008, em seguida, os índices de inflação.

Quando comparamos os índices de reajustes tarifários com os índices de inflação, veremos a razão do peso cada vez maior da energia na renda das famílias paraibanas. A diferença entre os reajustes de energia dado aos serviços prestados pela Saelpa, que engloba toda a Paraíba, excluindo a região polarizada por Campina Grande, e a inflação do período chega a 44,71% acima da inflação. É isso que explica porque essas empresas se apropriaram de maneira ilegal de mais de 10 bilhões de reais dos consumidores nos últimos anos e se recusam a devolver, mesmo com o “erro” reconhecido. Para isso elas contam com a proteção da Aneel, agência criada por FHC para regular o setor elétrico e que conta com autonomia diante do Poder Executivo.

Quanto à falta de investimento público na produção de energia elétrica, o gráfico abaixo mostra a evolução dos investimentos das estatais por seu respectivo setor, de 1950 a 2002. Observe abaixo a queda abrupta desses investimentos, especialmente depois de 1988, quando o empresariado brasileiro adere ao neoliberalismo.

(fonte clique aqui) .

O resultado não podia ter sido outro que não o “apagão elétrico”, que começou no ano de 2001 e se prolongou ainda por 2002, causando graves prejuízos à economia do país.

E um acontecimento com esse teria levado qualquer empresa que vendesse energia elétrica a grandes prejuízos, não é mesmo? Essa lógica se inverte quando se trata das empresas privatizadas do setor elétrico brasileiro.

Pois bem, com o racionamento de energia elétrica patrocinado pelo governo FHC, em grande medida proveniente da desobrigação dos novos donos das empresas privatizadas em fazer os investimentos que prometeram no setor, além da ausência dos investimentos do próprio governo na ampliação da produção de energia, durante o “apagão”, o BNDES abriu linha de crédito para financiar os prejuízos dessas empresas, calculados por elas mesmas em 90% por conta da redução obrigatória do consumo.

Entretanto, para financiar o pagamento desses esses empréstimos, a ANEEL e o Governo Federal criaram a chamada Revisão Tarifária Extraordinária,cuja finalidade”, segundo a Energisa, “era permitir que empresas de distribuição, como a Emissora e as outras Distribuidoras do grupo, recuperassem, no futuro, parte da receita perdida e quitassem o empréstimo do racionamento do BNDES mencionado acima”.

Além disso, parte do arrecadado com essa “revisão tarifária” foi repassado para as empresas de fornecimento de energia, também atingidas pelo prejuízo ocasionado pelo racionamento. Em síntese, além do Governo FHC forçar a população às dificuldades de racionar energia, foi essa mesma população que pagou esses prejuízos, ao ver repassados para ela, na forma de aumentos nas tarifas, os empréstimos que as empresas de produção e distribuição de energia elétrica pediram ao próprio Estado para cobrir seus prejuízos.

Ou seja, os consumidores perderam dos dois lados, e as empresas ganham em qualquer circunstância. Pelo menos, esses consumidores tiveram o consolo de pagar para que as empresas financiassem esses empréstimos em 71 suaves prestações.

Infelizmente, a história não acaba por aí. Como a Energisa não conseguiu cobrir todos os “prejuízos” com o apagão cobrando dos seus consumidores, restando um saldo a pagar para à empresa de R$ 29,1 milhões, correspondentes as “dívidas” da antiga Saelpa e CELB, essa “dívida” foi contabilizada como “outras despesas operacionais” e incluídas nos custos da empresa, o que quer dizer que todos os consumidores tiveram que assumir o ônus através de repasses para o valor da tarifa.

Para completar, os valores acima foram acrescidos, ainda segundo a própria Energisa, dos R$7,1 milhões “do saldo do passivo regulatório de RTE (Energia Livre) não faturado no prazo de recuperação em contrapartida de ‘outras receitas operacionais’.” Tradução: fomos nós que pagamos também a conta aos fornecedores da Energisa.

Esse caso, por si só, demonstra o caráter absolutamente contrário aos interesses da sociedade quando empresas privadas controlam setores essenciais ao desenvolvimento econômico e social, especialmente porque tal estrutura foi montada para que evitar que tais empresas nunca percam.

Portanto, o termo “apagão” vai além do seu significado prático para a vida econômica da nação e das pessoas comuns. Ele expressa, em termos simbólicos, o início do fim de uma era, curta, é verdade, mais intensa o suficiente para promover profundas alterações na economia e na sociedade brasileiras. Em termos políticos, ela expressa a decadência de um bloco de poder que governou o Brasil por 8 anos de maneira incólume e, com a ajuda da grande imprensa, tornou palpável nos debates (ou por conta da ausência deles) o significado da expressão “pensamento único”. O “apagão”, com sua pedagogia insuperável, ensinou ao povão o que era esse tal de “neoliberalismo” e, mais do que isso, o que era essa tal “hegemonia tucana”.

O fim dessa hegemonia já se prenunciara mesmo antes do apagão, quando o desempenho dos candidatos do PT na eleição para prefeito em 2000 tinha sido surpreendente, revelando já o estado de ânimo do eleitorado com a situação do país. Se em 1996, o PT elegera apenas 2 prefeitos de capitais (Porto Alegre e Belém), e mais 113 prefeitos em todo o país, obtendo naquela eleição 7,94 milhões de votos (10,7% do total), em 2000 o PT abocanhou 6 prefeituras de capitais (São Paulo, Porto Alegre e Recife, Goiânia,Belém e Aracaju), obtendo 11,38 milhões, um crescimento eleitoral de mais de 40% com uma votação concentrada nos grandes centros.

Era Lula, finalmente, chegando lá.

Continua...

Para concluir a série sobre a história do PT: 1) Rumo a 2002: do Programa econômico do PT à Carta aos Brasileiros; 2)O Governo Lula: rumo a um novo modelo de desenvolvimento

2 comentários:

  1. meu deus não entendi nada, a gente tem q ler tudo existe coisa melhor q isso

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