segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Prisão de Dirceu e Genoíno: esse jogo ainda não terminou

Dirceu e Genoíno na hora da prisão: quem desejava vê-los tentando esconder seus rostos,
a imagem que fica é de dignidade. O tempo, mais uma vez, será o senhor da razão para todos nós

Passados alguns dias da decretação das prisões de José Dirceu e José Genoíno e amenizadas as inquietações com o futuro de nossa justiça e de nossa democracia, já me é possível registrar as primeiras impressões pós-julgamento, que, segundo a grande mídia, foi o “maior da história”.

Talvez tenha sido mesmo. E por razões várias. Mas a principal delas é que julgar e prender petista é fácil. Eu quero ver quando chegar a vez, se chegar, do PSDB e do banqueiro Daniel Dantas, só para citar dois processos de gente economicamente poderosa que dormitam empoeirados nas prateleiras do STF.

A comoção da classe média e da mídia contra a corrupção permanecerá a mesma? Eu duvido muito, e só bastará isso, e apenas isso, para comprovar o caráter político desse julgamento do “mensalão”.

Ou de exceção, como preferiu Genoíno. Ou um ponto fora da curva, como diriam os estatísticos ao analisar o histórico de decisões daquele imaculado tribunal.  

Só para lembrar um fato da história edificante de juízes como Gilmar Mendes, um dos “varões de Plutarco”, como Mino Carta gosta de designar com ironia esse paradigma de dignidade da nossa classe média. 
Gilmar Mendes, duas caras, duas medidas: com uma, ele trata banqueiros, com a outra, petistas
Foi o mesmo Gilmar Mendes que, batendo na mesa cobrando diante das câmeras mais seriedade dos outros ministros no julgamento do mensalão, que concedeu, em menos de 24 horas, dois Habeas Corpus para libertar o banqueiro Daniel Dantas, que, como se sabe, é sócio da filha de José Serra e enriqueceu durante as privatizações do governo FHC.

Mesmo com um vídeo gravado pela PF em que comprovava a tentativa do banqueiro de corromper um policial pela bagatela de 1 milhão de dólares! Gente assim não é pra ser julgada mesmo.

Um outro detalhe foi a preocupação obsessiva da mídia com José Genoíno e, principalmente, José Dirceu. Não sei porque – isso é uma dúvida retórica – eu fiquei com a sensação de que apenas os dois foram presos naquela fatídica sexta-feira da Proclamação da República.

Foi como se todo aquele espetáculo jurídico-midiático dos últimos meses tivesse sido preparado para ter como corolário a prisão dos dois, especialmente Dirceu, o que deveria ter acontecido há um ano atrás, nas vésperas das eleições de 2012, quando tudo fora meticulosa e apressadamente preparado.

Mesmo com todo aquele espetáculo, o petista Fernando Haddad foi eleito prefeito da maior cidade do país. 

Pena que desta vez a Polícia Federal tenha se recusado a oferecer carniça às hienas, e, ao invés de apresentar Dirceu e Genoíno algemados, permitiu que os dois se entregassem com a dignidade que só suas histórias pessoais poderia lhes conceder, de punhos cerrados, como a afirmarem para o mundo que continuavam de pé.

E estão mesmo. Mais ainda porque os únicos que se mobilizaram para recepciona-los na sede da PF, em São Paulo, foram apoiadores, que não se sentiram nem um pouco constrangidos com a presença ostensiva da mídia.

O “povo”, a quem se atribuía a pressão pela condenação dos “mensaleiros”, pouco se comoveu com todo aquele espetáculo, especialmente porque ele sabe a trajetória de quem acusa os petistas.

Muito pelo contrário – e isso pode dar o tom dos futuros embates políticos no país, se Dilma Rousseff não se acovardar diante do poder midiático, – havia disposição e, principalmente, indignação, expressão tão ao gosto dos “coxinhas”, como ficou conhecida a classe média moralista e desinformada, consumidora e propagadora de um rancor visceral contra Lula, seu governo e o PT.

Roxin: "Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato,
emitido a ordem. E isso deve ser provado"
A preocupação com Dirceu e Genoíno era tanta que só se aperceberam da fuga de Henrique Pizzolato para a Itália depois que ele não se apresentou à PF.

E esse acontecimento tem uma relevância que pode trazer preocupações adicionais para essa maioria do STF e para a imagem internacional da nossa Justiça, já fortemente abalada por conta da desautorização de um dos criadores da Teoria do Domínio do Fato, Claus Roxin, largamente utilizada para justificar a condenação, sem provas, tanto de Genoíno quanto de Dirceu.

Veja como O Globo tratou dessa questão quando começou o julgamento, que sumiu do noticiário após intensa polêmica jurídica:

“A teoria do domínio do fato, uma das mais temidas fórmulas de responsabilização criminal em processos com vários réus, serviu de referência a votos de condenação proferidos nos últimos dias pelos ministros Celso de Mello, Rosa Weber e Luiz Fux no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF)

O próprio Roxin, consultado, desmoralizou a forma como estava sendo utilizada essa teoria pelo STF, também uma “inovação” no nosso direito.

Segundo ele,

"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado", e que ”É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública. Clique aqui 

Quem quiser ler mais sobre essa teoria e sua aplicação no julgamento do mensalão clique aqui, aqui, e aqui

Gandra e Lembo, conservadores que ajudaram a quebrar o "consenso" e
ajudaram a desmascarar a farsa do julgamento do "mensalão". 
E quem acha que a opinião de que José Dirceu  foi condenado sem provas é coisa de petista, leia as opiniões de juristas conservadores, como Ives Gandra (clique aqui) e Claudio Lembo (clique aqui), que, em razão de suas posições políticas, podem ser considerado isentos nesse debate. Para uma demolidora síntese dos trabalhos do Supremo antes e após a prisão dos réus, leia artigo de Inez Nassif aqui .

Pois bem. O julgamento na Itália de Henrique Pizzolato pode pôr a nu essas manobras jurídicas que permitiram a condenação de réus sem as devidas provas, o que significará uma desmoralização da Justiça brasileira. 


Nessa questão, o que está em jogo não são as pessoas envolvidas apenas, mas as instituições da democracia brasileira. Se não é possível fechar os olhos para a disputa política, que pelo nenos se pense no nosso futuro como povo.

Dirceu e Genoíno, por outro lado, vão recorrer à OEA. Nesses tribunais internacionais, a influência da grande imprensa brasileira não terá relevância e teremos julgamentos e juízes mais isentos.

E, nesse caso, mais do que Dirceu e Genoíno, quem estará no banco dos réus serão os juízes do STF, especialmente Joaquim Barbosa. Teremos, enfim, a oportunidade de desvelar o caráter parcial e político desses juízes?

Enfim, para quem acha que terminou, esse jogo está apenas começando. Mais lances virão na eleição de 2014.

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