Mas não foi para falar sobre assuntos da universidade que Nepomuceno ligou. Ao lado dele, estava o prefeito de Campina Grande, que desejava "dirigir-me algumas palavras". Com o fone na mão, e com a polidez que, provavelmente, o acompanha até em conversas informais – tudo bem que, até então, eu era um desconhecido para ele, – Veneziano cuidou logo de, após os cumprimentos de praxe, entrar no assunto que motivara a ligação: a postagem que eu inserira neste blog que tratara de sua cassação.
Vital do Rego desejava esclarecer alguns pontos que, segundo ele, não foram suficientemente elucidados e que, depois da guerra de informação e contra-informação que sucedeu o anúncio da sentença que cassou seu mandato, eram de importância capital para que mentiras não prosperassem.
Como eu próprio não tinha informações precisas sobre o acontecido, escutei com atenção o que o Prefeito de Campina Grande, que derrotou os Cunha Lima por duas vezes, tinha a dizer, tendo eu apenas pedido um instante para que me armasse, como jornalista que eu não sou, de caneta e papel para que nada de relevante do que disse Veneziano me escapasse.
A intenção desta postagem não é convencer ninguém, nem da culpabilidade nem da inocência do meu interlocutor. O esforço que faço agora tem por princípio a busca constante, senão de uma "verdade política", mas daquilo que considero legítimo no domínio dos embates e das argumentações políticas.
E essa legitimidade não está escondida num lugar que poucos podem achar, nem muito menos encoberta apenas pelo jogo de interesses que move todos os seus protagonistas. Para os observadores atentos da política ela não deve ser um diálogo de surdos mediado apenas pelo interesse dos antagonistas. A prática, como já escrevi aqui mesmo, é o meio pelo qual a política e a prática política tornam-se inteligíveis.
O resultado da conversa com Veneziano Vital e das anotações dela seguem abaixo. Peço apenas aos possíveis leitores a mesma atenção que eu tive quando o prefeito de Campina Grande, diligentemente, ligou-me para, em meios às agruras que deve ter se tornado o seu cotidiano após o anúncio de sua cassação, esclarecer pontos que ele considera necessários.
1. As contas de campanha de Veneziano Vital foram aprovadas, sem ressalvas, pelo então Juiz Eleitoral da 16ª Zona Eleitoral, Reginaldo Nunes. Esse mesmo juiz foi quem teve o trabalho de instruir a ação que pedia a cassação do prefeito reeleito, ação proposta pelo PSDB e seu candidato, o atual deputado federal Rômulo Gouveia, ainda durante a campanha de 2008. Entretanto, a sentença foi prolatada pelo juiz que passou a ocupar a titularidade da 16ª Zona Eleitoral, Francisco Antunes, que, como se viu, propôs um outro desfecho para a ação.
2. Veneziano Vital foi enfático ao afirmar que não houve transferência de recursos do Fundo Municipal de Saúde para a conta de sua campanha. Segundo ele, não há um registro sequer de qualquer depósito desse tipo feito, o que, como era de se esperar, foi facilmente comprovado pela análise das contas feitas pelo primeiro Juiz, Reginaldo Nunes, que aprovou as contas de campanha de Vital do Rego, bem como pelo próprio TRE, que negou recurso ao PSDB contra a aprovação das contas de campanha.
Todos os depósitos efetuados no "fatídico" dia em que nasceu o "Caso Maranata" foram feitos através da identificação dos doadores, todas elas pessoas físicas e com rendimentos compatíveis com as doações feitas. Tudo isso, segundo ele, está devidamente comprovado através das respectivas declarações de imposto de renda dos doadores anexadas ao processo. Portanto, não é verdadeira a informação de que cheques do poder público, especificamente do Fundo Municipal de Saúde, foram parar na conta de campanha do PMDB, como ainda hoje repetem muitos cassistas.
3. O polêmico cheque que causou toda essa pendenga jurídica resultou de um pagamento feito à Construtora Maranata pelo trabalho por ela realizado na construção de um centro de saúde, localizado no distrito de São José da Mata, obra concluída e em pleno funcionamento. A empresa foi paga, como é usual, com os recursos do Fundo Municipal de Saúde.
4. Quando Veneziano Vital, com paciência, começou a detalhar os acontecimentos que transcorreram naquele dia na agência bancária, e cuja falta de prática não me permitiu anotá-los com precisão, ao final da conversa, perguntei ao prefeito da possibilidade de ter acesso ao recurso que suspende a sentença de cassação, o que me respondeu positivamente.
O documento, que me foi enviado na última segunda, adentra o mérito da questão, permitindo que entremos na análise dos fatos para transcendermos o mero julgamento político do caso.
Sobre os fatos mencionados, que são de vital importância para o entendimento da defesa de Veneziano, um dos responsáveis pela empresa, como consta no citado documento, o Sr. Paulo Roberto Bezerra, tentou naquele "fatídico dia", por 3 vezes, sacar o dinheiro, não conseguindo por conta da indisponibilidade de recursos na agência, como atestam os funcionários do Banco do Brasil, arrolados como testemunhas no processo. O citado empresário foi orientado a novamente voltar no final da tarde daquele dia para sacar o cheque. A comprovação disso consta no processo, que cito abaixo, oriundo do questionário respondido pelo próprio gerente do Banco do Brasil.
"(c) no caso do saque requisitado pela Construtora Maranata haviam recursos disponíveis para o pronto atendimento?
Não. Não tinha numerário suficiente.
d) qual foi o procedimento adotado no referido caso?
O cheque n.º 850730 foi apresentado para sacar. No momento não tinha numerário suficiente para pagá-lo em espécie, [o portador] foi orientado a vir mais tarde."
Esse fato, segundo a defesa de Vital do Rego, põe abaixo a hipótese de que o empresário teria sacado o cheque e em seguida depositado na conta de campanha do candidato à prefeito. Para reafirmar isso, a defesa do prefeito de Campina Grande é enfática ao contestar o juiz:
"Isto porque, para proceder desta maneira [sacar o cheque e depositar na conta de campanha], o Sr. Paulo Roberto Bezerra não necessitaria – fisicamente – descontar o cheque e ter o numerário em mãos, bastando efetuar a operação inteira de maneira virtual, utilizando-se, para tanto, tão somente do sistema interno do banco."
Esse fato merece um esclarecimento. Pela versão original, que foi divulgada ainda durante a campanha de prefeito, a Construtora Maranata depositara um cheque do FMS na conta de campanha do prefeito candidato à reeleição. Depois, a versão foi modificada: o cheque fora na realidade sacado e "rateado" entre os assessores de Veneziano Vital e, só depois, foi parar na conta de campanha.
Essa versão é contestada assim pela defesa de Vital do Rego:
"Ocorre que os referidos documentos não têm o poder de trazer consigo o necessário liame entre os depósitos neles demonstrados e o cheque estudado na presente demanda.
"Os documentos citados pelo MM Magistrado para consubstanciar seu entendimento servem tão somente para reforçar a defesa do Recorrente, pois mostram os depósitos – referidos na peça de defesa – que foram levados a efeito com o numerário de seus doadores de campanha, pessoas ligadas ao mesmo, sem quaisquer impedimentos legais ou mesmo de fato, pois restou comprovado nos autos que todos aqueles doadores têm capacidade financeira suficiente para levar a efeito as doações constantes desta documentação.
Levanto nesse ponto duas questões para o debate, observando o fato apenas pelo viés estritamente jurídico:
- Qual o mecanismo para provar, de maneira inconteste, que aquele cheque específico foi convertido em dinheiro, repassado para assessores e apoiadores, todos, por razões óbvias, interessados na vitória do seu líder político, e só depois foi parar na conta de campanha do prefeito? Por que assessores diretos? Por que não laranjas como comumente se usam? Por que seria considerado anormal indivíduos interessados em preservar suas posições na prefeitura, que seriam perdidas em caso de derrota, fazerem doações à campanha do seu candidato a prefeito?
- Mesmo considerando o que foi aceito pelo Juiz como verdade, onde está comprovado o uso de recursos públicos na campanha de Veneziano Vital? É provável que, pela primeira vez, um ato de corrupção eleitoral tenha sido tão organizadamente documentado, com guias de depósitos devidamente identificados e recibos assinados. Ou Veneziano e seus assessores parecem gostar de facilitar a vida dos juízes eleitorais ou, pelo visto, alguns juízes eleitorais se aproveitam para inferir o que bem entenderem a respeito de determinados fatos. É bom lembrar que eles não são cidadãos comuns, que fazem seus julgamentos a partir da "impressão" que desenvolvem a respeito desse ou daquele fato.
Segundo a defesa de Veneziano Vital, o que houve foi uma confusão. Na mesma hora em que o responsável pela Maranata foi ao banco, após 2 tentativas fracassadas de sacar o dinheiro, um membro da organização da campanha venezianista também estava na agência para depositar valores arrecadados entre os assessores do candidato peemedebista.
Segundo o que consta nos autos, não foi o representante da Maranata que passou um pacote de dinheiro para o assessor de Veneziano, identificado como Juraci, mas o contrário: foi o representante da Maranata quem recebeu o numerário acompanhado de uma lista com os nomes dos respectivos doadores para depósito. É que, como não havia dinheiro suficiente no caixa para "trocar o cheque", o caixa antecipou o recebimento dos valores das doações para completar o valor do pagamento do cheque. Esclarecendo melhor o fato:
"(...) [a testemunha, um dos caixas] informa que é possível a possibilidade de no caso de estar liquidando um cheque sem provisão de dinheiro no caixa e havendo uma pessoa noutra fila do caixa ao lado para depósito, encaminhar o seu cliente para liquidar o cheque no caixa ao lado;"
Ainda segundo a defesa, foi isso que originou toda a confusão. Em seguida, o Sr. Juraci, nome do assessor de Veneziano, entregou um pacote com dinheiro e a citada lista ao representante da Maranata, o que é comprovado através de resposta por escrito a um questionário encaminhado pela justiça ao Banco do Brasil:
"g) Se o caixa ou pares sabem informar se alguém entregou numerários e/ou documentos ao descontante do cheque 850730 de R$ 50.119,20, por ocasião da transação/liquidação do cheque?
Sim.
Um pacote com numerário. (informação prestada pelos caixas)."
O fato acima, sempre segundo o documento da defesa de Veneziano Vital, foi confirmado também em depoimento de um dos caixas:
"(...) e nesse momento observou que o Sr. Juraci começou a conversar com o Sr. Paulo, que se encontrava na boca do caixa de Josildo, e viu quando o Sr. Juraci passou o pacote de dinheiro e a relação para o Sr. Paulo;"
Ou seja, para a defesa de Veneziano Vital, o juiz Francisco Antunes não apenas desconsiderou os registros que constam nos autos, como os transcritos acima, preferindo a ilação de que, na verdade, o que houve foi uma transação para encobrir o uso do dinheiro público, o que não está demonstrado nem nos depoimentos nem na documentação levantada. Para a defesa de Vital do Rego, a decisão de cassar o prefeito foi tomada a partir da mera suposição de uma ilicitude, fundada na subjetividade meramente interpretativa dos fatos.
Por fim, cabem apenas mais alguns poucos registros par um arremate.
O primeiro, é o registro de que jornalistas tiveram acesso à quebra do sigilo bancários dos envolvidos antes mesmo do Ministério Público, como fica demonstrado através de matérias publicadas em páginas de notícias da internet, o que representa uma afronta à Constituição.
O segundo, não menos importante a demonstrar que esse jogo tem regras pouco claras, é que na agência bancária onde transcorreu a ação objeto dessa pendenga jurídica, trabalha, como funcionário graduado, um cidadão notoriamente vinculado ao PSDB campinense, pai de importante candidato tucano a vereador, que se elegeu.
E como a decisão do Juiz Eleitoral de cassar o mandato do prefeito de Campina Grande, Veneziano Vital, foi precedida de uma série de ataques contra a justiça paraibana, especialmente contra o TRE,– que aparentavam ser uma reação tardia à cassação do ex-governador tucano e sem objetivos claros e definidos – através de ilações que se originaram novamente em páginas e blogs da internet paraibana, e devidamente repercutidas no Congresso Nacional, é possível agora entender as reais intenções daquela campanha, na realidade preventiva: acossar os juízes do TRE, jogando sobre eles a suspeita de envolvimento político.
Caso a "campanha" tivesse começado agora – escutem o sepulcral silêncio que permeia o caso, quando, como todos sabem, que será o TRE a decidir o futuro político de Veneziano Vital – ficaria explícita a intenção de "pressionar" os desembargadores, mais uma vez com o circo que se armou durante o processo que cassou o ex-governador tucano, quando a justiça eleitoral foi, por diversas vezes, acusada de parcial e de envolvimento no projeto político peemedebista.
Quero agradecer, por fim, o esforço do prefeito Veneziano Vital de buscar esclarecer esses fatos. Isso mostra mais uma vez, em atitude, o que o distingue dos seus principais antagonistas campinenses: ao invés de criticar as decisões da justiça, desqualificando-as, numa tentativa de desmoralizar as instituições públicas, o atual prefeito de Campina Grande, acreditando em sua causa, procura enfrentar com argumentos esse embate jurídico, tentando demonstrar as limitações dos fundamentos da decisão que o cassou. Afinal, nenhum juiz é dono da verdade ou está acima do bem e do mal.
E quem ataca as decisões colegiadas da justiça – é bom frisar o termo "colegiadas" para distinguir de decisões individuais e unilaterais de juízes eleitorais, – por não atenderem aos seus interesses políticos, deve ver como único defeito disso a parcialidade que é contrária a esses interesses. A parcialidade que lhe beneficia deve ser sustentada pelo silêncio ou pelos elogios.
Antes de tudo, a preocupação que o prefeito de Campina Grande demonstra, além da de manter-se no cargo, o que e legítimo, é com a sociedade. É a ela, antes de tudo, a quem ele deve explicações. É ela a senhora do seu destino.
Que a justiça seja feita.
EM TEMPO: O Tribunal de Contas do Estado julgou hoje regular o contrato realizado entre a Maranata e a Prefeitura de Campina Grande. O contrato foi alvo de suspeita, tanto dos partidos de oposição à gestão de Veneziano Vital, quanto do próprio Juiz que cassou seu mandato. A prefeitura de Campina Grande era acusada de favorecimento à Maranata através do citado contrato para obter benefícios eleitorais durante campanha a reeleição. Para conferir a notícia clique aqui e aqui.
Flávio,
ResponderExcluirNunca acreditei que somente a universidade ou bancos escolares formam (bons) jornalistas. A contundência/coerência de dos seus comentários, sempre bem balizados, nos faz perceber o bom jornalista (alías, vc chegou a cursar jornalismo para só depois graduar-se em História pela mesma UFPB).
Esse é um caso em que a ausência de diploma é apenas detalhe.
Viva o bom jornalismo-
Flávio Lúcio,
ResponderExcluirNão se pode dizer que você não tentou. Tentou bravamente. Mas a versão em que Veneziano quer que acreditemos é inacreditável. No mesmo momento do saque da Maranata os doadores dele chegaram ao banco para depositar o mesmíssimo valor, só que fatiado em 12 (se não me engano) fatias? Conta outra, vai.
Desse jeito você vai acabar acreditando em Papai Noel, Fada Madrinha, Coelhinho da Páscoa... E que Zé Dirceu é honesto. Hehehehehe...
Gilson Gondim
(tio de Veneziano)
Aliás, a decisão do TCE não tem nada a ver com a do juiz eleitoral. A regularidade do contrato com a Construtora Maranata, do ponto de vista administrativo, é uma coisa. Outra coisa é o episódio eleitoral.
ResponderExcluirA Maranata, como prestadora de serviços à Prefeitura não podia doar e doou pelo menos 50 mil reais à campanha de Veneziano.
Praticamente, o dinheiro saiu direto da Prefeitura para a campanha do prefeito.
Não há a menor dúvida de que ele merece ser cassado.
Prefeitura>Construtora Maranata>"Doadores">Campanha de Veneziano.
ResponderExcluirÉ simples assim.
Professor Flávio,
ResponderExcluirObrigado pelo esclarecimento dessa questão, que ninguém entende nada. O seu texto permite o esclarecimento dessa verdadeira tramóia contra o prefeito de Campina. Aqui, esses Cunha Lima nunca aceitaram a derrota e tentam de toda maneira inviabilizar a gestão de Veneziano. Como você diz, Veneziano seria muito incompetente se tivesse agido como diz a oposição e "aceitou" o juiz.
Tudo seria entendido como quer a defesa, se não houvesse o depoimento do caixa dizendo que não existiu a figura do Sr. Juraci. Se o relatório do Banco do Brasil confirmando que no mesmo atendimento o Sr. Paulo sacou e de posse dos documentos dos possíveis "doadores" depositou de forma fracionada na conta do PMDB. Se não tivesse havido a quebra de sigilo bancário e fiscal dos "doadores". É BATOM NA CUECA!
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