Quem tinha alguma dúvida sobre as qualidades de Dilma Rousseff como candidata tirou ontem durante a entrevista que ela concedeu à Rádio CBN. Dominando números e conceitos, Dilma soube, com elegância, se livrar de todas as armadilhas colocadas para ela ao longo da entrevista, sendo o ponto alto o embate com Mirian Leitão, que foi dessa vez tratada com respeito, mas colocada no seu devido lugar.
Primeiro, Dilma ressaltou as vitórias da política externa brasileira, enfatizando a capacidade de diálogo de Lula, seja no G-20, durante a crise financeira de 2008-2009, quando Lula propôs corajosamente a regulação dos mercados financeiros; seja durante a Conferência de Copenhague, quando o Brasil foi sujeito ativo ao propor uma audaciosa política de redução da emissão de gases poluentes, deixando as grande potências que apostaram no impasse de calças na mão; seja na América Latina, quando o Brasil foi decisivo para manter a estabilidade política da região; e agora, no "Oriente Médio", quando o Brasil atuou para evitar o isolamento do Irã e esvaziar as intenções belicistas dos EUA na resolução do conflito.
Depois veio Lucia Hipólito, que de cordeirinho para José Serra, tentou ir logo para ofensiva contra Dilma Rousseff ao insinuar terem sido as Agências Reguladora politizadas e esvaziadas. Dilma foi firme ao discordar de Hipólito, especialmente ao reafirmar que essas agências, como sempre defenderam os tucanos, não podiam substituir o Estado, seja para planejar os setores da economia nacionais em que elas atuam, seja para para evitar o controle absoluto dos interesses do mercado sobre os da sociedade.
Foi por esse flanco aberto que Dilma, com esperteza, abriu caminho para discutir o que ela entendia por um Estado mais eficiente. Contra as insinuações de aparelhamento, Rousseff defendeu um Estado que preste serviços de melhor qualidade através da valorização dos servidores mais qualificados. Entre os vários exemplos dados, destaque-se a educação, que, segundo ela, sem um professor bem remunerado e permanentemente qualificado, não é possível uma educação de qualidade. Contra a noção de qualidade dos tucanos, ela citou o exemplo do Ministério das Minas e Energia que, quando assumiu sua direção em 2003, havia a proporção de 1 engenheiro para 10 motoristas.
Assim, para Dilma, a questão não é ter mais ou menos funcionário, mas ter funcionários qualificados para prestarem um serviço público de qualidade. Nas palavras dela: o Estado precisa de mais engenheiros, mais técnicos, mais professores, e menos auxiliares de serviços gerais. Isso significou mudar a relação técnica que existia dentro do Estado brasileiro. E isso acontecia antes – mais uma estocada nos tucanos – porque o Brasil passou mais de uma década sem investir na melhoria do serviço público.
Dilma também criticou a falsa oposição que o governo tucano e a grande imprensa tentou estabelecer entre universidade e ensino básico. A qualidade de um, enfatizou Dilma, depende da qualidade do outro. O ensino básico forma melhor os futuros alunos das universidades, enquanto que estas, entre outras coisas, formam os professores para o ensino básico.
A candidata do PT também foi corajosa o suficiente para questionar tanto a necessidade de uma nova reforma da previdência, como continuam a pregar as viúvas do tucananto neoliberal. Dilma defendeu reformas tópicas e sistemáticas, sem a necessidade de uma nova e mais ampla reforma previdenciária. Por exemplo, quando constatar-se o aumenta do tempo de vida médio da população brasileira. Mas, sempre através de um diálogo transparente e claro. Dilma Rousseff quanto chegou mesmo a contestar a existência de um déficit previdenciário. Para ela, excluídos os gastos que não se destinam a aposentadoria daqueles que financiaram a previdência, não há déficit. Nesse ponto, ela revela uma mudança significativa na análise dessa questão, que foi o principal argumento para defender a reforma da previdência de 2004.
Como eu disse, o ponto alto da entrevista foi o embate com Mirian Leitão, que começou nos termos abaixo:
MIRIAM LEITÃO – A senhora nunca apoiou políticas que garantiram a estabilidade da moeda. Por exemplo, controle de gastos. Quando Antônio Palocci e Paulo Bernardo propuseram reduzir e zerar o déficit público, a senhora considerou a idéia rudimentar. E eles estavam certos [coitados de Palocci e Bernando!], porque de lá para cá a dívida pública bruta subiu de 1.2 trilhão para 2.2 trilhões. Agora, a senhora tem defendido a estabilidade da moeda, políticas restritivas fiscais e monetárias. Quando é que a senhora mudou de idéia, porque eu perdi essa parte?
Dilma começou por explicar o que ela entendia por ajuste de longo prazo, até que chegou no ponto crucial:
DILMA ROUSSEFF - Eu não posso prever um plano de ajuste fiscal de longo prazo quando o PIB começa mais alto e acaba mais baixo. É o inverso (...) Porque o próprio plano de ajuste fiscal é um fator de elevação do nível de crescimento da economia...
[Para Miriam Leitão, o importante é economizar para pagar os banqueiros]
MIRIAM LEITÃO - Ministra, a minha pergunta não está sendo respondida!
DILMA ROUSSEFF - Eu estou tentando, Mirian. Estou fazendo o melhor dos meus esforços para te responder...
Mirian lançou a casca de banana e queria que Dilma caísse de todo jeito. Ou seja, ela começou afirmando que Dilma era contra as políticas de restrição orçamentária que garantissem a estabilidade da moeda, para insinuar que Rousseff não tinha preocupações com a inflação. Eles estão em busca de um discurso. Como Dilma discordou do argumento e justificou numa linha que desmontava a visão recessiva de restrição do gasto público, sem preservar o crescimento econômico que Miriam Leitão e os tucanos sempre defenderam, Mirian Leitão tentou subir nas tamancas. Com isso, a candidata do PT armou o golpe final.
E começou com o exemplo do PAC. Nesse caso, segundo Dilma, o governo trabalhou com metas de superávit primário, de queda do déficit nominal, e de taxa de juros, numa perspectiva de longo prazo, algo que não existe no manual neoliberal de Mirian Leitão e dos tucanos, que só vêem o aqui e o agora dos lucros do capital rentista. Dilma comprovou que a dívida pública caíra no governo Lula na relação com o PIB, desmascarando assim a tentativa de Leitão de tentar atribuir à candidata de Lula a pecha de "gastadora". Dilma Rousseff só esqueceu de comparar o gasto público nos governos FHC e Lula. Teria sido a pá de cal!
Para esclarecer o debate que vem em seguida, a dívida bruta refere-se à dívida total do setor público, incluindo as 3 esferas de governo. A dívida líquida compõe a dívida bruta menos os créditos que os governos tem a receber. Da mesma maneira que a dívida externa. Descontados os créditos no exterior e as reservas cambiais, o Brasil não tem mais hoje dívida externa. Ao contrário, o país é credor externo. Mas, para confundir, Leitão insistiu apenas no volume da dívida bruta. Vejam como Dilma coloca Mirian Leitão no bolso.
MIRIAM LEITÃO: Ministra, os números mostram o contrário. A dívida pública cresceu…
DILMA ROUSSEFF: É isso. Houve queda sistemática do déficit fiscal. É isso que é ajuste fiscal de longo prazo… Você está falando da bruta.
MIRIAM LEITÃO: A bruta que é a mais importante.
DILMA ROUSSEFF: Então, vamos discutir porque a dívida bruta cresceu…
MIRIAM LEITÃO: Deixa eu terminar minha pergunta. O governo Lula, a partir do momento que a senhora assume, e o ministro Palocci sai, começa a aumentar muito os gastos públicos. A senhora estava errada quando atropelou a proposta do ministro Palocci?
DILMA ROUSSEFF: Me desculpa, Míriam. Você está falando uma coisa que não é correta.
MIRIAM LEITÃO: Por que não é correta?
DILMA ROUSSEFF: O momento (em) que nós fizemos o maior superávit primário, tão grande que nós podemos constituir o fundo soberano, foi em 2008. Você está errada no que se refere a números. Além disso, você falou em dívida bruta, sabe por que cresceu? Quanto a nossa dívida líquida você concorda que é cadente, não? Nós fizemos um pequeno desvio diante da crise [de 2008-2009], muito necessário para a gente poder sair da crise sem grandes consequências. Aliás, o Brasil tem um dos menores déficits nominais, uma das menores dívidas/PIB, que é a relação dívida líquida sobre PIB.
MIRIAM LEITÃO: A senhora estava errada quando atropelou o ministro Palocci, a minha pergunta inicial?
DILMA ROUSSEFF: Só um pouquinho, me desculpa, eu acho que você está errada no conceito. Não houve essa questão. Nós temos perseguido cada vez mais, aprimorado a nossa política de ajuste de longo prazo. Tanto é assim que, no caso da dívida bruta, as razões pelas quais ela cresce são o fato de a gente ter construído US$ 250 bilhões em reservas. Você sabe tão bem quanto eu que, se eu quiser reduzir a dívida, as reservas têm liquidez imediata, o compulsório que nós liberamos foi de US$ 100 bilhões. O Banco Central liberou US$ 100 bilhões para os bancos e, ao fazê-lo, isso foi diante da crise. E por fim liberamos US$ 180 bilhões para o BNDES, um pouco menos do que isso, a título de garantir empréstimo e investimento de longo prazo e impedir que as empresas brasileiras tivessem menos oferta de crédito. Então, não se pode discutir dívida bruta no Brasil sem dizer por que ela aconteceu. Senão, é como lançar plumas ao vento. Eu digo que a dívida bruta subiu e não digo porque ela é, por exemplo, completamente diferente da dívida bruta da Grécia, que está quebrando. Nós não estamos quebrando, estamos cada dia mais robustos. Agora, o que é importante entender, você está pegando uma discussão de 2005 (...) Sabe como fizemos? Colocamos o investimento na ordem do dia, mantivemos talvez nessa trajetória a maior queda nos últimos tempos da dívida líquida sobre PIB, e do déficit nominal. Fomos interrompidos pela crise? Fomos. Para sairmos, tivemos que reduzir de 3,6%, 3,3% o superávit primário, para 2,1%. Este ano, estamos repondo. A mesma coisa houve também no déficit nominal. Nós estávamos numa trajetória de queda do endividamento. Acho que a grande conquista fiscal do Brasil foi desindexar a dívida externa brasileira das moedas externas. Foi altamente relevante.
A intenção de Mirian Leitão era apregoar para os setores do mercado financeiro que a capacidade do Brasil de pagar suas dívidas está se diluindo por conta desse suposto crescimento da dívida pública no Brasil.
Cobrar, portanto, de Lula e Dilma as responsabilidades com a dívida pública que, segundo demonstrou a candidata do PT, está caindo em relação ao PIB, usando, inclusive, dados capciosos, é uma falácia.
Lula e a maioria dos brasileiros concordam. Dilma passou no primeiro teste com louvor.
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