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Os "rolezinhos" contestam a existências desse mundos à parte |
Quando jovens pobres da
periferia de São Paulo resolveram marcar um encontro, via Facebook, em um dos
shoppings da capital paulista, estava criado um movimento que tem muito a dizer
sobre nossa sociedade.
Aqueles primeiros jovens
que resolveram se reunir no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste de São
Paulo, no dia 8 dezembro, que sofrerem o constrangimento da vigília e das
abordagens feitas pelos seguranças do estabelecimento sem que nada disso fosse
justificado – eles não estavam roubando ou fazendo qualquer tipo de tumulto, –
descortinaram para o mundo, ao provocar um necessário debate sobre o caso, uma
realidade marcado cada vez pela segregação social.
O “rolezinho”, como o
movimento ficou conhecido, também é capaz de mostrar o alto grau de
espontaneidade da organização dos jovens, sem que para isso eles precisem de
estruturas políticas tradicionais, como as entidades estudantis.
Hoje, movimentos se
criam com a mesma força e rapidez com que desaparecem, para depois voltarem a
se recriar, a partir de novas bandeiras.
Esse é um fenômeno
cultural e político que ainda estamos longe de compreender o seu alcance e suas
consequências, mas já temos amostras o suficiente para considerar que se trata
de uma nova forma política de organização sem organização, ou seja, baseada na
ausência das chamadas “vanguardas”, aquelas forças que antes tomavam a
iniciativa e iniciavam mobilizações e mesmo revoluções.
No mundo acadêmico, esse
fenômeno é a realização – com todos o senões que a questão merece – do que se
chama de “morte do sujeito”, nesse caso, coletivo.
Esse caráter, em parte
espontâneo, deixa sempre em aberto os caminhos que tais movimentos podem
assumir, porque o papel anterior da liderança é substituído por formas mais
horizontais e descentralizadas.
Indivíduo ou grupo?
Por que esses jovens
optaram pela ida coletiva aos shoppings? Provavelmente, tanto pela presença dos
seguranças a mando dos donos dos shoppings, que os vigiam e, não muito raro, os
convidam a sair , ou pelo olhar reprovador e ameaçador daqueles que reagem ao
ver seu espaço invadido.
Por serem os shopping
centers templos do consumo, espaços demarcados destinados àqueles de renda mais
alta, que vão lá para, além de consumir coisas, consumir o processo que leva ao
consumo: a propaganda, as vitrines, a moda, e os desejos a se realizar.
Portanto, é um ambiente
opressivo para quem não pertence aquele mundo e tem contato com ele apenas pela
televisão ou quando está lá apenas a trabalho.
Esses jovens, claro, têm
também desejos de consumo, sonhos de pertencimento a esse mundo, mas sabem que
dificilmente os realizarão.
É essa “consciência
coletiva”, como diria o sociólogo francês Émile Durkheim, que os oprime e os
retêm fora dos shoppings.
Por isso, a maneira de
enfrentar essa interdição psicológica é entrar nos shoppings em grupo, como
forma de buscarem proteção mútua contra a carga opressora dos olhares e das
desconfianças.
E assim, como um
rastilho de pólvora detonado pela divulgação dos primeiros enfrentamentos
dentro e fora dos shoppings paulistas, o movimento chamado de “rolezinho”
começa a se espalhar pelo Brasil, inclusive aqui em João Pessoa.
Antes de mais nada,
mesmo que não seja a intenção explícita desses jovens, que desejam mesmo é
acessar e viver nesses ambientes de consumo, o “rolezinho” expressa o fosso
social que ainda existe no Brasil e continuam a nos mostrar apartheid social que
se materializa nos espaços dos shopping centers hoje, mas não só neles.
Essa mobilização,
entretanto, tem gerado temores, ameaçado os jovens de classe média que se “divertiam”
até agora sob a proteção desses espaços privados, mesmo sendo eles espaços
abertos ao público.
Condomínios fechados e “micarandes”
Eu lembro que há algum
tempo se desenvolve no Brasil essa tendência de ocupação de espaços exclusivos,
segregados.
Os condomínios fechados
são um exemplo disso. São eles espaços urbanos privatizados, cujo acesso é
destinado apenas a quem lá vive, protegido por cercas elétricas e toda
parafernália da segurança privada.
Existem condomínios
autossuficientes, que já contam até com escolas, supermercados, farmácias, onde
muitos jovens vivem isolados e alheios ao mundo e aos problemas do mundo.
A diversão desses
jovens, muitas vezes, se resume a ir aos shoppings, nesse mundo virtual que é a
extensão do Ipad e do smarthphone com os quais eles “interagem” com a sociedade
“lá fora”.
Nesse território ideal,
os pobres são mesmo uma ameaça a desfigurar esse universo organizado, limpo e
cheiroso. Essa segregação não deixa de ser uma maneira de desresponsabilização das
condições em que vive a pobreza.
Outro espaço de
segregação, felizmente em desuso, pelo menos aqui em João Pessoa, são as
“Micaretas”, esses carnavais fora de época em que os foliões brincam em blocos
que separam seus componentes através de cordas e seguranças que garantem o
isolamento dos jovens.
Mesmo em realizado em
espaços públicos, nessas “Micaretas” brinca que tem dinheiro, quem pode pagar
para entrar dentro das cordas.
Quem não tem dinheiro
fica apenas olhando do lado de fora.
Veio à minha lembrança
agora um diálogo que tive certa vez com uma jovem de classe média a respeito do
bloco Muriçocas de Miramar.
Em meio a diversos comentários
a respeito do carnaval, um em especial me chamou a atenção: “Eu não gosto do
Muriçocas por que ele é muito ‘misturado’” A “mistura” referida, nesse caso, era
social. Na rua, no espaço público todas as classe se encontram, se “misturam”,
se integram, convergem num mesmo sentido de celebração e alegria.
Se refletirmos bem, os
rolezinhos são uma reação a esses mundos à parte. Os seus participantes querem
participar deles, mesmo não sendo bem-vindos.
O que nós temos a dizer
para eles?
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