No vídeo acima, veja os "limites" do MMA.
Continua a pergunta: onde foi parar nossa humanidade?
Logo assim que acordei na manhã de domingo,
comecei a escrever um despretensioso texto comentando em breves palavras o
caráter desumanizado que eu identifico sempre que assisto as lutas do UFC.
Ao
publicá-lo no blog pessoal que mantenho na internet e depois no Facebook,
surpreendi-me com a repercussão imediata que o texto teve, dividindo opiniões e
mostrando o incômodo para os seguidores daquelas lutas que causaram as críticas
ali esboçadas.
Em defesa da modalidade, muitos reagiram com ataques por escrito também
violentos, o que é uma mostra, senão de todos, pois tenho grandes amigos que
são admiradores da luta, do perfil de uma parcela significativa que sente
prazer em acompanhar aqueles espetáculos de violência.
Ao longo da semana, meu
blog teve mais de 110 mil acessos e quase 200 comentários foram lá postados até
a última sexta-feira!
A coluna de hoje volta ao assunto num esforço de
aprofundamento, ainda que limitado pelo espaço disponível.
O que é
o esporte?
A violência extrema que eu identifico no MMA (Mixed Martial Arts
ou Artes Maciais Mistas, em bom português), o distancia inquestionavelmente do
que historicamente as sociedades sempre entenderam por “esporte”, a partir
daquela relação intrínseca que essa atividade tão bem promove: a sanidade do corpo
e da mente através da competição saudável, do esforço físico que condiciona os
músculos, desenvolve habilidades, aperfeiçoa a beleza plástica dos movimentos e
potencializa a rapidez de sua execução.
E a prática do esporte, mesmo sendo atividade física, não
estava relacionado a trabalho ou a qualquer fim instrumental que envolvesse
alguma coisa que não fosse a saúde física e o desenvolvimento dos músculos.
Enfim, o esporte sempre foi visto desde a Grécia Antiga como culto à saúde
corporal, que os gregos acabaram por transformar em “Educação Física” e que,
hoje, infelizmente, começa a perder importância nas escolas.
Esporte, para os
gregos, não era mero culto ao corpo, mas a busca do equilíbrio nas atividades
do cotidiano que envolviam o pensar e o agir.
Elas valorizavam os cidadãos de
tal maneira que Homero, numa das passagens da Odisseia, usou o esporte para distinguir Ulisses não apenas pela
sagacidade, mas também pela força e habilidade.
São também criação dos Gregos as Olimpíadas, como sabe
qualquer estudante, um evento que se propunha a integrar os Helenos através dos
esportes, mesmo em tempos de guerra.
Era o momento em que as diferenças entre
eles davam lugar a disputas que nada tinham a ver com a guerra, a violência e a
morte, mas eram manifestação plena de civilidade.
Esporte
e modernidade
Quando as Olimpíadas foram trazidas diretamente para a
modernidade pelo barão Pierre de Coubertin, o ideal olímpico ("O importante não é vencer, mas competir com
dignidade"), que valorizava a participação acima da vitória, se defrontou
imediatamente com uma ética avassaladora que transforma e dá a tudo um valor.
Aristocrata, Cobertin desejava que valores menos utilitários envolvessem e
dominassem o esporte.
Tanto que ele proibiu que atletas profissionais
participassem dos Jogos Olímpicos, e assim foi mantido até que o esporte,
transformado em profissão, foi, nas décadas finais do século passado, finalmente capturado pelas empresas de material
esportivo e pelas TVs.
Não soa estranho para muita gente que cervejarias promovam
eventos esportivos, como já promoveram antes os fabricantes de cigarros.
Ou que
as TV moldem, e algumas vezes determinem, as regras de alguns esportes para que
se encaixem melhor em suas programações. Ou que atletas recebam salários
milionários.
O sucesso de um esporte está relacionado à capacidade dele de
arregimentar expectadores. São eles que promovem o esporte e arregimentam
patrocínio.
E a atenção do consumidor-telespectador que incansavelmente os promotores desses eventos
perseguem em transmissões cada vez mais apuradas e cheias de detalhes.
MMA, a
violência como espetáculo
Essa digressão teve por objetivo localizar o MMA no debate
ético sobre o esporte na atualidade e, por isso e nesse aspecto, não
diferenciá-lo de outras modalidades.
Nesse ponto, o MMA, como esporte
profissional, foi tão engolfado pelo mercado quanto qualquer outro esporte.
O
problema está em outro lugar: na violência associada ao esporte, na insanidade
que leva atletas, em sua busca incansável pela vitória, pelo reconhecimento e
por dinheiro, a chegar ao extremo de quebrar o braço de seu oponente para que
ele, finalmente, reconheça sua derrota.
Ou a que lutadores, resistindo em
aceitar a derrota, continuem a lutar, mesmo que um imenso hematoma, que toma
conta de quase toda sua testa e quase o impede de enxergar, não canse de mostrar
que aquele lutador está incapacitado momentaneamente para a luta.
Mas, mesmo assim, os juízes permitem que o massacre
continue. E sabem por quê? Porque o espetáculo tem de continuar.
Telespectadores sedentos de sangue e dor querem continuar testando os limites
daqueles homens ensanguentados, saber até onde eles aguentam.
Uma das situações
mais insanas é quando alguns lutadores, tendo desferido um golpe certeiro e,
mesmo tendo nocauteado seu oponente, continuam a golpeá-lo na cabeça para não
perder a oportunidade da vitória.
Os apreciadores chamam isso de “finalização”,
e pode continuar até que o juiz perceba que o oponente caído está
inconsciente.
Está do outro lado,
na assistência presencial e naquela que fica sentada nos sofás das salas e nos bares em
frente à TV.
É ela que permite toda essa brutalidade, pois sem sua anuência
esse show de imagens, cuja brutalidade é produzida incansavelmente e a cada
luta, não seria possível - os ossos quebrados, os hematomas gigantescos, o
sangue em abundância que se produz a cada sessão de lutas.
A imagem da perna de
Anderson Silva quebrando, mostrada em detalhes numa supercâmara lenta, por si
só produziu em mim um profundo desconforto, mas para o público do UFC,
acostumado a imagens fortes, e talvez já insensível pela repetição, aquilo foi
mais uma entre tantas outras.
Em que momento ele finalmente vai se perguntar se
são humanos aqueles que lutam e se destroem mutuamente na sua frente?
(*) Coluna publicada no Jornal da Paraíba de domingo (05/01/2013)
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