Quem é a favor da prática do aborto? Uma mulher optaria pelo aborto sem que isso não lhe causasse nenhum sofrimento? Consideraria isso uma atitude banal, como mudar a cor do cabelo? Não acredito. Certamente, uma decisão como essa conduz a dilemas morais e afetivos. É só olhar para nossos filhos e enxergarmos neles a vida pulsante que os habita. Como qualquer animal, somos capazes de tudo para proteger nossa cria.
Por isso, esse debate sobre o aborto causa tanta celeuma, tanto desconforto, no Brasil e no mundo. Mesmo assim, o aborto é uma prática mais comum do que imaginamos. Veja alguns dados abaixo
O aborto, não incluídos os espontâneos ou os praticados por motivos médicos, é um dos procedimentos que mais ocupa leitos dos serviços públicos e privados do país.
- Entre Janeiro e Junho de 2010 no Brasil ocorreram 54.339 internações hospitalares em razão de abortos inseguros, numa média de 12 casos por hora;
- As internações por conta de abortos inseguros superam a soma de tratamentos para câncer de mama e útero;
- Por conta disso, o Brasil gastou só nos 6 primeiros meses deste ano R$ 12,9 milhões com internações de mulheres com hemorragias, infecções ou perfurações por conta de abortos inseguros.
- Nesse mesmo período foram realizada 110.483 mil curetagens, em valores que superam R$ 30 milhões.
- Entre as mulheres brasileiras de 18 a 39 anos 15% declararam já ter feito um aborto alguma vez na vida o que representaria 5,3 milhões de mulheres". (Clique aqui)
Na Paraíba, de 1998 até 2008 houve um aumento de 176% no número de internações por abortamento, quando foram verificados 20.655 interrupções da gravidez induzidas, configurando uma taxa de 19,6 por mil mulheres de 15 a 49 anos que optaram por esse procedimento. Em João Pessoa e Campina Grande, foram realizados 5.151 procedimentos pós-aborto (Clique aqui)
Como os dados mostram, trata-se de um problema de saúde pública para o qual o Estado e seus dirigentes não podem fechar os olhos nem muito menos virar as costas para essas mulheres que tem o direito a um atendimento de saúde digno. Fazer de conta que o problema não existe não ajuda a diminuir os abortos, apenas a manter desprotegidas essas mulheres que, muitas vezes sem alternativa, optam por interromper a gravidez.
Por isso, tendo em vista a amplitude do problema, é inevitável não concluir que há algo de desumano nos argumentos daqueles que se opõem à descriminalização do aborto por razões exclusivamente morais. Como se sente uma mulher que optou por interromper a gravidez sendo acusada de "assassinato"?
Nesse debate, recoberto de questões morais, éticas e afetivas, não é possível excluir as determinações sociais, econômicas e mesmo aquelas referentes às opções individuais da mulher. Ser mãe não pode ser uma obrigação, especialmente porque não serão aqueles que apontam o seu dedo acusador que irão cuidar dos filhos. Todas as mulheres são capazes de criar seus filhos e amá-los tanto quanto aqueles que se acham recobertos de virtudes. Basta que elas estejam preparadas psíquica e econômicamente para esse desafio, que não é pequeno.
Sexualidade e aborto: o que somos, afinal?
No debate sobre o aborto, normalmente se encontram concepções de ordem cultural e biológica. Além da capacidade de amar que é própria da cultura humana, nos defrontamos com questões que, inconscientemente, se vinculam à sobrevivência da espécie. Visto assim, o ato sexual é tão necessário como comer ou beber água sendo ele o mais primário dos nossos impulsos, de nossas pulsões.
Mas, como o sexo esteve por milênios exclusivamente vinculado ao ato reprodutivo – hoje as mulheres podem engravidar em laboratórios, – ele se recobriu de moralidade religiosa, especialmente cristã. E como não somos seres puramente biológicos, pelo contrário, descobrimos no sexo e associamos a ele também o prazer. E sexo por prazer, como tantos outros prazeres "mundanos", tornou-se pecado, admitindo-se entre os cristãos apenas o seu valor reprodutivo. Não é por outro motivo que o sexo prazeroso foi incluído entre o 7 pecados capitais (luxúria) e identificado com Asmodeus, um dos cinco príncipes do inferno.
Por curiosidade, pesquisei na internet em páginas cristãs sobre o tema e eis um bom resumo de interpretações sobre o sexo. (Clique aqui)
- "O sexo é um dom que Deus dá às pessoas casadas para o prazer de ambos." É recomendada leitura de Provérbios 5:18-19.
- "A Bíblia recomenda que o romance e o dom de sexualidade sejam usados no contexto do casamento". Aqui, remete-se a Hebreus 13:4
- "Deus criou o sexo como parte do casamento" (1 Coríntios 7:5)
- "Para que não causemos danos a nós mesmos, os desejos e as atividades sexuais devem ser mantidas sob o controle de Cristo". (1 Tessalonicenses 4:3-5)
- "Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela."
Vê-se, portanto, porque o sexo tornou-se uma palavra cujo nome não pode ser pronunciado nas igrejas. E de posições assim, por exemplo, decorre a condenação ao homossexualismo. Ora, se Deus criou o sexo para reprodução como aceitar as relações homossexuais?
O problema desse argumento é que, se Deus criou o sexo, deve ter criado também a atração sexual, o desejo. E como não somos animais, somos capazes de transgredir a "natureza" das coisas, adaptando-as às nossas necessidades. Não vivemos mais em estado de natureza, como prezavam, à exceção de Rosseau, os contratualistas.
E há aqui um paradoxo. Segundo Freud, a repressão aos nossos comportamentos instintivos, animalescos, ajuda a preservar a civilização. Ou seja, há um sentido civilizacional na repressão aos nossos impulsos que nos molda e impede a guerra de todos contra todos, no nosso caso, a animalidade do sexo e da violência sexual.
Mas, o sexo está em nós, queiramos ou não, seja porque somos seres biológicos, e precisamos nos reproduzir, seja porque ele é parte fundamental na nossa formação e tem um valor significativo para influenciar o que nós somos. Enfim, o sexo é ineliminável de nossas existências, e, ao contrário daqueles que pensam que conseguiram excluí-lo de suas vidas, ele permanece lá, agindo no seu inconsciente. E a repressão a esses impulsos não tem nada de anti-humano. É porque somos humanos, e só por isso, que conseguimos reprimir o desejo impulsivo.
Que animal luta contra seus próprios instintos? E o que nos caracteriza como humanos é essa consciência que temos da vida, do mundo e de nós mesmos. Somos, também por isso, capazes de acreditar em Deus, e não porque somos animais biológicos, mas porque somos humanos. Demasiadamente humanos, como diria Nietzsche. E imperfeitos, como gostam de nos chamar a atenção padres, pastores e bispos quando querem se referir à fragilidade humana diante das "tentações" da carne.
Ao mesmo tampo, também porque somos humanos, somos capazes de nos libertar da repressão e buscar um ponto de equilíbrio entre nosso "estado de natureza" instintivo e nosso ideal civilizacional. Contra a opressão religiosa, a sociedade começou a emergir para começar a se livrar dos grilhões que querem manter os humanos presos à sua animalidade, como se o Deus uno não fosse a expressão mais ancestral do que chamamos hoje de civilização.
E foi exatamente essa consciência de nós mesmos, como indivíduos, que enfraqueceu o poder que a Igreja tinha sobre a sociedade, dirigindo-a com seus desígnios, seja pelo "convencimento" seja pela violência, como aconteceu com povos considerados "pagãos" (os índios brasileiros, por exemplo, durante a colonização), ou com judeus ou mesmo cristãos que foram mortos na fogueira durante a Inquisição.
E a perda dessa hegemonia cultural e intelectual aconteceu pela valorização da ciência no cotidiano das pessoas, pelo avanço do acesso à informação, pela afirmação dos valores individuais. Por outro lado, vimos florescer um dos valores civilizatórios mais caros à democracia que é, sem dúvida, a conquista de um Estado laico, ou seja, um Estado separado da Igreja, no caso brasileiro, da católica, quando a liberdade religiosa foi definida como um direito de todos.
Hoje, o que é um outro aparente paradoxo, vemos recrudescer no setor dominante da Igreja, especialmente católica, uma postura obscurantista que beira, em muitos casos, o fundamentalismo. Num reacionarismo desmedido, irracional, membros da Igreja Católica chegam mesmo a bradar contra o uso dos preservativos. Se opõem às pesquisas com células-tronco, que poderão salvar milhões de vida em um futuro cada vez mais próximo.
Governantes são criticados abertamente porque permitem que o poder público distribua camisinhas, considerando isso um ato injurioso e inaceitável moralmente, só para manterem-se fiel a um valor que enxerga o prazer sexual como uma transgressão moral e religiosa. Preferem recomendar a hipocrisia e a repressão sexual a reconhecer os perigos de um ato sexual desprotegido.
- Renunciem à imundice do prazer!, clamam pastores, bispos e padres. Só assim não terão nem filhos nem doenças, que é o mesmo que dizer:
- Sintam culpa de sua humanidade!
Um parêntese: (Aqui na Paraíba esse setor da Igreja Católica é liderado pela hipocrisia oportunista do bispo Dom Aldo Pagotto, que critica o envolvimento político de sacerdotes, mas sempre se perfilou ao lado do conservadorismo de direita na Paraíba, participando diretamente da campanha de Cássio Cunha Lima ao governo e de Ricardo Coutinho a prefeito. Hoje, na busca dos holofotes da mídia, provavelmente com inveja dos pastores que ganharam notoriedade atacando Dilma Rousseff pelo Youtube, ele lança o veneno da discórdia e do preconceito fazendo coro com as viúvas de FHC, que encontraram no aborto um flanco para desviar o foco do verdadeiro debate que interessa nessa eleição, que é sobre projetos de desenvolvimento para o Brasil. Dom Aldo Pagotto não merece mais do que essas poucas linhas. Quem fala em dignidade humana e protege pedófilos, quem brada contra o aborto e desampara uma criança indefesa, não merece a condescendência de uma resposta à altura.)
Enfim, acabamos diante de uma questão: como debater aborto sem debater sexualidade? Especialmente porque a saída para todos os lados dessa contenda é a informação e a prevenção. Com a descriminalização do aborto, todos (Estado, escolas, universidades, meios de comunicação, igrejas) podem cumprir um importante papel e contribuir para que as mulheres, especialmente as mais jovens, bem como os seus parceiros, especialmente os mais jovens, evitem uma gravidez indesejada. Quando não conseguirem, católicos e evangélicos continuarão sua pregação contra o aborto, e poderão convencer suas seguidoras a manterem sua gravidez. Como sempre, continuarão sendo elas (e só elas) que poderão decidir.
Em tempo: assista abaixo excelente depoimento do Pastor Paulo Kazão, do Ministério Internacional Graça Sobre Graça. Ele mostra que as lideranças evangélicas não são todas iguais.
mas eu queria saber o quer é aborto porque é negocio de escola e vai vale 7;0 eu quero passa de ano.
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